Twenty One escrita por Helly Nivoeh


Capítulo 11
Melancolia


Notas iniciais do capítulo

No limite do dia, mas eu estou aqui!
Espero que gostem!

Relembrando:
Nico estava passando mal na D-Lirium e fugiu com Thalia de carro;
Eles pararam em um parque, brincaram de "eu nunca", dançaram e até se beijaram;
Thalia teve um relacionamento com Luke, mas não durou muito e eles se tornaram melhores amigos;
Thalia não teve uma infância fácil, mas Luke e Annabeth eram seus melhores amigos e agora ela mora com Luke. Sem sinal de Annabeth;



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"Cai a chuva abandonada

à minha melancolia,

a melancolia do nada

que é tudo o que em nós se cria.

Memória estranha de outrora

não a sei e está presente.

Em mim por si se demora

e nada em mim a consente

do que me fala à razão.

(FERREIRA, Vergilio. Cai A Chuva Abandonada.)

Thalia ainda se lembrava do gosto doce do beijo de Nico, da suavidade de seus lábios, do seu toque macio ao abraçá-la durante o beijo. Ela também se lembrava das sensações, do seu coração acelerado e da melancolia.

Não era exatamente uma tristeza, mas um sentimento de profunda calma, onde o silêncio era companhia por não haver dizer. Quando separaram-se do beijo, também separaram-se do abraço e não se olharam nos olhos.

Ficaram vulneráveis, Thalia pensou, mais vulneráveis do que quando contaram sobre a infância, do que quando jogaram “eu nunca”, do que quando estavam bêbados. Eles estavam vulneráveis porque o beijo não foi algo calculado, não foi algo provocado em meio ao sarcasmos, apenas algo que aconteceu em meio ao silêncio da dança.

Eles não se falaram enquanto entravam no carro ou enquanto Nico dirigia até a casa dela. Ele não sorria, sequer com sarcasmo, e os olhos escuros vagavam pelo caminho que se iluminava no nascer do sol.

Thalia o analisava de soslaio e se perguntava se o beijo significaria alguma coisa. Ela diria que não, afinal, eles eram adultos e o Di Angelo sempre deixou claro que não se comprometia em relacionamentos, que beijar e até transar com pessoas não passava de diversão, que seu coração não era aberto, tampouco para alguém como Thalia.

Contudo, ela suspeitava que ele refletia sobre aquela noite, sobre tudo o que fizeram e disseram, sobre os momentos em silêncio e sobre todas as conclusões precipitadas que haviam sido desmentidas. Talvez sequer o beijo passava por sua mente, mas sim o conjunto de todos os momentos que só ali era refletido.

— Você está bem? — Thalia perguntou por fim. Não que o silêncio fosse algo incômodo, mas a expressão de Nico estava estranha.

Ele a olhou por um segundo e assentiu, sem dizer nada por alguns segundos. Thalia olhou pela janela tentando descobrir onde estava e que horas seriam. Parecia ser o centro da cidade e por volta das seis, provavelmente chegaria em casa e Luke estaria saindo. A boa notícia é que isso a livraria do sermão por ter passado a noite fora, bebido demais e sequer levado o celular.

Mas, o que intrigava Thalia era que ela não se sentia bêbada. Não sentia o estômago embrulhar, nem estava chorando ou rindo sem motivo, e até mesmo seus pensamentos e sentidos pareciam claros. Pelo menos, tão claros quanto a confusão de acontecimentos do dia anterior e escassez de sono podia deixar. Mas, com tantos litros de Turmalina ela deveria estar caindo pelos cantos, não? Talvez essas bebidas de rico não servissem para seu sistema acostumado com vodka de qualidade duvidosa e cerveja barata. Entretanto, nem Nico parecia bêbado.

— Então — a voz do rapaz a despertou dos pensamentos e teorias, assustando-a. Ela se virou para ele, mas não havia emoção em sua voz ou rosto, apenas cansaço, e ele ainda olhava para a pista. —, acho que não deu certo esquecer dos problemas, não é?

Ele lhe deu um pequeno sorriso e um rápido olhar, como se pedisse desculpas. Thalia retribuiu o sorriso por alguns segundos. Pensou em quando dançava na D-Lirium, de quando seguiam no carro sem rumo, em quando jogavam “eu nunca”. Sim, ela havia se divertido e esquecido.

— Por um tempo deu. — Thalia comentou. — E pode ser estranho, mas estou melhor. Não fiz as loucuras que achei que faria, mas deu certo.

— O que achou que faríamos? — Nico ergueu a sobrancelha. — Pular de um avião? Deitar nos trilhos de um trem? Sexo?

Seu sorriso era malicioso e ele parecia menos abatido. Thalia observou ele reduzir a velocidade, não deixando de notar que eles estavam bem abaixo do limite. Nico parecia moldado para os extremos, era “oito ou oitenta”.

— Talvez. — ela concordou. — Achei que era algo mais sexo, drogas e rock roll.

— A liberdade não quer dizer loucura, Grace. — o Di Angelo explicou. — Eu não sou anarquista. A liberdade, às vezes, é só deixar tudo fluir, deixar tudo ir embora. Não se prender à mágoas, dor e nem rancor.

Thalia assentiu com a cabeça e se recostou no banco, olhando para o Di Angelo de soslaio. Ela suspeitava que toda a necessidade de Nico em a chamar para a liberdade talvez fosse justamente por se sentir preso, preso ao ódio pelo pai, pelo ódio pela própria vida. E, nesses momentos, ele também se sentia livre. Enquanto ele flertava, pulava de pontes ou tentava convencer os outros para seguir suas loucuras, não devia pensar em sua própria vida.

Todos tinham uma forma de escapar, não foi isso que ele disse? Talvez a forma dele fosse a de ajudar os outros a escaparem, por mais estranhos que fossem seus métodos.

— Obrigada. — Thalia disse depois de um tempo.

Nico não perguntou porque, apenas assentiu de novo com a cabeça.

O resto do caminho foi em silêncio e pareceu até estranho quando chegaram em frente à casa dela. Nico desligou o carro, mas continuou olhando para a frente, perdido em pensamentos. Thalia não sabia o que dizer,  só conseguiu expressar a pergunta que a inquietava:

— Se eu precisar esquecer de novo… — Começou, mordendo o lábio em nervosismo. Nico assentiu e a olhou:

— Eu nunca volto atrás com minha palavra.

Ele estava sério e foi sincero, mas havia algo em seu olhar, algo sombrio e frio, que dizia que ele não queria encontrá-la novamente. Ele não a ignoraria, muito pelo contrário, mas não seria algo que lhe faria bem. Alguma coisa na pseudo-relação deles havia mudado.

Thalia apenas assentiu e saiu do carro, ciente que não devia procurá-lo novamente.

 

(...)

 

Nico suspirou assim que trancou a porta de casa. Percy estava sentado no sofá da sala, um copo de café na mão e o notebook no colo. Seus olhos verdes se fixaram no primo com uma repreensão muda e Nico apenas se jogou na poltrona ao lado.

— Por favor, agora não. — O Di Angelo resmungou, fechando os olhos e massageando a têmpora.

— Eu não disse nada. — Percy retrucou, tomando mais um gole de café. — Mas Will te xingou de uns vinte nomes diferentes.

Nico se manteve calado, a cabeça latejando de dor e confusão. Ele lidaria com Will Solace mais tarde, depois de conseguir parar de pensar em Thalia e todos os problemas dela.

Ele odiava quando fazia isso. Quando se envolvia demais, sempre machucava alguém e acabava ainda mais machucado. Thalia Grace deveria ser só uma garota bonita que ele desenharia, traçaria e depois se despediria. Não exatamente nessa ordem. Mas agora ele começava a ficar curioso pela história dela e esse era o último passo que dava antes de se importar de verdade. E sua lista de preocupações estava bem cheia no momento.

— Deixa eu adivinhar — Percy implicou. —, você subestimou Thalia.

Nico apenas grunhiu, sem dar o braço a torcer. O riso de Percy ecoou pelo apartamento, causando mais dor de cabeça em Nico, a ponto de deixá-lo zonzo. Ele sentia o suor frio deslizar por sua nuca, infiltrando-se pela camisa, e notou seu corpo começar a tremer.

— Eu te disse que não era boa ideia se aproximar de Thalia. — Perseu continuou, alheio ao estado do primo. — Aquela garota tem “confusão” escrita na testa e você é sensível demais com as pessoas. Quer dar uma de “não me importo”, mas sempre se envolve demais.

— Você não é diferente. — Nico retrucou, engolindo em seco e tentando ignorar a sensação de frio.

— Sim, você sabe que eu sou. — Percy retrucou, dessa vez sério. — Por isso que eu preciso te proteger, você se importa demais, Nico. Quanto mais problemático alguém é, mais você quer ajudar. Will é prova disso.

— Então tenho que me afastar de Will e Thalia? — Nico resmungou, respirando fundo para controlar a dor. — De qualquer pessoa com problemas pra não me machucar?

— Eu não disse isso. — Percy retorquiu, o tom sério.

— Certeza? — Nico abriu os olhos e tentou fixá-los no primo, por mais dor que causasse. — Eu sei que me importo demais, Perseu. Sei que posso me machucar. Não sou nenhuma criança, não precisa ficar agindo como se fosse uma.

— Eu…

— Só quer me proteger. — Nico completou a fala do primo. — Eu sei. Mas eu sou adulto, sou dono de mim, e você sabe que ficar longe das pessoas não é proteção. Esqueceu do que seus pais fizeram? Tudo pra te separar de Rachel? Para “o seu bem”?

Nico argumentou por fim, piscando com força. Ele sabia que havia ido longe demais, contudo, o pensamento foi cortado por uma dor lancinante na cabeça, que o fez grunhir e fechar os olhos com força.

— Nico? — Ouviu a voz do primo soar distante e sua consciência pareceu oscilou. — Nico, o que foi?

O Di Angeli respirou fundo e sua mente pareceu clarear um pouco. Jogou a cabeça para trás e abriu os olhos. O teto ainda girava um pouco, e ele tinha noção de Percy se aproximando e o tocando no braço, mas, pelo menos, não havia desmaiado.

— Ártemis mandou você se cuidar. — Percy resmungou, tocando-o na testa. — Vou encher a banheira e você só vai sair quando abaixar essa febre.

Nico grunhiu novamente, concordando. Pelos tremores no corpo, devia estar perto dos 40 C°, talvez até perto de uma convulsão. No fundo da sua mente ele sabia que havia procurado por isso, deveria ter cuidado da febre durante a madrugada e não fugido de Will e ter ficado tanto tempo no sereno. Mas não se importava.

Desde a adolescência havia decidido que não viveria acamado, não deixaria de viver o que lhe restava. Por mais que as consequências fossem duras. Nico sempre teve em mente que não suportaria só sobreviver, ele precisava de mais, da liberdade, de se sentir vivo. E não abdicaria nada disso.

(...)

 

Luke nunca foi ciumento, superprotetor e, tampouco, controlador. Ele não encheu Thalia de perguntas e sermões quando ela chegou, e sim ofereceu uma xícara de café e disse que ela podia descansar. Chegou até a perguntar se ela queria que ele trouxesse alguma coisa para comer ou algum remédio para ressaca depois que voltasse do trabalho, os quais Thalia negou.

À noite também não foi diferente: durante o jantar perguntou se ela estava bem ou se queria falar sobre Beryl, mas respeitou o silêncio de Thalia e não perguntou da noite anterior.

Thalia se surpreendia com a calma do amigo, em em como nada parecia atordoá-lo. Ela se lembrou do funeral de May Castellan, de como Luke lidou com todas as questões financeiras tanto da funerária quanto da clínica a qual ela estava internada, em como ele parecia calmo ao cumprimentar as pessoas durante o enterro, mas o semblante triste, como era esperado do filho único. Thalia ainda se perguntava se não havia passado de fingimento.

Nos três anos que se passaram, ela nunca o havia visto chorar pela mãe. Mesmo que na época eles namorassem, não houve uma noite em que ele tenha passado em claro desabafando, ou houve qualquer momento que a tenha mencionado desde então. Luke parecia ter a apagado da sua mente, o que Thalia também havia tentado fazer com a própria mãe. E falhado.

Contudo, durante todo o tempo que ela vivia com Luke, sempre achou que Beryl Grace estivesse viva e somente ignorava a filha — apesar de uma uma pequena parte de Thalia desejasse que a mãe a estivesse procurando — e agora ela descobria que, na verdade, Beryl havia morrido pouco depois de Thalia fugir de casa pela última vez. E Thalia sequer havia ido ao funeral da mãe.

— O que você tanto pensa? — Luke a tirou de seus pensamentos e a Grace notou que estava há muito tempo simplesmente mexendo a sopa no prato.

— Nada demais. — Ela sorriu e balançou a cabeça. — Você não ficou preocupado noite passada?

Luke franziu a testa: — Por que eu ficaria?

— Porque eu fiquei a madrugada toda fora sem explicação? — Ela ergueu a sobrancelha. Luke pareceu notar que ela estava irritada com a falta de reação e preocupação dele, pois deixou a colher no prato e juntou as mãos sob o queixo, apoiando os cotovelos na mesa, e a fitou sério. — Eu achei que você fosse procurar esse seu novo amigo. Eu não conheço e nem confio nesse cara, e você não estava bem, então, pedi Will para ir atrás de você. Ele me avisou que estava cuidando de você, por isso não fiquei preocupado.

Thalia parou por um momento, refletindo as palavras do amigo. Ela estava surpresa por ele ter pedido ajuda de Will e, ainda mais, pelo rapaz ter ajudado. Ou, pelo menos, tentou ajudar. Ela se sentiu culpada por ter fugido com Nico quando Will estava tão preocupado, e se sentiu ainda mais culpada quando percebeu que não havia sido delatada. Se bem que Will poderia não ter contado apenas para não ficar em maus lençóis com Luke.

De qualquer forma, Will Solace havia sido um bom amigo. E Thalia não tinha muitos, se parasse pra contar, não passaria de cinco.

— Eu sinto falta de Annabeth. — A Grace suspirou, pensando na garotinha loira que um dia foi sua melhor amiga. Luke apertou os lábios e assentiu.

— Eu também. — Ele confessou. — Mas é melhor assim, Lia. Annabeth está melhor sem nós, com a família dela.

— É estranho, não é? — Thalia comentou. — Ela foi a única com uma mãe decente e perdeu ela com seis anos. Parece injusto que as pessoas boas morram tão cedo.

— A morte não tem idade. — Luke retrucou, tentando finalizar o assunto.

— Você é tão clichê às vezes. — Thalia revirou os olhos, se dando por vencida e terminando de jantar.

Mais tarde, Luke enfim conseguiu obrigar Thalia a assistir Game Of Thrones. Eles pegaram cobertores, fizeram brigadeiro e Thalia estava começando a dormir no segundo episódio quando a campainha tocou, acordando-a. Ela resmungou para Luke ir atender a porta enquanto se aninhava mais no cobertores, torcendo para não passar de uma vizinha reclamando que a televisão estava alta demais.

Ela fechou os olhos e bocejou, ouvindo os murmúrios baixos de Luke, depois ouviu a porta sendo fechada e enfim, passos. Ela notou o eco diferente dos passos e estranhou. Luke estava descalço, então os passos eram mais baixos, mas havia também um som estranho, como de saltos.

Lentamente Thalia abriu os olhos, primeiro avistando o par de botas com saltos pequenos e quadrados, depois a calça jeans azul e justa, então um suéter branco e, por fim, o rosto emoldurado pela cabeleira loira.

Thalia abriu a boca e se sentou de uma vez, incrédula com a visão da pessoa diante de si. Inconsciente, ela fazia os cálculos e chegava a conclusão de que não a via há sete anos, mas a reconheceria em qualquer lugar. Os cabelos loiros e cacheados eram mais compridos, o corpo havia se desenvolvido, agora era de uma adolescente de dezessete anos, mas o rosto continuava com o mesmo semblante de esperteza e os olhos cinzentos ainda se destacavam.

— Thalia? — A garota perguntou, mordendo o lábio inferior em uma mania que tinha desde a infância. E a dita Thalia se pôs de pé, correndo e a abraçando.

— Annabeth! — Thalia chamou a amiga, como se não acreditasse que era ela ali. Annabeth riu e a apertou mais, antes de se afastar apenas para poderem se olhar melhor. — Uau! Você cresceu!

Mais uma vez Annabeth riu, assentindo com a cabeça.

— Acho que posso dizer o mesmo de você.

— Eu não acredito isso! — Thalia riu e a apertou novamente em um abraço.

— Muito apertado. — Annabeth arfou.

— Desculpe! — A Grace pediu, afrouxando o abraço. — É só que eu senti tanta saudade!

— Eu também. — A loira concordou, olhando para Luke. — Senti muita falta dos dois, da nossa família.

— Annabeth — Luke começou, os olhos azuis estreitos. Seu semblante chegava a ser assustador, de tão sério ele estava. —, o que exatamente está fazendo aqui?

A garota mordeu o lábio inferior de novo e se virou para Thalia, seus olhos cinzas em uma súplica.

— Eu vim pra ficar com vocês.


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Notas finais do capítulo

Annabeth está chegando e alguns sentimentos surgindo!
E aí? Gostaram?
Quais são as teorias?
Adoraria receber comentários!
Até mês que vem, beijos!