No último dia de verão, eu estava tentando colocar minha cabeça no lugar e esquecer aquilo que eu deixei no passado. Por isso, neste exato momento encontro-me pedalando próximo a praia. Quando me abaixo para alcançar minha garrafa d’água, noto o cadarço de meu tênis desamarrado. Paro e desço da bicicleta, enquanto amarro o meu sapato alguém distraído esbarra em mim.

 -Desculpa, eu não vi você. Está bem? Não está machucado? – Ela disse olhando pra mim. Ela não havia mudado nada, os mesmos cabelos castanhos longos e encaracolados, pele agora um pouco mais bronzeada, e aqueles olhos cor de mel que refletiam a alma. Corri os olhos pelo seu rosto e ao chegar à boca, tive que me conter, embora quisesse desesperadamente beijá-la, não podia. Fiquei apenas ali, com cara de bobo e assentindo enquanto ela me perguntava se eu estava bem, ela deve ter me achado um completo idiota.

 Juntei todas as minhas forças, que eram quase nulas e falei que estava bem. Ela sorriu e apenas falou um simples: que bom, e voltou a correr, se afastando cada vez mais. Fiquei ali observando sua silhueta no horizonte, me levantei, catei minha bicicleta e fui para casa. Eram apenas 9 da manhã, mas o dia tinha acabado pelo menos pra mim.

 Ao chegar em meu minúsculo apartamento, largo a bicicleta no chão de qualquer jeito e me jogo no sofá, colocando nossa música pra tocar

      Quando vejo seu sorriso

     Lágrimas escorrem por meu rosto e

     Não posso fazê-las voltar

 Aos 11 anos de idade me apaixonei pela dança e como consequência essa é minha profissão, sou professor de uma escola especial para artistas. Sei que por ter apenas 22 anos sou muito jovem para exercer a profissão, uma vez que a escola aceita alunos a partir dos 18 anos, mas sou um prodígio.

Todas as noites me apresento na Brent Street Schools, hoje não seria diferente, portanto o melhor que eu tenho a fazer e esquecer e me recompor. Levantei do sofá e fui tomar uma ducha, a medida de que fui relaxando, imagens do passado invadiram minha mente. Eu e ela, quando crianças, andando de bicicleta. Devíamos ter uns 8 anos na época. Despertei  de meu devaneio com o soar do despertador, me avisando que estava na hora de me arrumar. Saí do banho, apanhei minhas calças que estavam em cima da cama, meu suéter bege q estava no sofá e calcei minhas botas que estavam na cozinha, abri o micro-ondas, peguei uma fatia de pizza e me servi de um copo de suco na mesa, apanhei minha pasta e segui para o carro.

Como de costume fui o primeiro a chegar, então me sentei ao piano e comecei a tocar. Na metade da musica fui interrompido pelo diretor e por... Ela.

—Ronnie, essa é a sua nova aluna, transferida de NY, o nome dela é...

—Melanie-sussurrei surpreso. A Mel esta aqui.

—Você?!- vi a expressão de descrença no rosto dela- Você é o professor?-o diretor se pronuncia após aquela pergunta.

—Com licencia, tenho outros assuntos a resolver. - dito isso, saiu nos deixando sozinhos naquela sala, eu com cara de idiota surpreso e ela de descrença e confusão.

 - Acho que ouve algum engano. Estou matriculado na aula de ballet clássico, não piano. –fala e eu respondo sua dúvida.

 -Não, não há engano algum. Eu sou o professor de ballet. Piano é apenas um passa tempo nas horas vaga.- Eu disse corando, a presença dela me deixou desconfortável.

 Durante toda a aula fiquei distraído, ela ainda dançava como se estivesse nas nuvens, era um verdadeiro anjo.

 Ao término da aula todos os alunos se apressaram para ir para casa, pois estava chovendo muito forte. Quando estava quase deixando o prédio com meu carro eu a vejo. Não está com guarda chuva ou qualquer outra coisa para se proteger daquele temporal. Então tive a ideia de lhe oferecer uma carona, a final não havia nada de mais nisso, e eu ainda poderia ficar perto dela um pouco mais.

 -Oi, quer uma carona? - perguntei

  -Eu não te conheço, não deveria aceitar.

 -Prometo que não vou te sequestrar ou mata-la. - confesso que eu estava nervoso e não consegui pensar em nada. Eu já estava me preparando para receber uma resposta daquelas, quando ouvi uma risada e em seguida a porta do carro abrindo.

 -Tá legal, mas só pra garantir mantenha as mãos no volante.

 Estávamos em silencio, um silencio constrangedor.

 -Então, você se mudou pra cá faz muito tempo? – puxei assunto

 -Faz uma semana. E você, mora aqui a muito tempo?

 -Bom, vim pra cá a dois anos. O que a trás aqui?

 - Quero me tornar uma bailarina de sucesso. O que o levou a ser professor de ballet?- Meu coração parecia que iria saltar pela boca.

 -Quando eu era criança, conheci uma garota, uma bailarina. Não sabia como chamar a atenção dela, então entrei no ballet da escola e acabei me apaixonando. Lembro que vez ou outra nós escapávamos das aulas e ficávamos no auditório, ela dançando e eu tocando. Desculpe, nem sei por que estou falando isso.

 -Tudo bem, pare aqui, por favor. - parei o carro e peguei o guarda chuva no banco de trás e a levei até a porta.

 -Obrigado pela carona. - e sorriu pra mim. Como eu amava aquele sorriso. Fechei os olhos e de repente senti minha bochecha esquentar. Quando dei por mim, havia beijado ela, ela soltou-se e correu para dentro da casa e bateu a porta. Eu não acreditara no que acabei de fazer. Eu beijei a Mel. Não consegui fazer nada, então fiquei ali na chuva, parado em frente a sua porta.

 Passado algumas semanas, Melanie não havia mais ido às aulas. Me sinto culpado e me arrependo do que fiz. O mais triste é que agora confirmei o que a mãe dela me disse na tarde do acidente. Eu e Melanie estávamos andando de bicicleta pela rua, quando vinha um carro. Na tentativa de salvá-la empurrei a bike dela pro meio fio e saltei da minha, que foi destroçada. Fui me certificar que estava tudo bem com a Mel, mas a cabeça dela sangrava e ela não acordava. A levei para o hospital nos braços, lá chamaram a mãe dela. No dia seguinte ela se mudou nossas mães eram muito amigas, então eu soube que ela havia perdido a memoria. Já a perdi uma vez não vou permitir que aconteça de novo.

 Eu estava na cama absorto em meus pensamentos. Olhei para o relógio no criado mudo, eram quase 9 da manhã, o mesmo horário que a reencontrei perto daquela praia. Ela pode estar lá agora, pensei, então peguei minha bike e rumei aquele mesmo local. As ruas estavam escorregadias, era inverno.

    Tudo bem, tudo bem, tudo bem

    As estações estão mudando

   E as ondas se quebrando

 Ao longe a avistei, andando de bicicleta, como naqueles velhos tempos de criança, me apressei para alcança-la e me veio uma nostalgia ao mesmo tempo em que uma luz ao nosso lado. Um carro desgovernado. Me joguei sobre ela da mesma maneira que a 9 anos atrás, mas dessa vez me certifiquei que ela não se machucasse como da ultima vez, pulei e a abracei caindo por baixo de seu corpo.

 Então eu não vi mais nada, mas estava feliz, eu consegui dessa vez.

      Nunca deixarei você cair

     Eu enfrentarei tudo com você para

     Sempre

     Eu estarei do seu lado apesar de tudo

     Isso

     Mesmo que salvar você me mande

     Para o céu...

 Pov’s Melanie

 Cinco dias depois do acidente sai do hospital, depois de acordar do coma e rumei ao cemitério onde ele estava. Parei de frente a um túmulo, escuro e de mármore.

 -Oi Ronnie, me desculpe por não ter vindo antes e me desculpe também por ter esquecido de você... Eu sabia que já tinha te visto em algum lugar desde aquele dia em que eu esbarrei em você naquele dia na praia, e no dia em que fui a faculdade, e também naquele dia que você me beijou, resolvi me afastar por não saber o que estava sentindo, estava confusa, mas chá também uma coisa que sempre soube... eu amo você.

 Nisso escutei a voz de Ronnie sussurrando: eu irei sempre estar com você.

‘’Ronnie Winter, 1994-2016

I’ll be your guardian angel’’