Make Your Choice escrita por Elvish Song, SraFantasma


Capítulo 2
Na casa do Visconde


Notas iniciais do capítulo

Oláááá! Segundo capítulo para vocês!



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                Christine acordou e, por um segundo, não soube onde estava. Foi só então que se lembrou: estava na casa de Raoul, mais precisamente no quarto de hóspedes, e as batidas que a haviam acordado vinham da porta, onde a criada perguntou:

                - Posso entrar, senhorita?

                - Só um instante! – respondeu a soprano, levantando-se depressa e vestindo o penhoar – pode entrar.

                Uma moça de vinte e poucos anos entrou no quarto, trazendo um belo vestido nas mãos, o qual depositou sobre a cama, antes de se voltar para a soprano:

                - Monsieur De Chagny ordenou que lhe trouxesse esse vestido; disse que é um presente, e que gostaria de vê-la com ele, hoje.

                Olhando para o vestido, que tinha um tom azul-claro com brilho perolado, a moça deu um leve sorriso: Raoul estava tentando agradá-la, ou haveria algum motivo especial? De qualquer modo, faria como ele pedira, e usaria a linda peça. Ela ia esperar que a criada deixasse o quarto e, quando esta não o fez, pediu polidamente:

                - Desculpe-me, mas preciso de privacidade para me trocar.

                - Ah, bem... – a moça pareceu confusa – O Visconde me disse para ajuda-la a se trocar...

                - Ah, Marian, você sabe que não é preciso. Ainda assim, obrigada. – disse a soprano, antes que a criada deixasse o quarto, surpresa com a noiva de seu patrão.

                Sozinha, Christine pegou o vestido e o segurou diante do corpo, olhando-se no espelho... Estava na casa de seu noivo há vários dias, e já devia ter se acostumado... Porém, todos os dias despertava sem saber onde estava, e seus dias eram extremamente confusos, como se algo estivesse faltando. E ela sabia bem o que era: música. Ela crescera num teatro, fora ensinada a cantar, fora Primeira Dama da Ópera Garnier! Não conseguia viver sem música e, na casa de Raoul, imperava um silêncio sepulcral. Ela tentara romper aquele silêncio com um pouco de canto, mas, nas vezes em que o fizera, seu noivo lhe pedir para não cantar, pois estava com dores de cabeça. E mesmo sabendo que ele mentia, ela atendera, ainda que não compreendesse o porquê de ele não querer ouvir sua voz, já que sempre gostara de ouvi-la cantar, desde que eram crianças.

                Tentando desviar-se desses pensamentos, foi para trás do biombo e começou a se trocar; como perdera todas as suas posses no incêndio, Raoul lhe dera novas roupas, sapatos, jóias... Parecia tudo um pouco extravagante para a moça, mas ela não questionaria a dedicação e a preocupação que o noivo lhe dispensava. Ele era bastante zeloso... Mesmo que não o tivesse sido naquela noite, quando a obrigara a cantar para fazer o Anjo se expor... Ah, não! Não! Esses pensamentos, outra vez, não! Já não bastavam os pesadelos com aquela noite, que tinha sempre que fechava os olhos? Não lhe bastava encarar em seus sonhos os olhos tristes de seu Anjo, querendo mudar o desfecho da história, e vendo-a se repetir inexoravelmente, noite após noite?

                Christine meneou a cabeça, tentando fugir das lembranças do pesadelo, e terminou de se vestir. Atou os cabelos com uma fita branca, e pôs um discreto colar cujo pingente era uma gota prateada; era tão estranho... a mulher que a fitava do espelho era ela, obviamente, mas não se parecia com ela! A moça mal podia reconhecer a si mesma... Aquele ar triste, quando eia estar alegre, aquela preocupação, quando devia sentir-se aliviada... Quem era aquela mulher em roupas diferentes das que sempre usara, com olhos tão mais sérios que os da menina que fora, até pouco tempo? Uma sombra pairava em sua mente, e ela não tinha muita certeza do motivo.

                Saindo do quarto, desceu as escadas até a sala de jantar: Raoul e sua mãe – a Viscondessa Lucienne - estavam já à mesa, aguardando por ela; ao vê-la, o moço exclamou:

                - Está deslumbrante, Little Lotte! – ele foi até o pé da escadaria, tomando a mão de Christine na sua e beijando-lhe os dedos, conduzindo então a moça até seu lugar. Polida, ela agradeceu:

                - Um presente maravilhoso, meu querido, e sou muito grata por ele. – e então continuou, curiosa – mas a que se deve este mimo, tão repentinamente?

                - Ah, claro – disse ele, parecendo se lembrar de algo – receberemos meu tio, um oficial da marinha, e sua família. Querem conhecer minha futura esposa, antes do dia do casamento.

                A jovem sorriu, sem saber por que tinha de força o sorriso; tudo deveria parecer-lhe perfeito, mas não estava. Seu coração estava pesado, e seu humor, sombrio. Mas Raoul não tinha culpa disso, de modo que se obrigou a parecer radiante, e dizer:

                - Anseio por este dia.

                A Viscondessa deu um sorriso, e declarou:

                - Será em breve, pequena. Três meses não são muito tempo, mas é o mínimo que se precisa para organizar um casamento decente. Ah, a propósito, a costureira virá amanhã pela manhã, tomar suas medidas para o vestido de noiva – havia um sorriso esfuziante no rosto da futura sogra de Christine – faço questão de acompanhar tudo de perto! – e piscando para a nora – será a mais linda das noivas!

                - Obrigada, Madame De Chagny – agradeceu a garota. Entendia um pouco o que a incomodava: tudo ali era muito artificial e, também, muito superficial. Isso a irritava um pouco, a fazia sentir-se deslocada, mas não podia negar que Raoul e a mãe eram extremamente gentis e delicados com ela, assim como toda a criadagem.

                O desjejum foi tomado em meio a conversar triviais acerca de quando o tio de Raoul chegaria, sobre como suas filhas deviam já estar crescidas e coisas do gênero. A soprano apenas ouvia a tudo, mantendo um sorriso artificial nos lábios, enquanto seus pensamentos vagavam. Em sua mente havia música... Música a ecoar. Ouvindo a música em seus pensamentos, seu sorriso se tornou verdadeiro, até que, de repente, uma voz masculina se fez ouvir, vinda de lugar nenhum e de todos ao mesmo tempo:

                - I am your Angel of Music! Come to me, Angel of Music! (eu sou seu Anjo da Música! Venha para mim, Anjo da música!)

                Ela se levantou de um salto, derrubando o chá na mesa; envergonhada, percebeu que cochilara sentada, e se desculpou, mas as expressões de Raoul e da mãe eram antes de preocupação do que de censura:

                - Está tudo bem, Christine? – perguntou o moço, surpreso.

                - Ah, sim, sinto muito. – disse ela, enquanto uma criada limpava o líquido derramado – não tenho dormido muito bem... Creio que cochilei.

                - Ah, pobrezinha, não é de se espantar que tenha pesadelos. – disse Madame Lucienne, enquanto a jovem se sentava outra vez – Raoul me contou de seu terrível sequestro! Mas agora está segura, criança: aquele monstro nunca mais a tocará, outra vez.

                “nunca mais...” pensou Christine, e isso lhe trouxe uma tristeza sem par, enquanto terminava o café-da-manhã.

*

                O Capitão Georges de Chagny era um homem de meia-idade, alto e forte, muito bem conservado para seus cinquenta anos; cabelos loiros como os do sobrinho, já bastante agrisalhados, barba curta, vestido num terno impecável. Sua esposa, Madame Rosette, contava trinta e cinco anos, e era uma perfeita dama, delicada e gentil, de cabelos negros presos num coque elaborado, vestida com trajes belos e discretos, de gola alta e mangas longas. As filhas do casal, Monique e Anneli, tinham dezessete e quinze anos – uma um ano mais velha que Christine, a outra um ano mais nova – e eram cópias fiéis da mãe, até mesmo no estranho tom verde-escuro dos olhos. Todos pareceram muito simpáticos, e trataram muito bem a futura integrante da família De Chagny; enquanto as damas falavam sbre bordados, vestidos e casamentos – já que Monique também estava noiva - os dois homens se perderam em conversas sobre navios, viagens e negócios. Christine já estava quase morrendo de tédio e, quando o Sr. Georges começou a falar sobre sua última viagem à Pérsia, a atenção da moça se voltou de imediato ao que ele e o sobrinho conversavam. Muito ais interessante ouvir sobre outros países, do que escutar as moças discutindo a diferença entre o modelo x ou o modelo y que seguia a tendência da moda.

                De repente, porém, Madame Lucienne chamou a atenção da nora:

                - Christine, não seja rude! Rosette lhe fez uma pergunta.

                Corada até a raiz dos cabelos, a jovem se desculpou e indagou o que lhe fora perguntado. Lucienne riu:

                - Precisa dormir melhor menina. Está cochilando acordada desde cedo! Rosette lhe perguntou se ainda pretende voltar a cantar!

                - Ah, sim. – ela fitou a tia de Raoul – tenho esse firme propósito, Madame. Pretendo retornar aos palcos assim que possível.

                - Ah, isso é maravilhoso! Tive a oportunidade de vê-la se apresentar e, por Deus, pensei que um anjo havia descido dos céus! – Anneli tomou a palavra:

                - Poderia cantar para nós, Mademoiselle Daae? Apenas uma ária! – Christine não soube o que responder, e a outra insistiu – Por favor!

                - Está bem. – concordou a jovem, sorridente. As duas senhoras chamaram a atenção dos homens, dizendo que Christine lhes mostraria um pouco de suas magníficas habilidades. Raoul franziu o cenho, claramente desagradado, mas nada disse. A moça se pôs em pé e, lembrando-se com deleite e nostalgia das lições de seu mentor, começou a cantar a ária ‘Sempre Libera” de La Traviatta:

Sempre libera degg´io (Sempre livre eu quero)
Folleggiare di gioia in gioia, (voar de prazer em prazer!)
Vo´che scorra il viver mio (Quero que minha vida discorra)
Pei sentieri del piacer. (pelos caminhos do prazer!)

Enquanto cantava, ela encontrava dentro de si a alegria que julgava desaparecida. Sua alma outra vez se erguia e voava, e um sorriso radiante se estampava em seu rosto. Ela era Violetta, ela era a música que cantava:

— Nasca il giorno, o il giorno muoia, (nasce o dia, ou morre o dia)
Sempre lieta ne´ ritrovi, (Sempre contente por nos encontrarmos)
A diletti sempre nuovi  (no prazer sempre novo)
Dee volare il mio pensier (deusas voam em meus pensamentos)

Ela teria continuado, mas Raoul começou a aplaudir, no que foi imitado pelos demais. Elegante, a cantora fez uma reverência, mas Rosette pediu:

— Cante mais uma vez, minha jovem! Agora, algo mais sóbrio, talvez. A Ave-Maria de Gounod, talvez...

— É claro, Mada... – Raoul, porém, atravessou-lhe a fala:

— Creio que já seja o bastante, por hoje, meu amor. – Aquele corte indignou a moça, que protestou polidamente:

— Meu noivo, Madame Rossette pediu-me que...

— Eu disse que é o bastante por hoje, Christine! – devolveu ele, ríspido como nunca fora com ela. – Agora chega. Não vou discutir isso.

Os olhos de Christine faiscaram de indignação, mas ainda assim ela se obrigou a forçar um sorriso e se sentar. Mais tarde, falaria a sós com Raoul: como ele ousava trata-la daquele modo, especialmente diante de visitas?

*

Três meses depois

Christine entrou no quarto, batendo a porta com força. COMO RAOUL OUSAVA TRATÁ-LA DAQUELE MODO?! Como ele se atrevia a mandar que calasse a boca – nestes exatos termos – diante de vários convidados que estariam na festa de casamento, amanhã?! E tudo porque ela cantarolara alguns versos... Não fazia sentido algum!

Nos últimos três meses, a relação de ambos deteriorara terrivelmente: ele parecia não suportar ouvir sua voz, em ciúmes terríveis e doentios da música. De desculpas como dor de cabeça ou preocupação, ele passara a simplesmente proibi-la de cantar, e até mesmo de tocar piano, algo que toda moça bem-educada sabia fazer, e que era sua distração. Ele estava completamente doente, e passara da delicada à profunda rispidez. Brigavam quase diariamente, e o motivo era sempre o mesmo: música. Um cantarolar distraído, algumas notas tocadas ao piano, uma partitura deixada sobre a cama... Qualquer coisa que se relacionasse com música era, para o Visconde, algo que o deixava possesso de fúria! Mas hoje ele extrapolara todos os limites, mandando-a calar a boca logo após uma cavalgada em companhia de alguns amigos, quando ela começara a cantar músicas que aprendera quando menina. Ela, sem pensar, mandara-o ao inferno, dizendo que era dona de sua própria voz, e isso lhe rendera um olhar de ódio, e um “conversaremos depois” sussurrado em tom de ameaça. Mas não tinha medo de Raoul! Ele era um perfeito idiota, e até mesmo a amizade que sentia pelo Visconde estava a ponto de desaparecer, com a privação a que ele a submetia da coisa que, para ela, era mais necessária do que o ar!

Com raiva, ela jogou o chicote de montaria sobre a cama e tirou o vestido, trocando-o pela camisola. Não desceria para jantar, hoje. A última coisa que queria era ver o rosto de Raoul. Já não queria mais ser sua esposa – nunca quisera, na verdade, desde os eventos da Ópera – mas não sabia como esquivar-se ao casamento. Pois para onde iria? Que faria de sua vida, com a Ópera destruída, e sem ter onde morar? Porém, a ideia de se casar com Raoul, agora, a enchia de raiva. Não seria sua esposa submissa, se era isso o que ele desejava!

Como uma criança a fazer birra, sentou-se sobre a cama de braços cruzados e, numa provocação intencional, começou a cantar “Sempre Libera”. Foi um erro. Não tardou para a porta se abrir, revelando um Raoul furioso, que fechou a porta atrás de si e a trancou. Seus olhos chispavam de ódio quando se dirigiu à futura esposa:

— Você é surda?

— Creio que não – devolveu ela, atrevida – meus acordes são perfeitamente afinados.

— É estúpida, ou finge ser? – perguntou ele, aproximando-se da cama. Christine estava com tanta raiva, que só agora percebera estar apenas de camisola. Mas isso não pareceu importar ao Visconde – EU LHE FIZ UMA PERGUNTA!

— Quer uma resposta, Raoul? – perguntou ela – eu cansei! Você está sendo ridículo, com seus ciúmes. Ao acaso acha que, quando canto, estou enviando uma mensagem secreta ao Fantasma? – ela viu o espanto nos olhos do noivo – eu sei bem que é por isso que odeia quando canto. Você acha que me lembro dele e, quer saber? Eu me lembro, sim. A cada vez que você me proíbe de fazer o que mais amo, eu me lembro com mais nitidez de como ele me incentivava, de como libertou uma voz amarrada de menina e a transformou num soprano perfeito. Eu me lembro de como era feliz com ele, até você aparecer em minha vida, e eu cometer a maior idiotice do mundo ao pensar estar apaixonada por você! – ela cuspiu tudo aquilo num momento de ódio. Suas palavras, porém, foram caladas por algo que a atingiu no rosto, derrubando-a na cama. Surpresa, levou a mão à bochecha, e viu que seu chicote de montaria estava nas mãos de Raoul, que estava vermelho de ódio; neste momento, a jovem temeu.

Furioso, o homem avançou contra sua noiva, usando o chicote para golpeá-la repetidas vezes: braços, pernas, costas... Quanto mais ela tentava fugir, mais fortes eram os golpes, e os gritos dela sequer o faziam hesitar. Em pânico, a moça escondeu a cabeça entre os braços, e se encolheu; apenas quando parecia não haver mais lugar para vergões nas costas agora nuas – a camisola se rasgara sob os golpes de chicote – foi que ele largou o instrumento e agarrou sua noiva pelos cabelos num puxão doloroso, obrigando-a a fita-lo:

— Você é minha, Christine. Se ainda não entendeu isso, comece a fazê-lo, para seu próprio bem. Você é minha, agora, e vai me obedecer, por bem, ou por mal. – ele indicou o corpo seminu dela – vista algo decente, esconda esta marca no rosto com alguma maquiagem, e desça para jantar. E é melhor ter um sorriso nos lábios ou, por Deus, eu lhe mostrarei o que é uma surra de verdade.

Ele saiu do quarto, deixando a jovem jogada no leito, chorando: sua pele ardia terrivelmente, e ela não sabia sequer como iria se mover, quanto mais vestir-se e descer! Mas não queria ter a fúria de Raoul sobre si, de novo, e forçou-se a fazer o que ele mandara, com lágrimas caindo dos olhos de tanta dor. A surra deixara vergões vermelhos e hematomas pelo corpo pálido da jovem, que tratou de esconder o machucado no rosto com um pouco de pó, depois de ter se vestido. Foi com dificuldades que desceu as escadas, em gestos mecânicos, com apenas um pensamento em sua mente:

Oh, Deus... Como farei para fugir daqui?!


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Alguém aí surpreso, ou com raiva? Quero saber tudo o que sentiram!
kisses!