A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 59
Dois amores em um só 


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Este capítulo é uma homenagem à minha mãe, que é a minha verdadeira heroína.
Eu não seria metade do que sou sem ela e, depois que meu filho nasceu, ela se provou mesmo ser mãe em dobro.
Estou usando muita matemática para tentar explicar um amor infinito, que não tem explicação, nem medida!
Boa leitura!



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Por Katniss

Deixo minha bagagem no compartimento do trem que me levará ao Distrito 4, porém não me acomodo lá de imediato. Quero apreciar a paisagem da minha cidade até que ela se perca no horizonte. Afinal, se tudo der certo, é aqui que eu pretendo acolher novamente a minha mãe e também o bebê que pretendo gerar.

Caminho até o último vagão do comboio e, então, relaxo na poltrona ali instalada.

Olho pela janela, vendo a fábrica de remédios e o hospital, o qual eu evitei com todas as minhas forças ao longo dos anos e, principalmente, nos últimos três meses. Giro minha aliança de casamento que brilha no meu anelar. Ou, pelo menos, tento girar, já que meus dedos estão um pouco inchados.

Tantos anos depois, ela não é mais um mero adorno, pois já faz parte de mim. Agora mais do que nunca, pois, nem que eu quisesse, não seria fácil retirá-la.

Abandono meus calçados, sentindo a circulação retornar aos meus pés, também levemente inchados, mesmo que a viagem tenha se iniciado há poucos minutos.

Imagino como ficarei depois de engravidar. Se eu conseguir engravidar…

Mais confortável, permito que uma letargia convidativa se apodere de mim. As folhas das árvores em contraste com o céu azul da manhã compõem a minha última visão consciente, antes de eu adormecer.

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Não é um sono tranquilo. Desperto sobressaltada. As imagens formadas em minha mente entorpecida pela sonolência não chegam a ser um pesadelo, mas refletem o aglomerado de preocupações que estão preenchendo meus dias e meus pensamentos nas últimas semanas.

Se ao menos Peeta estivesse aqui comigo… Sei que seria mais fácil reunir coragem para falar com minha mãe sobre dois temas delicados: minha dificuldade para engravidar e a proposta para ela voltar ao nosso Distrito.

São duas respostas que preciso obter, mas não necessariamente quero ouvir.

E se eu descobrir que eu não posso ter um bebê? Isso partiria o coração de Peeta. E o meu também.

E se minha mãe sequer considerar a possibilidade de voltar ao Distrito 12? Mesmo sendo difícil admitir, meu coração também ficaria partido.

Dupla chance de voltar pra casa com o coração despedaçado.

Algumas batidas na porta afastam meus questionamentos momentaneamente.

— Com licença, Katniss. — Para minha surpresa, Greasy Sae adentra o recinto cautelosamente.

— Sae! Não vi você na estação!

— Cheguei mesmo um pouco atrasada. E não sabia que você viajaria também.

— Eu decidi de última hora ir ao Distrito 4… Ver minha mãe.

— E eu estou indo à Capital visitar minha neta.

— Sim! Você comentou. Só não sabia que iríamos no mesmo trem.

— Talvez a coincidência tenha uma boa razão. Encontrei o Peeta quando ele saía da estação e seu marido me avisou que você estava se sentindo indisposta esta manhã e pediu encarecidamente que eu a levasse para fazer as refeições – explica, olhando um tanto desafiadora para mim.

— O Peeta disse também que eu estava assim desde ontem de manhã? E que, quando ele praticamente me obrigou a comer uma torta de frango e legumes, ela não ficou no meu estômago nem por dois minutos? – revelo, num ataque súbito de irritação.

Nem a quilômetros de distância, Peeta consegue deixar de ser superprotetor.

— Ele não entrou nesses detalhes – balbucia Greasy Sae, mais divertida do que consternada. — Eu deveria ter seguido as instruções que Peeta me passou e não mencionar o nome dele, mas achei tão bonito o gesto de cuidado… Você deveria agradecer em vez de ficar reclamando.

— Eu deveria mesmo. – Minha voz exasperada assume um tom mais calmo agora, quando projeto em minha mente a imagem de Peeta falando com Greasy Sae, preocupado em cuidar de mim e também em preservar a velha senhora das minhas rabugices.

Fica difícil esconder a minha reação emotiva. Abano o rosto para afugentar as lágrimas de sentimentalismo, que cismam em brotar com muito mais frequência ultimamente. 

Sempre fui temperamental, mas nem eu estou entendendo essas minhas oscilações de humor.

Estou como uma bomba-relógio. Num instante, sou um poço de calmaria. No minuto seguinte, eu me transformo num mar de fúria. Aquilo que me agrada e faz bem, num piscar de olhos, pode se tornar algo repugnante.

— De qualquer modo, o almoço será servido daqui a alguns minutos, minha menina. Vamos?

Aceito de bom grado a mão que ela me oferece e caminhamos juntas até o vagão-restaurante, eu a amparando mais do que ela a mim.

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Depois de algumas garfadas, não consigo terminar a comida que está à minha frente. Meu estômago não para de dar voltas.

— Você não parece mesmo nada bem – repara Greasy Sae, enquanto devora o que está em seu prato, como se estivesse provando a iguaria mais maravilhosa do mundo.

Infelizmente, meu paladar não está de acordo.

— Bela tentativa de me alimentar.

É só o que consigo dizer antes de correr para alcançar o banheiro e me dobrar por sobre a pia numa ânsia de vômito.

— Jamais vou comer isso de novo! – sussurro ainda tremendo, assim que o enjoo dá uma trégua.

— Nada de chá de canela também, Katniss! – Greasy Sae está atrás de mim e apoia suas mãos em meus ombros. — Eu nem acredito que você vai me dar a alegria de ver um bebê em seus braços.

Fito seu reflexo no espelho e dou um meio sorriso. Dessa vez, não fico chateada com ela por insinuar que posso estar grávida. É o que eu mais queria.

— Venha. Eu levo você até sua cabine.

— Você nem terminou de almoçar, Sae.

— Eu tenho que cuidar do que está na sua barriga e não do que está faltando na minha.

— Sae… Não há nada aqui na minha barriga. Eu coloquei tudo pra fora.

— Você pode não querer me contar ainda, mas sabe bem do que estou falando.

— Queria eu que fosse verdade o que você está pensando… Mas os testes deram negativo.

— Testes! Eu confio no que meus olhos estão me mostrando.

Greasy Sae me ajuda a deitar na cama e deixo que a sensação de mal estar se dilua quando fecho os olhos, depois que ouço o clique da maçaneta da porta.

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Abro as pálpebras lentamente e estou um pouco desorientada. Não sei por quanto tempo dormi. Ergo a cabeça e, no mesmo instante, as náuseas chegam, mas felizmente não preciso correr para o banheiro mais uma vez. É só uma indisposição.

Quando se acerca a hora do jantar, eu me preparo para Greasy Sae me escoltar até o restaurante, porém ela me surpreende ao trazer pra mim uma sopa leve, cujo aroma abre meu apetite.

— Nada como ser famosa por vender caldos e sopas ao lado da padaria de Peeta Mellark! Sem contar que mencionar que eu ia preparar a sopa preferida de Katniss Everdeen me deu livre acesso à cozinha.

O sorriso dela suaviza a expressão preocupada em seu rosto enrugado, quando como com gosto as primeiras colheradas.

— Você sabe que pode contar comigo, não é?

— Vou precisar mesmo de ajuda, quando eu realmente engravidar.

— Hum. Sei… – Ela empina o nariz, altiva, discordando da minha incredulidade quanto às suas impressões sobre isso já ter acontecido. — Mas é claro que estarei lá por vocês. Embora eu tenha certeza de que fará tudo com perfeição, pois, mais do que experiência, é preciso coração e amor… E isso você tem de sobra, minha menina.

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Depois de uma noite conturbada com alguns momentos de terror sem a presença calmante de Peeta, Greasy Sae repete o gesto atencioso no café da manhã, ao trazer frutas, chá e torradas pra mim.

Quando soa o sinal que indica a aproximação do Distrito 4, eu já estou pronta e me despeço da velha senhora com um abraço caloroso, algo não muito comum entre nós duas, mas que significa muito quando acontece.

— Esse pesinho aqui – Greasy Sae espalma sua mão em minha barriga –, tirou um grande peso do meu coração.

— Não diga isso. Não agora, pois ainda não aconteceu.

— Espero que essa criança seja tão teimosa quanto você… E que tenha um pouco do temperamento do pai também – pondera ela.

— Obrigada por tudo, Sae. Dê um beijo na Daisy por mim.

Já passa das nove horas quando desembarco. Vou direto a um telefone público.

Então, está tudo bem com você?— pergunta Peeta. — Passou mal no trem?

— Só um pouco. Nada demais – amenizo, para não assustá-lo. — E você? O que andou fazendo?

O que eu fiz? Senti falta de você.

Eu sorrio, ainda que não esteja surpreendida por sua resposta.

— Mesmo?

Sim — confirma Peeta. — Quero dizer, não muito, mas um pouco.

— Só um pouco?

Sim. Um pouquinho— brinca ele.

— Também senti um pouquinho a sua falta.

Já encontrou a sua mãe? Mande um abraço pra ela

— Vou ver se consigo que você dê esse abraço pessoalmente.

Estou aqui na torcida por você. Por nós dois— Peeta fala seriamente agora.

— Eu sei… Amo você.

Também amo você. Muito. E estou sentindo muito a sua falta. Muito mesmo… Fica bem.

— Você também.

Recoloco o telefone no gancho, com um sorriso bobo no rosto.

Mesmo após tantos anos, minha presença nos outros distritos ainda causa certa comoção. Ignoro os olhares nada discretos em minha direção e ando em linha reta para a saída.

Eu me surpreendo quando avisto a figura austera da minha mãe.

Apesar da surpresa, um grande sorriso nasce em meus lábios e uma onda de afeição se espalha em meu peito. Eu amo tanto a minha mãe.

Balanço os dedos no ar para demonstrar que eu a vi e vou em direção a ela. Minha mãe se aproxima e um nó se forma em minha garganta. Ela está usando um vestido de algodão simples que me lembra muito um que Prim adorava.

— Oi, mãe, não esperava encontrá-la aqui na estação – deixo a mala no chão, quando ela para diante de mim.

— Filha, você está tão bonita. – Ela afaga meus cabelos meio sem jeito. — Eu vim para buscá-la e também para pedir que você não vá para o hotel. Fique na minha casa. O lugar é pequeno para acomodar você e Peeta, mas como veio sozinha dessa vez…

A casa da minha mãe é bem modesta. Possui apenas um quarto e, de fato, para não desalojá-la, eu e Peeta nunca nos hospedamos lá em nossas visitas ao Distrito 4.

— Não vou incomodar? Eu ainda sofro com aqueles pesadelos, que sempre assustaram você.

— Mais um motivo para não deixá-la sozinha.

— Tudo bem, então, mãe.

Eu me agacho para pegar minha bagagem e, quando me ergo novamente, ela timidamente enlaça sua mão em meu braço livre, para me guiar até a condução que nos levará à sua casa.

— Que bom que você veio, Katniss.

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Minha mãe mora a uma quadra da praia e, daqui da calçada, enquanto espero que destranque a fechadura, posso ouvir o barulho das ondas se quebrando e ver a luz do sol cintilando na superfície das águas do mar.

Está fresco no Distrito 4. O ar úmido e salgado tem esse aroma único. Levanto o rosto e respiro fundo várias vezes.

— Hoje fui cedo à praia e comprei peixe fresco e alguns frutos do mar. Preparei tudo para o almoço – avisa minha mãe, quando finalmente abre a porta.

Meu estômago embrulha no instante em que o cheiro da comida invade minhas narinas. Largo minha bagagem no chão e me impulsiono até o banheiro, onde despejo todo o café da manhã. Minha mãe segura minha testa, enquanto as ondas de enjoo ainda me atingem.

Em seguida, lavo o rosto e a boca e minha mãe cuidadosamente me deixa no sofá da sala, o lugar mais arejado da casa, indo buscar um pouco d'água pra mim. 

— Está melhor, Katniss? – Ela me entrega o copo e eu assinto.

Bebo a água vagarosamente e minha mãe se senta ao meu lado, puxando assunto.

Nós compartilhamos histórias sobre Prim e meu pai. Nós choramos e rimos e choramos de novo, até que minha mãe pega o copo vazio da minha mão e o  deposita sobre a mesa de canto.

— Agora, conte-me as novidades… Estou curiosa pra saber o que trouxe você aqui, já que não quis adiantar por telefone – sussurra ela e, num gesto inesperado, segura as minhas mãos.

Não sei por onde começar. Então, eu me armo de coragem.

— Mãe, você já pensou em voltar para o Distrito 12? – pergunto num só fôlego e, por alguns instantes, ela se mantém em silêncio. — Você pode trabalhar no hospital de lá e…

— Eu sei – reconhece minha mãe.

— Um dos sonhos de Peeta é ter você por perto.

— Ele quer por perto alguém capaz de fazer um curativo decente e que não fique de olhos fechados, espirrando água oxigenada em todo o canto, menos no machucado?

— Não acredito que Peeta ligou pra você pra contar que fiz isso quando ele cortou o dedo!

— Sim, mas seu marido elogiou muito sua boa vontade em ajudar. No final das contas, ele queria pedir minha ajuda para aprender a cuidar do corte sozinho. – Ela ri e eu a acompanho, achando graça também. — Eu não sei como você conseguiu cuidar dos ferimentos dele na arena…

A frase morre no ar. Nossas risadas desvanecem aos poucos e ela fita nossas mãos unidas. Quando ergue seu olhar mais uma vez pra mim, insisto:

— Você poderia ao menos tentar ficar lá por um tempo, não precisa se mudar definitivamente.

Eu vejo lágrimas inundarem seus olhos e ela afasta suas mãos de onde estão, presas nas minhas. Como se se sentisse culpada, ela encolhe os ombros.

— Eu preciso pensar.

— Sim, tudo bem. Eu compreendo – admito, ficando desanimada com a forma como ela está desconfortável com a mera sugestão de retornar.

Não é à toa que sempre fui relutante sobre fazer essa proposta a ela. Estou disposta a abandonar o assunto. No entanto, antes de me erguer para pegar minha mala que ficou do lado de fora, ela me toma em seus braços.

— Katniss, eu fiz tudo errado, mas eu amo você – declara ela.

A ternura em sua voz é tocante. Ela relaxa um pouco os ombros tensos, onde apoio minha cabeça, sentindo sua respiração quente no meu cabelo e o carinho de seus braços em volta de mim. A gola de seu vestido tem o cheiro da minha infância.

— Eu também amo você – confesso e ficamos ali abraçadas por alguns instantes, balançando ligeiramente ao sabor da brisa do mar que entra pela janela.

— Mas você pode me perdoar, Katniss? Eu fui… Não. Eu sou uma mãe tão falha. Não consigo olhar pra você e não sentir vergonha e arrependimento.

— Não quero que sinta isso quando olhar pra mim.

— Eu também não, mas é difícil deixar de pensar no mal que eu fiz e faço a você. Acho que, se não fosse por minha negligência e pelo modo como fraquejei quando seu pai morreu, você e Peeta hoje já teriam uma família enorme… Mas até isso eu impedi você de ter, minha filha. Eu incuti esse medo em você.

Eu me afasto o suficiente para ver seu rosto e enxugo suas lágrimas.

— Mãe, você precisa saber… Um dos motivos pelos quais eu estou aqui é justamente para pedir sua ajuda. Finalmente, aceitei ter um filho, mas estou tendo dificuldades para engravidar. E eu não quero apenas a sua ajuda para descobrir o motivo. Eu e Peeta gostaríamos de ter você conosco nessa etapa de nossas vidas.

Seu rosto se ilumina com a notícia inesperada e, pela segunda vez – agora com um cuidado especial –, ela gentilmente me puxa para junto dela, firmando minha cabeça em seu peito. Eu posso sentir o bater de seu coração.

De repente, minha mãe recua um pouco, sorrindo para mim. Ela passa a me avaliar, como se estivesse me vendo hoje pela primeira vez.

— Então, você e Peeta estão tentando ter um bebê? – pergunta.

— Por cerca de três meses – confirmo. — Meu ciclo não voltou, mesmo depois que parei de tomar o remédio. Não conheço nenhuma outra maneira de controlar meu período fértil. Eu fiz vários testes e, cada vez que o resultado dá negativo, é um golpe em nossas esperanças.

Ela delicadamente pega a minha mão e apoia a outra por cima. Fico feliz por ter a sorte de tê-la comigo, para tomar conta de mim.

— Se eu não soubesse da sua resistência em engravidar, eu já teria comentado…

— O quê? – questiono, sentindo a boca seca.

Ela está começando a soar como Greasy Sae.

— Desde que pousei os olhos em você hoje, percebi algumas mudanças no seu rosto e no seu corpo, que são típicas de quem está grávida. Eu lido com mulheres nesse estado interessante praticamente todos os dias – diz ela em voz baixa, erguendo a cabeça para olhar nos meus olhos. — Acho que você já está esperando um bebê. Ou, pelo menos, estou quase certa de que deve estar.  

— Greasy Sae me disse a mesma coisa… Mas e o resultado dos testes?

— Nem sempre esses testes são precisos – explica. — Para algumas mulheres, eles serão sempre inconclusivos. Há casos em que só o exame de sangue detecta o hormônio da gravidez e, outros ainda, em que é preciso fazer uma ultrassonografia para confirmar a gestação.

Eu sinto as lágrimas nos meus olhos e percebo o quão assustada estou e como meu coração bate mais rápido, quando me dou conta de que, pela experiência dela, o que está dizendo faz sentido. 

E a esperança desabrocha em meu peito como um pequeno broto de dente-de-leão.

— Então, tenho que ir ao hospital. Não busquei orientação médica, pois não queria que ninguém soubesse. É sempre complicado quando surgem notícias como essas a respeito de Vitoriosos. Além disso, se havia a possibilidade de alguém ficar frustrado, seríamos apenas eu e Peeta.

— É bom que tenha escolhido vir pra cá. Acho que ficará mais confortável lidando com alguém que você conhece. E que pode evitar que essa informação se espalhe, para que você possa ter um início de gestação bem tranquilo… Você fará os exames hoje mesmo, se você quiser.

— Eu quero. Eu preciso saber.

— Pois bem. É o que vamos confirmar agora mesmo. Meu plantão começa mais tarde, mas eu tenho um ótimo motivo para chegar cedo ao trabalho. – Minha mãe junta as mãos e as apoia sobre o queixo. — Eu gostaria de ter participado disso desde antes, eu teria ajudado você em todo esse período de expectativas. 

— Você pode participar daqui pra frente – incentivo.

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Eu e minha mãe seguimos para o hospital. Ela me bombardeia de conselhos e dicas.

— Quando encontrar o Peeta, vou explicar a ele os cuidados que deve ter com você.

— Já posso imaginá-lo cuidando de mim como se eu fosse quebrar… Mãe, eu quero tanto dar essa notícia a ele!

— Você vai dar.

Basta uma curta caminhada e o moderno hospital está diante de nós.

Não é a movimentação característica de médicos, enfermeiros e pacientes que me chama a atenção. O que prende meus olhos é a visão de um casal que atravessa a porta principal.

A mulher traz um recém-nascido nos braços e seu semblante de pura enlevação é quebrado apenas quando a criança resmunga baixinho. No entanto, em suas feições, há paciência, ternura, cuidado e consolo. Ela muda um pouco a posição do bebê e o quase choro cessa de vez.

Como ela sabe o que fazer?

Eu ficaria ali imóvel, fascinada, admirando a cena, se minha mãe não me chamasse:

— Vamos entrar, filha. Você me espera num daqueles assentos ali, enquanto resolvo tudo daqui por diante.

Antes de sumir pelos corredores do hospital, minha mãe para na recepção por alguns instantes, enquanto eu me deixo cair sobre uma cadeira convenientemente situada fora do alcance das vistas da maioria das pessoas. 

O temor se apodera de mim, quando me dou conta do que estou prestes a descobrir.

Depois de alguns minutos, minha mãe retorna, carregando alguns documentos e formulários.

— Podemos ir? Você agora é a paciente 1904. Pode me acompanhar até o laboratório?

Reúno toda a determinação de que preciso e ando até lá com minha mãe, de cabeça baixa.

Numa pequena sala de espera, ela me apresenta a uma das funcionárias de sua equipe.

— Morgan, essa é minha filha. Katniss, essa é a enfermeira Morgan, que trabalha comigo há uns bons anos.

— Oh, é a Katniss! – A moça me estende a mão com entusiasmo e eu a aperto de modo embaraçado. — Muito prazer!

— Só que, hoje, ela é a paciente 1904, Morgan. – Minha mãe faz um pedido implícito de sigilo e sua colega entende. — Ela fará esses exames. – Minha mãe entrega a ela os papéis, que são rapidamente analisados pela enfermeira.

— Espere aqui, então, paciente 1904. Você já vai ser atendida! – anuncia Morgan, muito animada com a operação secreta liderada por minha mãe.

Eu fico mais calma, quando uma animada Morgan, depois de passar o choque inicial de ter o próprio Tordo à sua frente – como ela mesma frisou –, passa a conversar comigo normalmente.

O telefone toca e, depois que Morgan o desliga, vira-se pra mim:

— Uma enfermeira especial já vem buscar você.

Uma enfermeira que eu conheço muito bem. É minha mãe que surge no vão da porta e anuncia:

— Paciente 1904.

Eu assinto, sorrindo, e rumo até o pequeno compartimento onde meu sangue é coletado por ela para fazer o exame.

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Aguardo o tempo necessário até o retorno da minha mãe. Ela traz um envelope e o coloca em minhas mãos trêmulas.

Nos primeiros segundos, não consigo olhar o resultado. Não tenho coragem de tomar o papel entre meus dedos e acabar com todas as minhas dúvidas de uma vez por todas.

Na verdade, acho que não quero me decepcionar novamente. 

No entanto, não posso mais adiar. Abro o envelope e tenho que ler e reler os dizeres, pois as lágrimas cobrem meus olhos.

Positivo.

Silêncio de ambos os lados. Minha mãe está me dando tempo para eu arrumar minhas ideias.

Experimento uma gama de sentimentos que são, ao mesmo tempo, sufocantes, assustadores e… Sublimes. É pura emoção, uma mescla de alívio, medo, felicidade e anseio.

Fico me questionando se acabo de ser carregada ao céu ou arrastada até as profundezas de um abismo sem fim.

Apesar da minha confusão e de não saber exatamente o que fazer daqui por diante, a primeira pessoa que vem à minha cabeça é o meu porto seguro.

— Peeta – balbucio, deixando o papel cair e colocando minhas mãos sobre minha barriga. — Nosso filho está aqui.

Em mim, já começa a ser cimentado um amor que será profundo, eterno, incondicional. No meu corpo batem dois corações e lateja um amor impossível de descrever, avassaladoramente intenso.

O rosto da minha mãe já está banhado em lágrimas. Nós nos abraçamos, choramos, trocamos declarações de perdão e juras e promessas de que vamos cuidar dessa criança.

— Filha – diz ela, alisando meus cabelos –, você ainda não desistiu de mim, não é?

— Não. Nunca. – Devolvo o sorriso que ela me oferece.

— Acho que não preciso de mais tempo pra pensar.

— Pronta para uma tentativa?

— Sim. Vou tentar, Katniss. Por mais dolorido que seja, lá é a sua casa e da sua família. E é minha casa também. Não quero perder a oportunidade de ver seu bebê crescer. – Minha mãe faz uma pausa. — Mas não é assim tão simples. Tenho que tentar uma transferência entre os hospitais, além de resolver onde vou morar…

— Mãe, quanto a isso… – Eu estou me sentindo muito assustada em relação à jornada incerta à frente, mas também em paz com a decisão que eu e Peeta tomamos. Então, vou dizer logo tudo o que ela precisa saber. — Não sei o que você vai pensar a respeito, mas eu e Peeta compramos a casa que foi reconstruída no lugar onde morávamos na Costura.

As sobrancelhas dela se unem e sua expressão é tomada por um espanto inicial, porém ele se dissipa e seus lábios ondulam para cima.

— Eu… Eu não sei o que dizer. Apenas agradecer… Isso significa tanto. E perdão por eu ter demorado uma eternidade para tomar essa decisão.

— O importante é que você decidiu na hora certa.

Mesmo que nós tivéssemos atravessado momentos difíceis, podemos compreender uma à outra.

Minha mãe e eu nos entreolhamos e, através do poder transformador da sinceridade, sei que finalmente nos entendemos com perfeição.

Eu me entendo um pouco melhor.

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— O que você pensava quando considerava ter filhos? – questiona minha mãe, no caminho de volta pra casa. Morgan se ofereceu para cobrir o plantão dela. 

Suspiro, olhando para o chão.

— Eu sempre tentei descobrir a resposta para essa pergunta, que eu nunca pude responder, pois não havia nenhum motivo e, ao mesmo tempo, havia todos – revelo.

— E o que seria tão horrível sobre ter um bebê?

— Eu realmente não sei o motivo exato de ter tanto pavor. Talvez fosse porque eu vi muitas mulheres morrerem quando tentavam dar à luz, depois de dias de agonia, ou por causa das vezes em que a criança morria logo depois do parto. Também pode ser pelo fato de conhecer o que de pior o mundo pode oferecer… Eu nunca consegui vê-lo como um lugar onde um bebê estaria seguro. Depois dos jogos e da rebelião, essa minha visão ficou mais distorcida ainda.

— Sabendo de seus medos, posso ver a razão para hesitar por tanto tempo. Sinto muito se eu contribuí para você conhecer o pior lado do mundo e das pessoas – murmura ela e apenas balanço a cabeça em negativa.

— Mas o que importa agora é que esse bebê está aqui e eu tentarei dar o meu melhor. E sei, com certeza, que Peeta amará nosso filho com todo o seu coração e será o pai mais surpreendente de todos.

— Eu acho que você será uma mãe extraordinária. – Ela aperta minha mão e beija minha têmpora.

Quando entro em casa, corro até o telefone, mas minha mãe vem atrás de mim e pousa a mão sobre o aparelho.

Meus olhos encontram os dela e sua expressão é como um pedido para eu não prosseguir.

— Tem certeza de que quer contar ao Peeta agora? – pergunta ela numa entonação vacilante. — Acho que vale a pena esperar para dizer a ele pessoalmente. Além disso, você precisa fazer uma ultrassonografia, mas tenho que conversar com o Dr. Augustus para isso… Pensei em trazer o Peeta para estar presente na primeira vez em que será possível ver o bebê.

Essa é mesmo a coisa certa a ser feita. Eu assinto e ela retira o fone do gancho lentamente.

— Peeta deve estar na padaria agora – aviso.

Observo seus dedos discarem o número de lá.

— Peeta?

É ele quem atende a ligação. Minha mãe, então, inventa uma história para convencê-lo a vir pra cá o mais rapidamente possível, sem revelar o real motivo. Ela enfatiza que é preciso investigar algum problema de infertilidade dele também e que Peeta deve participar do suposto tratamento que vou fazer. Ela o aconselha também a vir direto para a casa dela.

Nós trocamos um sorriso cúmplice, quando ela me passa o aparelho. Estou ansiosa por ouvir a voz de Peeta.

— Oi. – Economizo as palavras, pois não quero que ele desconfie da oscilação em minha voz.

Como você está, meu amor?

— Bem.

Sua mãe me deixou preocupado. Vou tentar pegar o primeiro trem para o Distrito 4. Está tudo bem mesmo?

— Sim.

Katniss, estou ainda mais preocupado agora que falei com você… — É lógico que ele estranha minhas respostas monossilábicas. — Está querendo me dizer alguma coisa?

— Sim! Quero dizer, n-não… Não ainda, mas não se preocupe.

Ok, então. Vejo você em breve.

— Mal posso esperar!

Durma bem.

— Vou tentar.

Ao recolocar o fone no lugar, eu me dou conta de que sinto falta de tudo nele, não apenas da sua voz.   

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No dia seguinte, minha mãe precisa cumprir seu horário de trabalho. Antes de sair, ela me incentiva a dar uma volta pela orla e, quando acato sua sugestão, ela me empresta um chapéu, ensinando-me que tenho que ter cuidados extras com a pele do rosto, pois há uma tendência maior a ficar manchada durante a gravidez.

Decido fazer um percurso não muito distante da casa dela, para que eu possa estar próxima quando Peeta chegar.

O vento litorâneo quase faz o chapéu voar quando saio da casa da minha mãe. Ergo a mão para segurá-lo no lugar. Depois, é quase um gesto automático tocar minha barriga.

Este ser que guardo em meu ventre me faz sentir coisas diferentes do que alguma vez cheguei a pensar que sentiria. Meu rosto se contrai num sorriso bobo, quando penso em como Peeta vai reagir quando souber.

Nosso bebê. Imagino que tenha seus olhos, a cor de sua pele, seu cabelo. Ao vislumbrar um pequeno Peeta, uma risada me escapa e me detenho apenas quando uma moça que caminha do outro lado da calçada levanta os olhos ao me ouvir rir sozinha.

A imagem de uma menina loira e doce como Prim me nubla a visão. Uma filha! Nossa filha.

As nuvens acabam de destapar o sol e aprecio a vista ampla da linha do horizonte e da extensão do mar, que cintila como milhares de diamantes. O lago sempre me tranquiliza, porém descobri que o mar, com o ritmo perene de onda após onda é bastante apaziguador.

Por sorte, minha mãe mora perto de uma parte mais isolada da praia, onde eu posso caminhar em paz com pouquíssimas pessoas ao redor.

Removo minhas sandálias e afundo meus pés na areia morna. A sensação é boa, mas fica melhor ainda quando ouço a voz de Peeta gritar meu nome:

— Katniss!

Giro meu corpo para acenar para ele em resposta. Vejo que sua mala foi deixada na porta da casa da minha mãe e que ele vem correndo pela areia sem nem mesmo tirar os sapatos.

Peeta se acerca e, ofegante, apoia as mãos firmemente em meus ombros.

— Eu vim imediatamente. Você está bem mesmo? Sua mãe já adiantou alguma coisa sobre como é esse tratamento? Pode ser demorado?

Eu não respondo imediatamente às suas inúmeras perguntas. Pisco algumas vezes para impedir as lágrimas que já fazem meus olhos arderem e toco seu rosto.

— Você não precisa se inquietar com o tratamento.

— Não? Que bom! Eu estava morrendo de preocupação… E de saudade.

Com as mãos na minha lombar, ele me puxa para perto cautelosamente. Talvez exista alguma espécie de instinto que o faz me segurar com mais cuidado que o usual.

Eu o envolvo com meus braços, sorrindo enquanto seus lábios deslizam por meu maxilar, chegando ao pescoço.

— Também sentimos muito a sua falta e… Estamos bem.

Peeta interrompe as carícias. Afastando-se, ele me olha como se eu estivesse falando outra língua.

— V-você está falando que você e sua mãe estão bem? Ou…

Peeta leva a mão aos lábios entreabertos. Ele me olha, ainda processando a novidade. Eu tiro os dedos de sua boca, apertando minha mão em volta deles.

Meu coração salta no peito. As palavras não cabem mais dentro de mim.

— Eu estou grávida, Peeta. Você vai ser papai. Nosso bebê já estava aqui, mesmo antes da viagem.

Peeta congela e parece perdido, sem saber como agir, talvez preocupado em não fazer um movimento errado, como se eu fosse algo extremamente frágil. Ele começa tocando os fios de cabelo ao redor do meu rosto, olhando fixamente, maravilhado, para os pontos onde seus dedos encostam.

Os músculos dele finalmente relaxam e ele desliza suas mãos trêmulas até minha barriga. Ele não sabe se olha pra meu rosto ou para onde seus dedos estão pousados, enquanto eu não sei se rio ou se choro.  

A expressão de choque em sua face me faz procurar imediatamente suas mãos. O contraste entre a força e a vulnerabilidade dele nesse momento é algo comovente. Peeta olha para nossas mãos, atadas umas nas outras sobre meu ventre, visivelmente emocionado.

Minha mãe estava certa. A comoção inédita que encontro nas feições dele é algo magnífico. Eu jamais o tinha visto tão extasiado assim. Sua reação de alívio, alegria e ternura inundam meu coração de felicidade. Peeta gruda sua testa na minha, respirando com dificuldade.

— Eu vou ser pai? – As palavras saem um pouco roucas. 

Confirmo com a cabeça, sentindo meus olhos lacrimejarem mais uma vez.

— Eu vou ser pai. – Peeta saboreia as palavras, incrédulo, e seus olhos começam a faiscar de excitação.

Como já não posso mais suportar, eu o beijo e ele corresponde imediatamente. Depois, ele se ajoelha e acaricia minha barriga, que ainda não está proeminente, mas aos poucos vai deixar espaço para o nosso bebê.

Peeta fica sem palavras, algo raro. No entanto, não fica sem sorrisos.

Depois de anos esforçando-se para me convencer a engravidar e após alguns meses de tentativas, aqui estamos nós. E eu estou grávida dele.

— Quando foi que você… E os testes? Como? – questiona ele ao se levantar.

— Fiz o exame de sangue com a minha mãe. – Mordisco o lábio. — A gravidez ainda está no comecinho.

— Meu amor! – Ele me encara, abrindo um sorriso enorme. — Nós vamos ser pais. Verdadeiro ou falso?

— Verdadeiro, papai.

Peeta solta a mão que segura a minha e a desliza até rodear firmemente meus ombros. Ele se inclina, ao mesmo tempo em que me ergue no colo, segurando-me por debaixo dos joelhos.

— Você está esperando um bebê! – Peeta rodopia comigo. — Nós vamos ter um filho! – berra ele, jogando a cabeça pra trás.

Meu chapéu dessa vez voa longe e meus cabelos se emaranham, revoltos pelo vento, porém não há nada que me faça pedir para Peeta se afastar de mim para pegá-lo.

Ele me apoia no chão novamente, dando risada, e afasta os fios bagunçados que cobrem todo o meu rosto.

— Não precisa me dizer o que está sentindo, pois acho que está feliz – digo em seu ouvido, rindo também.

— Katniss, meu amor, a mãe do meu bebê! – sussurra ele, para logo depois bradar em alta voz: — Você acha que estou feliz?

— É muito provável que sim – concordo. — E todo mundo ao redor pode ouvi-lo.

— Você quer que eu fale mais baixo?

De qualquer modo, Peeta não poderia falar, pois meus lábios acabam de se unir à sua boca em um beijo repleto de carinho.

Ele parece um menino, exultante de tanta euforia. Desvio a cabeça para o lado e Peeta me observa por entre os olhos semicerrados, para protegê-los da luz do sol.

— Você vai fazer todas as vontades dessa criança – acuso.

— Moderadamente.

— Você vai deixar nosso filho aprontar tudo o que quiser.

— Com limites!

— Eu serei a mãe mais desajeitada e aflita…

— Não – retruca ele, balançando a cabeça, com aquele brilho nos olhos que parece que nunca vai abandoná-los. — Você será perfeita.

— E você vai ser maravilhoso. Aliás, já é. – Roço meu nariz em sua bochecha. — Quando vejo você acordar todos os dias com um sorriso, mesmo depois de algumas noites em que não permito que durma bem… Quando dos seus lábios saem apenas coisas boas, eu me dou conta de que vivo um sonho.

— Sonho? Há coisas que sempre sonhei viver ao seu lado. – Ele segura meu rosto com ambas as mãos. — E a mais linda delas é você com nosso bebê nos braços.

Dessa vez, sua boca cobre a minha. Enrosco meus dedos naqueles cabelos macios, trazendo-o mais para perto, num quase desespero pelo calor e segurança que ele me proporciona.

Carrego um bebê que terá esse calor e essa segurança. Terei um filho do amor da minha vida.

— Eu já amo tanto vocês dois. Ou vocês duas.

— E eu posso garantir que nós dois ou nós duas amamos você de volta.

Eu me estico na ponta dos pés para beijar sua bochecha e, logo depois, levo meus lábios até o canto de sua boca, sentindo o gosto das lágrimas que descem por seu rosto.

Nosso momento é interrompido por uma voz conhecida que se escuta ao longe:

— Tia Katniss? Padrinho? São vocês?

Peeta sacode o braço no ar em confirmação e Finn se aproxima correndo, com o meu chapéu em uma das mãos e uma prancha na outra. 

— Minha mãe não me avisou que vocês viriam…

— Ela também não sabia da nossa viagem – falo.

— Foi uma decisão de última hora – informa Peeta.

— Que bom que resolvi surfar por aqui, então… – O garoto finca sua prancha na areia e corre para nos abraçar.

Ele me devolve o chapéu e abaixa os olhos para perguntar:

— E a vinda de vocês tem alguma coisa a ver com o que você estava gritando ainda há pouco, padrinho?

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Depois que Finn nos encontrou na praia, Peeta ligou para Annie e ambos combinaram um almoço para o dia seguinte – no caso, hoje –, na Aldeia dos Vitoriosos com nossos amigos. É a oportunidade perfeita para confirmarmos a novidade. Iremos para lá logo depois do exame que minha mãe conseguiu agendar no hospital pra mim.

O aroma do pão doce que Peeta acabou de assar para levar para a casa da Annie me deixa levemente enjoada. Estou na sala e ele traz um pedaço para mim.

— Vou tentar provar daqui a pouco, mas não me faça comer nada agora, por favor – imploro.

— Tudo bem. Daqui a pouco.

Ele devolve a fatia ao tabuleiro na mesa da cozinha, depois volta e entrelaça seus dedos aos meus.

Peeta ergue meu rosto para me olhar nos olhos.

— Quer um copo d'água ou alguma outra coisa? – pergunta.

— Água. Pode ser.

Peeta volta à cozinha para trazer o que pedi. Bebo um pouco e ele espera que eu lhe devolva o copo.

— Você está quieta – constata, inclinando-se para beijar meu ombro. — Tem certeza de que está tudo bem?

Assinto, encostando minha maçã do rosto em seu peito.

— Só estou absorvendo e processando tudo. Ainda estou tão confusa. Primeiro, eu pensei que havia algo errado comigo e, agora, estou grávida e eu… Vou ser mãe! – Peeta me puxa para um abraço e estremeço levemente.

— Você está feliz?

Dou um riso fraco, inclinando meu rosto para olhá-lo.

— É difícil pensar em algo diferente de estar feliz, quando olho pra você e quando penso no que está acontecendo. Um bebê a caminho, minha mãe disposta a tentar voltar…

Ele toca minha testa e traceja meu rosto. Cada poro dele transpira felicidade também. Por incrível que pareça, nunca estive mais segura de nada na minha vida. E aterrorizada também.

— Mas isso não significa que as mudanças não me apavorem… Você vai me aturar mesmo quando eu me transformar em uma bagunça? – pergunto, antevendo uma piora significativa no meu humor com a sobrecarga de hormônios.

— Sim. O amor tem sempre uma maneira de arrumar as coisas, especialmente as partes bagunçadas – garante ele. — E quando você ficar ranzinza e insuportável, vou lembrá-la de que pode estar esperando uma menininha de cabelos castanhos, com seu nariz pequeno e gracioso… E seu temperamento terrível! – Peeta graceja, simulando estar por trás de um escudo invisível quando o ameaço com uma almofada.

— Você vai ter que lidar com dois gênios fortes, então. – Atiro a primeira almofada e ele se defende, mas a segunda o acerta em cheio.

— Que bom saber que vou poder conviver com duas doces e singelas florezinhas de katniss! – Peeta continua com suas provocações, invadindo o quarto para fugir do meu ataque.

— Boa tentativa de escapar – Subo na cama da minha mãe para pegar os travesseiros que estão sobre o colchão.

— Quem disse que eu quero escapar? – Peeta intercepta o travesseiro que estou prestes a jogar nele e o põe de lado.

Ele segura e beija minhas mãos, colocando-as por sobre meu ventre e cobrindo-as com as suas.

Cada gesto e carícia inadvertidos que ele faz ao nosso bebê me desarmam por completo.

Peeta me pega pela cintura e me gira no ar. Em seguida, beija meus lábios, pescoço, colo, até chegar à altura da minha barriga. Ele desliza minha camiseta para cima.

— É aqui que o milagre da vida vai acontecer. Este é o santuário do fruto do nosso amor.

— Que palavras bonitas… Hoje você está muito poético. – Enrosco meus dedos nos cabelos de Peeta, enquanto ele roça o nariz em meu umbigo, balançando a cabeça, num gesto afirmativo. — Mas, falando assim, parece que você quer me colocar numa redoma de vidro. Não se esqueça de que eu sou feita de carne e osso.

— E você me deixa esquecer isso? Ainda mais agora que está grávida e vai ficar mais linda a cada dia. – A pressão de seus dedos começa em minha cintura e vai subindo, enquanto ele se ergue, até eu estar completamente envolvida em seus braços. — Aqui está sua redoma. E não é de vidro.

Pressiono meus lábios contra os dele uma vez, depois outra.

Peeta abandona a cautela e toma minha boca com a sua, apoiando as mãos nas laterais do meu corpo.

— Minha redoma é de carne e osso também.

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Mantenho sua mão na minha, enquanto caminhamos para dentro do hospital. Peeta permite que eu o guie para a sala que minha mãe indicou. Ela já está nos esperando, quando abro a porta.

Paciente 1904, você por aqui de novo? – indaga ela, sorrindo.

Em seguida, dirige-se a Peeta, em quem dá um abraço afetuoso, apoiando as mãos nos ombros dele para felicitá-lo. Os olhos de ambos ficam marejados ali mesmo e, por consequência, os meus também.

— Agora você vem comigo – diz ela para mim.

— Só ela? – Peeta faz uma expressão de súplica e minha mãe se apieda dele. — Tudo bem. Entre aqui você também.

Dentro da sala, ela me leva até uma balança e anota o meu peso. Depois, checa a minha pressão sanguínea e, com uma fita métrica, verifica as medidas da circunferência da minha barriga, que ainda é praticamente a mesma de antes. 

Não sei se por distração ou emoção, ela deixa a fita cair no chão e, por alguns segundos, mantém suas mãos pousadas em meu ventre. Espero que esse seja o primeiro de muitos afagos que ela dá em nosso filho.

Peeta observa tudo embevecido e eu fico ruborizada.

— Prontos para serem apresentados ao novo membro da família? – pergunta minha mãe, depois de se recompor.

Ela guarda os instrumentos que usou e vai conosco até o consultório do Dr. Augustus, que nos recebe com o carinho de sempre. Logo que entramos, Peeta pergunta pela família dele, em especial pela Dra. Ceres e pelo filho de ambos, mas o médico não se alonga em suas respostas, pois é nítida a nossa ansiedade em fazer o exame.

Assim, não demora muito, já estou vestida numa roupa de hospital e deitada numa cama, tendo o Dr. Augustus e minha mãe de um lado e, do outro, Peeta agarrado à minha mão.

O médico coloca o aparelho em mim e passa a movimentá-lo quando o monitor se ilumina e exibe uma imagem em preto e branco, parecendo uma espécie de raio-X em movimento.

Posso ouvir a respiração rápida de Peeta, enquanto nós dois olhamos para a tela, tentando entender aquilo.

Há áreas de luz e sombra, linhas e curvas, mas eu não faço ideia de como exatamente deve parecer o embrião com tão poucas semanas.  

— Estão vendo esse grãozinho de arroz ali no canto. É o bebê de vocês. 

Eu e Peeta olhamos fascinados para a imagem distorcida, que não faz sentido nenhum, mas que, ao mesmo tempo, significa tudo para nós. O médico faz as medições necessárias e prossegue:

— Agora vamos tentar ouvir os batimentos cardíacos para termos certeza de que está tudo bem. 

Eu e Peeta nos entreolhamos no segundo que antecede o som maravilhoso que começa a ser emitido pelo equipamento médico. Presencio o semblante apreensivo de Peeta mudar para um olhar de amor infinito na primeira vez em que ouvimos o coração do nosso bebê.

As bochechas dele já estão lavadas por suas lágrimas de felicidade. As minhas também são como um rio que nunca seca.

Nosso amor cresce dentro do meu ventre e seu coração bate com uma força incrível, mesmo ainda sendo tão minúsculo. Peeta beija minha mão e resume sua emoção em poucas e belas palavras:

— Meus dois amores em um só.

 


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Notas finais do capítulo

Olá!

Gente, deixa eu contar: tirando a parte poética do Peeta falando no final, minha primeira ultra foi assim mesmo… Morri de amores, quando vi e ouvi meu grãozinho de arroz pela primeira vez.

Foi muito emocionante escrever isso.

Beijinhos!
 
Isabela