A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 16
16. Eu quero recomeçar nossa história




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/696420/chapter/16

Por Peeta

O que Katniss está sentindo? O que a levou a me beijar?

Não tenho uma resposta. Afinal, desde que nos reencontramos, ela não perdeu uma oportunidade de me lembrar de que não poderíamos ficar juntos e de que continuaríamos apenas como amigos.

Apesar disso, depois da avalanche de lembranças ao rever os objetos encontrados nos destroços da minha antiga casa e da padaria, sou arrebatado da realidade com o toque compassivo dos lábios de Katniss em meu rosto, enxugando minhas lágrimas e, depois, beijando a minha boca suavemente.

Minha surpresa logo se transforma em vontade de eternizar o momento, misturando desejo, saudade e amor, tudo o que fui e o que sou... Todo o meu ser, por inteiro, no beijo dado em retribuição.

Ainda que eu queira ficar preso a esse instante, a dúvida sobre qual a real motivação de Katniss me faz interromper o beijo. Terá sido por piedade?

Então, recuso-me a prosseguir com qualquer devaneio romântico, mesmo que meu maior desejo nesse mundo seja de que esse envolvimento que sinto transbordar entre nós se revele verdadeiro.

Todavia, Katniss me garante que não fez o que fez por dó de mim.

Não é por pena. Essas são suas exatas palavras.

Olho fixamente para Katniss e sei que ela está falando a verdade. Minha sensibilidade está aflorada. Não é por pena que ela está aqui, à minha frente, talvez tão vulnerável quanto eu.

Katniss para de respirar por uma fração de segundos. Depois, seu rosto vai ficando avermelhado aos poucos e sua respiração acelera. Apoio minhas mãos em sua face, ruborizada e quente, e ela faz menção de falar alguma coisa.

No entanto, guarda o que ia dizer para si, ao ser interrompida pelo toque do meu telefone. Katniss não consegue se expressar por palavras, porém seus olhos dizem muito. Ainda espero que ela pronuncie algo, mas o telefone continua tocando.

— É melhor você atender. — É tudo o que ela diz.

— Não vá embora, por favor — imploro, ainda segurando seu rosto, e me levanto para ir até o telefone.

— Alô?

— Boa tarde, Peeta. Quem fala é o Dr. Aurelius.

— Olá, Dr. Aurelius.

— Tentei falar com você mais cedo e não consegui... — Dr. Aurelius continua falando, mas estou alerta ao que Katniss está fazendo.

Observo-a se levantar e passar as mãos por seus braços, parecendo sem jeito de permanecer aqui em minha casa, enquanto estou ao telefone. Ela põe as mãos em suas bochechas rosadas, exatamente onde as minhas mãos estavam anteriormente, como se tomasse consciência do seu rubor, e se dirige até a porta. Katniss não olha para mim até segurar a maçaneta.

Sinalizo para que ela não se vá. Katniss ergue os ombros, balbuciando um pedido de desculpas, e sai.

— Alô? Peeta? Está tudo bem? — Dr. Aurelius percebe a minha falta de atenção.

— Sim, Dr. Aurelius. Peço que me perdoe... Só estou um pouco distraído.

— Se preferir, ligo em outro momento. Gostaria apenas de saber como você está aí no Distrito 12.

— Tenho notícias ruins e boas — reconheço. — Nesse pouco tempo, já tive dois flashbacks e, por incrível que pareça, foi Katniss quem me ajudou nas duas situações.

— Vocês estão se relacionando bem, então?

— Estamos reaprendendo a conviver um com o outro. No entanto, posso dizer, com certeza, que está melhor, muito melhor do que poderia imaginar! — admito, ainda sob o efeito das emoções que me invadiram há poucos minutos com o beijo dela.

— Fico mais tranquilo ao ouvi—lo falar assim. Confesso que estava apreensivo com a sua escolha. — Ele faz uma pausa. — A Dra. Ceres não concorda comigo e está aqui sacudindo a cabeça negativamente.

— A Dra. Ceres está aí? Posso falar com ela? — pergunto animado.

— É claro que sim. Preciso apenas que me responda algumas coisas, certo? Você está usando seus medicamentos? Notou algum efeito colateral?

— Tenho observado os horários dos meus comprimidos e estou bem. Também estou ajudando Katniss com as medicações dela, apesar de ela não ficar muito satisfeita com isso — comento.

— Ah, se ela soubesse como muitas pessoas gostariam de ter um ajudante dedicado como você... Enfim, é ótimo saber que você está trilhando um bom caminho. — O médico suspira. — Será que consigo finalmente falar com Katniss, se eu telefonar pra ela daqui a pouco?

— O senhor pode fazer o seguinte, Dr. Aurelius: depois que eu desligar, espere uns quinze minutos e ligue pra ela. É o tempo de eu ir até a casa dela para tentar convencê-la, se for preciso — sugiro.

— Farei isso, então. Agora, vou passar o telefone para a Dra. Ceres. Se precisar de qualquer coisa, você sabe como entrar em contato. Até o próximo telefonema, Peeta.

— Obrigado, Dr. Aurelius. Até breve.

Aguardo uns instantes até ouvir a voz doce da Dra. Ceres:

— Oi, Peeta. Parece que faz uma eternidade desde que nos falamos! — diz ela com carinho.

— Também tenho essa impressão. Sinto falta das nossas conversas.

— Estou curiosa pra saber como você está lidando com tantos desafios.

— Segui o seu conselho, Dra. Ceres, e busquei em mim o que sentia por Katniss. Consegui recuperar meu amor por ela. Acho que esse, de fato, é o meu melhor tratamento. Quanto mais certeza tenho de que a amo, mais fácil é afastar as recordações falsas da minha cabeça.

— Fico feliz em saber que você está resgatando o que você sentia, quem você era...

— Mas ainda tenho muito o que melhorar.

— Assim somos todos nós nessa vida, Peeta, sempre tendo que nos superar. Você não está desanimando, está?

— Não. Jamais — enfatizo. — Só fico preocupado... Hoje visitei o que restou da padaria dos meus pais e da minha casa. Sabia o que enfrentaria e estava me preparando pra isso, mas não consegui impedir uma crise.

— Você vai conseguir esse autocontrole aos poucos mesmo. Por acaso, você sentiu vontade de atacar Katniss?

— Os surtos que tive não chegaram a esse ponto. Ela fez com que me recuperasse antes disso. Foi Katniss quem me trouxe de volta.

— Pra mim, é inevitável a comparação com a situação do meu pai e posso dizer que você já avançou muito, muito mesmo, Peeta. Torço por você e Katniss da mesma forma que torço por minha família — afirma ela, comovida, antes de se despedir. — Tenho que desligar agora. O dever me chama.

— Adeus, Dra. Ceres, e obrigado pelo carinho de sempre.

Desligo o telefone e vou até a casa de Katniss. A porta não está trancada e, após leves batidas, entro devagar.

Buttercup está deitado no sofá ao lado de Katniss, que está virando as páginas amareladas de um livro que reconheço vagamente. Ela percebe a minha chegada, mesmo sem tirar os olhos das páginas.

— Tenho boas recordações daquela época em que completamos juntos o livro de plantas da minha família — confessa. — Você se lembra?

— Bom... Claro! O livro de plantas... Isso foi depois que você machucou seu tornozelo. Verdadeiro ou falso? — pergunto, apenas para confirmar as imagens que me vêm à mente.

— Verdadeiro. — Ela balança a cabeça levemente. — Ao menos, alguma coisa boa aconteceu por causa daquele acidente.

— Estou me lembrando — afirmo. — Também vivi bons momentos naqueles dias.

— Você uma vez disse que era a primeira vez que fazíamos algo normal juntos — recorda ela.

— Mas é verdade. Antes disso, nossos momentos juntos foram todos relacionados aos Jogos.

— Nós estudávamos na mesma turma da escola... — Katniss começa a discordar. — Isso é fazer algo normal.

— Mas eu ficava de um lado da sala e você, beeem distante, do outro. Não fazíamos nada juntos! — protesto bem-humorado.

— Você tem razão. Completar o livro foi a primeira coisa normal que fizemos juntos — assente Katniss, por fim.

— O que está procurando no livro de plantas? Você está passando mal? Quer um chá?

— Não, estou bem — tranquiliza–me. — É que, vendo você se recordar de tantas coisas sobre sua família ao abrir aquela caixa, tive uma ideia... Escrever um livro onde pudéssemos guardar os detalhes que seria um crime esquecer a respeito das pessoas que amamos, especialmente as que nós perdemos.

— Você pode pedir a opinião do Dr. Aurelius sobre isso. Ele deve ligar daqui a pouco — aviso.

Na mesma hora, o telefone dela começa a tocar. Katniss levanta uma sobrancelha e vai atender. Antes que ela tire o fone do gancho, pergunto:

— Você quer que eu volte depois?

Katniss nega com a cabeça.

— Pode ficar, se quiser — responde, levando o aparelho ao ouvido. — Alô? Dr. Aurelius? Que surpresa!

Dou um sorriso pra ela ao ouvir a leve ironia em sua voz e me acomodo no sofá, escutando seus comentários sobre as perguntas e os pedidos do médico:

— O senhor tem razão. O tratamento só pode continuar, se eu atender ao telefone... De agora em diante, não precisa se preocupar, pois o senhor tem um aliado aqui no Distrito 12 e ele está agora mesmo infiltrado em minha casa. — Ela revira os olhos. — Peeta fez chantagem... Hum... Quero dizer, fez um trato comigo, para eu tomar meus remédios e falar com o senhor regularmente.

Eu me levanto e aponto para o livro de plantas que ela estava folheando. Ela faz um sinal afirmativo com o polegar, demonstrando que vai comentar a respeito do livro de memórias que está planejando confeccionar.

— Dr. Aurelius, sempre tento seguir o conselho que o senhor me deu, quando eu ainda estava na Capital, de simplesmente acompanhar o fluxo dos acontecimentos, sem esperar nada de extraordinário, mas... Algo diferente se passou hoje e tive uma ideia. Gostaria da sua opinião.

Faço um gesto com as mãos, incentivando-a a seguir em frente.

— Pensei em fazer um livro de memórias, detalhando a vida das pessoas que se foram e das que amamos, narrando as coisas que vivemos juntos e que não posso confiar à memória para guardá-las. — Alguns segundos se passam e ela abre um largo sorriso, antes de agradecer e se despedir. — Obrigada, Dr. Aurelius! Até uma próxima vez.

— E então? — indago depois que Katniss desliga.

— Ele apoiou a ideia e uma grande caixa com folhas de papel de pergaminho vai chegar já no próximo trem vindo da Capital! — Katniss exclama, com um brilho no olhar. — Você vai me ajudar?

— Claro! Você quer que eu inclua desenhos e pinturas?

— Sob a minha supervisão! — Ela ergue o dedo indicador e esboça uma expressão severa, que logo se desmancha.

— Você era muito exigente com o livro de plantas. Eu fazia dezenas de rabiscos no rascunho até que você estivesse satisfeita com o resultado. Só então podia desenhá-los no livro.

— É porque as figuras tinham que ser exatamente como as plantas! — Katniss se defende. — Esse livro foi transmitido por diversas gerações. É um tesouro. Nós apenas o aperfeiçoamos.

— Eu sei — comento. — Estou apenas brincando. O livro da sua família é muito útil para ajudar a reconhecer as plantas e suas propriedades... O nosso livro de memórias também será um tesouro e vai nos ajudar a lembrar e a contar as nossas histórias e as... De todos eles.

Katniss fica séria, mas logo torna a falar:

— Não vai ser a mesma coisa do que desenhar plantas, Peeta. Você tem certeza de que será seguro fazer o livro comigo? Trazer à tona tudo o que aconteceu?

— Pra mim, será uma honra prestar essa homenagem. Annie uma vez me perguntou se eu não sofria retratando as pessoas que perdemos... Ela estava diante de um quadro que fiz de Prim. Respondi que todas as imagens que desenho estão na minha memória mesmo. Não há como fugir delas. Pintá-las me ajuda a me acalmar e a colocar as ideias no lugar — explico.

— Naquela época, ver você desenhando também me trazia calma e ajudava a me esquecer dos problemas. — Katniss suspira fundo e me olha nos olhos. — Gostava de observar suas mãos quando você trabalhava, fazendo uma página vazia florescer com riscos de tinta.

Ela apoia suas mãos sobre as minhas e as acaricia.

— Você observava minhas mãos? — Minha voz trêmula denuncia as emoções que me invadem.

— Seu rosto também. Você adquire uma expressão especial quando se concentra. Seu semblante tranquilo é substituído por algo mais intenso e retraído, que sugere a existência de todo um mundo trancado aí dentro de você — declara Katniss e coro imediatamente.

— Isso também acontece com seu rosto, mas é quando está caçando. É fascinante. Você se transforma, fica compenetrada em cada som, em cada movimento externo, em cada passo que dá... É uma pena que, nas poucas vezes em que acompanhei suas caçadas, acabei tirando você do sério, porque não conseguia caminhar silenciosamente.

— E eu achando que disfarçava bem minha irritação! — diverte-se ela.

— Você podia até tentar esconder, mas não conseguia por muito tempo — retruco, achando graça. — Um dia podemos ir à floresta e prometo ficar bem quieto num canto, apenas observando, e depois faço um desenho seu... Do seu rosto concentrado... E lindo.

Ao ouvir a última palavra que digo, Katniss solta minhas mãos devagar e se levanta do sofá, porém seguro seu braço delicadamente, erguendo-me também.

— Katniss, não posso ignorar o que aconteceu em minha casa. Quero um beijo — abaixo a voz aos poucos até que vire um sussurro suave. — Um beijo de boa noite.

Ela prende a respiração e se afasta um pouco de mim.

— Por favor, Peeta, vamos com calma — pede ela, fitando o chão.

Caminho na direção de Katniss e ela dá alguns passos para trás, até encostar contra a parede oposta. Antes mesmo de alcançá-la novamente, meus olhos já a acariciavam, detendo-se mais do que deviam sobre a curva de seus ombros, de onde escorrega a alça de sua camiseta, que estou ansioso por ajeitar.

Katniss põe a mão sobre o meu peito, tentando me manter minimamente afastado, mas continuo a me aproximar, não de modo ameaçador ou invasivo, apenas preciso que ela me escute.

— Não quero me arriscar a perder você, porque não tentei ou porque ignorei os sinais que você me deu de que sente ou pode vir a sentir algo por mim — declaro, obstinado.

Estendo as mãos e seguro seu rosto afavelmente, virando-o um pouco para que ela encare a felicidade estampada em meus olhos.

— Peeta, quero recomeçar nossa história, mas tem que ser devagar. Ainda preciso colocar algumas peças nos seus devidos lugares, seguindo o meu ritmo.

— Você está certa. Devemos fazer isso direito dessa vez, só nós dois, sem nenhuma encenação ou ameaça pairando sobre nossas cabeças.

— Nós não precisamos apressar nada. Espero que entenda — suplica apreensiva.

— De verdade, Katniss, não estou com pressa. É que esperei tanto por esse momento. Ter você comigo, fora das arenas, longe da imprensa, livres da guerra... Sem as lágrimas, que você enxugou hoje do meu rosto, de uma maneira tão carinhosa e tão... surpreendente. — Não resisto e colo meus lábios aos dela.

Assim que nos conectamos, pele com pele, corpo, mente e sentidos, acho que ambos perdemos a capacidade de raciocinar sobre tudo o que dissemos a respeito de ir com calma. Nós nos deixamos levar pela emoção e pelo desejo.

Seus lábios são absurdamente sedosos e acolhedores, assim como sua língua, que recebe a minha com avidez.

O sentimento que flui entre nós dois é algo poderoso. É como se nosso vínculo, tão intenso e genuíno, não pudesse ser rompido por nada.

Pressiono meu corpo contra o dela, num gesto firme, porém gentil, acariciando seus ombros com ternura, finalmente reposicionando o tecido escorregadio de sua camiseta.

A pulsação de Katniss lateja sob meus dedos, quando toco em seu pescoço. Sinto ela se enrubescer, enquanto aperta o corpo contra o meu, vencendo a pequena distância que ainda nos separa.

Nesse abraço, consigo sentir o coração dela palpitar próximo ao meu peito. Não saberia dizer por quanto tempo nos beijamos, mas, quando nos desprendemos um do outro, Katniss e eu estamos ofegantes.

Nós nos damos conta de que compartilhamos um momento sublime e tocante. É a realização, ainda que fugaz, de um dos sonhos mais profundos do meu coração.

Uma enxurrada de lembranças ruins é simplesmente varrida da minha mente. O que aconteceu agora não se trata de uma ilusão fabricada na minha memória: é verdadeiro, é real, é muito mais forte do qualquer mentira plantada em mim pelo telessequestro.

— Katniss, pedi apenas um beijo de boa noite. No entanto, acho que ganhei mais do que isso... Muito mais — murmuro feliz.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

O clima de romance está no ar! E vai durar um pouquinho, pode deixar...