Dois Solteirões e Uma Pequena Dama escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 3
Capítulo 03 – Preocupando o Papai e Também o Titio


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora.



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Os três se encontravam tomando o café da manhã na cozinha, sentados em banquetas diante o balcão entulhado de coisas.

Pétala comia cereal matinal com leite numa tigela grande demais. Seus cabelos escuros ainda estavam úmidos do banho recente e penteados de um jeito estranho. Emmett fez o melhor que pôde. Era difícil pra ele estar fazendo coisas que sequer se imaginou fazendo um dia. Porém estava se esforçando.

Ela usava uma calça legging cor-de-rosa e uma blusinha de mangas compridas de estampa floral. Seus tênis rosa choque, balançando, com os pezinhos pendurados.

Sem prévio aviso, Edward ficou de pé. Surpreendendo ao irmão com suas palavras.

— Eu vou nessa, cara! O trabalho me espera.

— Vai me deixar aqui sozinho com ela?

Edward moveu o corpo de lado, de maneira que pudesse olhar pra ele.

— Qual o problema? É só uma garotinha. – Ele se abaixou, mexendo nas bochechas de Pétala, que sorriu com a boca cheia de cereal, vazando leite nos cantos da boca. – Outra vez ele olhou para Emmett. – Tudo bem que ela vaza um pouquinho, mas nada que você não possa dar conta. Você pega um guardanapinho desses – e ele puxou um guardanapo do suporte – e passa na boca dela. Pronto, seus problemas foram resolvidos.

— Eu a limpei agora a pouco, depois de ela ter feito cocô. Acha que um pouquinho de leite é o meu problema? Você não sabe é de nada.

Edward soltou o guardanapo na bancada. – Quer saber, você tem toda razão. Você é um herói, cara. Eu não faria isso. Nem pensar.

— Não sou um herói. Sou o pai dela.

— Bingo! É isso. Você é o pai dela, não eu. Por isso eu vou e você fica. Um de nós tem de estar na corretora de seguros. Não é por que somos os donos que vamos, os dois, ficar aqui vendo o dia passar. Não podemos deixar o negócio que nosso pai ajudou a criar, abandonado as moscas. Um de nós tem de sempre estar lá, vendo tudo de perto.

— Se você pensa assim. Então amanhã vou eu e você fica aqui com ela.

— Nem pensar.

— Eu não posso ficar sem trabalhar a vida inteira. Ajuda aí, mano. Outras pessoas dependem do meu serviço também.

— Está bem. Vou ver o que posso fazer. Para depois não sair dizendo por aí que sou um monstro insensível.

Edward se encaminhou até sala de estar. Pegou o telefone celular, as chaves do apartamento e do carro no aparador.

— Até mais tarde, então. Tchau, Pétala.

Pétala girou o corpo pequeno na banqueta.

— E o meu beijo? – perguntou ao tio. – Você não pode sair sem me dar um beijo.

O tio parou há alguns passos da porta. – Beijo?

Emmett estava sorrindo, olhando o irmão voltar à cozinha para beijar as bochechas de Pétala como ela o havia lembrado.

Edward parou ao lado da banqueta, se curvando diante dela, com o celular e as chaves nas mãos. Beijou ambas as bochechas da sobrinha, meio envergonhado em parecer que estava se rendendo.

— Pronto! Já está beijada. Agora deixa o titio ir. A vida adulta é complicada – dramatizou, refazendo todo o caminho até a porta novamente.

— Tenha um bom dia, titio. Bom tabalho.

O tio deu risada, e, de repente, quis muito abraçá-la.

— É sério irmão. Que poder é esse dessa criaturinha que se veste de cor-de-rosa dos pés a cabeça?

Edward então voltou não se importando em abraçá-la. Fazia com sinceridade. E descobriu que era bom abraçá-la. Algo nela os fazia render-se. Talvez fosse o que dizem do chamado do sangue ou apenas amor, amor incondicional. Amor que enfrenta qualquer coisa.

— Eu não sei, não – Emmett se pegou dizendo. – Mas deve ser muito poderoso. Porque num só dia, ela já nos conquistou.    

— O titio já está indo, princesa – disse a Pétala. – A gente se ver mais tarde. Até lá, divirta-se com esse seu papai ogro. Bem, nem tão ogro assim.

— Tchau, titio.

Pétala tentou passar da banqueta que estava sentada para o colo do pai. Ele se apressou segurando ela embaixo dos braços, colocando-a sentada em suas pernas.

Estava olhando pra ela, pensando como podia ser tão adorável. Como que pudesse ler seus pensamentos, Pétala lançou os bracinhos em volta do pescoço dele transformando o gesto num abraço apertado.

— Amo você papai.

Emmett nunca tinha imaginado se sentir assim como se sentia agora, tomado por uma onda de amor enorme. Diferente de tudo que já sentiu na vida. O amor que transcende a razão. Que supera obstáculos. Que salva. E foi tomado pela certeza; cuidaria de Pétala e a protegeria a qualquer preço.

— O que você quer fazer agora pela manhã? – Ele ainda olhava no rostinho dela, prestando atenção em suas reações. E em cada traço de seu rosto, como que quisesse memorizá-lo. Ciente de que tinha algo seu.

— Quero ver desenho.

— Então vamos ver desenho! – ele se levantou, segurando Pétala no alto como se ela fosse capaz de voar. E disparou com ela pra sala de estar. Pétala soltou uma risadinha. Ele aproveitou para fazer algumas curvas como se fosse um avião de manobras. Ela gostou, e riu tanto que tossiu. Emmett não pensou duas vezes em colocá-la no sofá, sentadinha. E ficou pensando se teria exagerado.

— Tudo bem? – ele pediu, olhando preocupado no rosto dela.

Pétala fez um barulhinho com boca, coçando a garganta antes de lhe responder.

— Tudo bem. Vamos de novo? De novo, seu papai.

Emmett abriu um sorriso sentindo-se aliviado.

— Em outro momento. Agora vamos ver desenho.

Pétala anuiu.

Ele pegou o controle da tevê e num instante o barulho da programação infantil preencheu o ambiente. Estava sendo exibido um episódio do Agente Especial Urso.

Deixou que Pétala prestasse atenção ao desenho. Ele mesmo se distraiu com as mensagens no visor celular. Quando percebeu, Pétala estava aninhada em suas costelas, com o polegar na boca e a ovelhinha embaixo do braço.

Emmett se enterneceu com aquilo. Então o celular já não era tão interessante assim. Deixou-o no braço do sofá e pegou Pétala no colo. Os dois assistiram desenhos juntos por toda a manhã. Riram. E até tentaram imitar as vozes de alguns dos personagens. Emmett reviveu anos esquecidos de sua infância ao lado do irmão, numa pequena cidade da na Carolina do Sul. A satisfação de ter voltado no tempo foi imensa.

Por volta do horário do almoço, ele pôs na filha o mesmo casaquinho cor-de-rosa que ela vestia quando chegou no dia anterior, e saíram para almoçar num restaurante família que ficava apenas algumas quadras do edifício.

Pétala comeu toda a comida que foi servida em seu prato, sem fazer reclamações. Por isso, Emmett deixou que escolhesse a sobremesa. Ela acabou escolhendo uma fatia de torta de baunilha com calda de chocolate e se lambuzou enquanto saboreava.

Depois disso, foram as compras. Primeiro no mercado e depois ao shopping.

Emmett estava com os braços cheios de sacolas, caminhando pelo shopping, com Pétala desfilando a sua frente. A inseparável ovelhinha de pelúcia embaixo do braço. E uma bolsinha transversal cor-de-rosa pendurada. A bolsinha tinha sido um caso de amor à primeira vista. Assim que entrou na loja de roupas e acessórios infantis, ela bateu o olho e não quis mais largar. Por enquanto estava vazia. E Emmett, desde então, se perguntava o que ela guardaria ali dentro.

Uma coisa que percebeu ao andar com Pétala foi a facilidade com que algumas mulheres tinham pra puxar assunto, fosse com ele ou com a própria criança. Depois de falar a respeito da mãe de Pétala com umas três mulheres diferentes, uma delas lhe deu até o número do celular.

Estava tão distraído com as coisas ao redor que não se deu conta que Pétala havia se afastado. Só percebeu quando, numa voz angustiada, ela chamou pela mãe.

Pétala havia confundido uma moça que entrava na loja de roupas femininas com a mãe falecida. No desespero de estar com Callie outra vez, a menininha saiu correndo atrás da mulher desconhecida.

— Mamãe? Mamãe. Mamãe. Mamãezinha espera por mim. Eu quero ir com você.

Emmett ficou aflito. Pétala desapareceu no interior da loja. Ele aumentou o passo, desviando das pessoas no caminho para ir buscá-la.  

Entrou na loja feito um furacão atraindo a atenção de funcionárias e clientes. Alguns até se assustaram com seu jeito de chegar.

Pétala tinha corrido pela loja inteira a procura de Callie e ao notar que não era sua mãe, ficou inconsolável. Chorando muito, parada no meio de um corredor, ao lado dos vestidos, naquele ambiente estranho.

Emmett largou as sacolas na entrada da loja e foi buscá-la. Ignorando os olhares que caíram sobre eles.

Uma mulher parou ao lado de Pétala, e estava tentando consolá-la. A mesma mulher olhou no rosto de Emmett, quando ele se aproximou.

— Ela me seguiu até aqui – comentou, deixando claro que não tinha culpa.

Ele a olhou, compreendendo por que a filha tinha se confundido. Ela realmente lembrava Callie se vista de longe por uma garotinha de quatro anos, desesperada para ter a mãe de volta. E então se abaixou diante da criança, que ainda chorava.

— Ela provavelmente pensou que fosse a mãe dela – se explicou, tentando consolar Pétala, acariciando seu rostinho molhado de lágrimas.

De repente a mulher o olhou como se não falasse seu idioma.

 – A mãe dela faleceu recentemente – falou em voz baixa.

— Oh... Eu realmente sinto muito. Coitadinha, ela deve sentir muita falta da mãe.

— Sim, ela sente. – E Emmettt ficou de pé, com a filha nos braços.

— Você parece ser um bom pai.

— Obrigado. Eu estou tentando ser. Desculpe-me por isso. Nós precisamos ir agora.

— Está tudo bem. – Ela estendeu a mão alcançando as costas de Pétala com um afago. – Fica bem, princesa.

Emmett se encaminhou, com a filha no colo, a entrada da loja. Pôs todas as sacolas de compras penduradas nos braços e apressou-se em sair dali, onde todos pareciam olhar pra eles com pena. Não queria a pena de nenhum deles. Só queria seguir em frente, fazendo Pétala uma criança feliz.

— Não era a mamãe... – Pétala soluçou no ombro dele. Molhando sua camisa preta com as lágrimas.

— Eu sinto muito, princesinha. Mas o papai já tinha explicado pra você que a mamãe foi morar no céu. Ela não vai voltar.

Suas palavras só serviram para deixá-la ainda mais triste. E Pétala chorou por todo o caminho até o estacionamento onde tinha ficado o carro.

Ele a colocou sentada na nova cadeirinha de segurança. Tinha comprado mais cedo e deixando no carro antes de fazer o restante das compras.

Olhava pra ela, de tempos em tempos, pelo espelho retrovisor. De vez em quando Pétala ainda soluçava. E isso se repetiu por todo o trajeto até chegarem à garagem do condomínio. Chorou tanto que dormiu. Quando Emmett a tirou do carro ela tinha o polegar na boca. Caminhos de lágrimas secas tinham ficado marcados em seu rosto. A ovelhinha sempre junto ao peito. E agora a também bolsinha cor-de-rosa.

Na dor silenciosa, sonhando com Callie, Pétala chamou por ela três vezes. A voz arrastada de sono, porém, carregada de saudade.

Emmett cumprimentou o porteiro ao entrar no prédio. Seguindo direto para o elevador. Uma mulher de cabelos tingidos de vermelho, na casa dos quarenta anos, entrou junto com eles. Emmett percebeu que, de canto de olho, ela estava sempre observado os dois. Pôs a mão nas costas da filha, pensando no que aquela mulher tanto observava neles. Deu graças a Deus quando ela saiu.

Quando as portas tornaram a se abrir, Emmett saiu com Pétala já no hall da cobertura. 

Ele subiu os dois lances de escada com ela nos braços, ainda dormindo. Entrou no quarto e deitou-a na cama. Retirou os seus tênis rosa choque, depois puxou a colcha para cobri-la até os ombros. Deixou a porta do quarto aberta, enquanto voltava a garagem às pressas para pegar as compras.

Pétala sequer havia mudado de posição quando ele retornou ao quarto.

O primeiro item a ser desembrulhado foi uma babá eletrônica. Apesar de ela não ser um bebê, ele achou que pudesse ser útil em algum momento. Ele então ligou os dois aparelhos deixando um ao lado da cama, na mesinha do abajur. Levou o outro com ele para o andar de baixo, deixando em cima da bancada da cozinha. Aproveitando para guardar as compra do mercado na geladeira e armários.

As sacolas com o resto das compras ficaram no chão, ao lado do sofá.

Voltou à sala. Sem pensar duas vezes, deixou o corpo desabar num dos sofás. Ficou ali um bom tempo, pensando como Callie tinha conseguido cuidar de Pétala por quatro anos sozinha. E por que não foi procurá-lo antes de tudo isso acontecer. Teria tomado um susto, certamente. Mas teriam, também, chegado a um acordo no que diz respeito ao cuidado e educação da criança. Poderiam ter compartilhado os problemas e as alegrias. Ele teria gostado de acompanhar sua gravidez. Embora não pensasse em casamento.

Pensou tanto nessas coisas que acabou cochilando. Acordou minutos mais tarde com ruídos distantes, custando perceber que vinha da babá eletrônica. Não lembrava onde tinha deixado aquele aparelhinho. Seguiu os ruídos que o levaram a cozinha. Estava ali, no balcão, exatamente onde havia deixado.

Seu cérebro deu um clique.

— Pétala! – ele saiu correndo, alcançando a escada num instante. Saltando de dois em dois degraus até chegar ao patamar. Seguindo pelo corredor.

Era tão estranho ver-se preocupado com alguém que até dois dias atrás nem sabia sobre sua existência.

— Pétala! Filhinha? – Ele entrou no quarto de supetão, já que a porta se encontrava aberta.

Pétala estava sentada na cama dele. A bolsinha cor-de-rosa e a mochila estavam abertas o lado dela. Olhando para o lado, ele percebeu que a gaveta do criado-mudo também estava aberta.

— O que está fazendo? – pediu. De repente estava tão aliviado por ela estar bem.

— Tô arrumando. – Ela não se preocupou em olhar pra ele. Em vez disso continuou com sua arrumação.

— O que você está arrumando? – Emmett chegou mais perto da cama, tentando entender o que ela fazia antes mexendo em sua gaveta. Podia ver alguns preservativos espalhados lá dentro. De repente se pegou dando graças por ela não ter perguntado o que era.

Pétala levantou a mão com a bolsinha cor-de-rosa.

— O que você pôs aí dentro?

— A foto da mamãe.

— Eu posso ver?

— Ahã.

Enquanto ela enfiava a mãozinha dentro da bolsa, Emmett sentou na beirada da cama. Pétala mostrou a ele uma fotografia dessas tiradas em cabines de parque de diversões. Provavelmente tinha sido tirada há uns dois anos atrás. Nela Pétala aparecia toda sorridente ao lado de Callie.

Emmett conseguia agora lembrar com clareza sua feição. Mas não conseguia lembrar-se de como a conheceu. Nem da última vez que fizeram amor. A única certeza que tinha era de que o preservativo havia sido negligenciado.

Devolveu a foto a ela, olhando a bolsinha com curiosidade.

— O que mais você pôs aí dentro?

Ela guardou a fotografia de volta. Em seguida, abraçou bolsinha junto ao peito. Olhou a gaveta aberta do criado-mudo, imaginando que levaria uma bronca.

— O que você pegou? – ele insistiu. – Eu não vou brigar com você. Só estou curioso. Não precisa ficar com medo.

Pétala entregou sua bolsinha nas mãos dele. Emmett olhou dentro dela e percebeu que havia outra fotografia. E também um lacinho de cabelo cor-de-rosa.

Tirou com a ponta dos dedos a fotografia que estava virada pra baixo. Seu coração quase derreteu quando viu que era uma fotografia sua. Na verdade, era ele o irmão Edward. Lembrava claramente de a fotografia ter sido tirada durante uma reunião de família há alguns anos.

Os dois apareciam sorrindo na imagem parada no tempo. Seu primo, Elliot, tinha sido o fotografo. Sempre fazendo gracinhas nessas horas.

E Emmett ainda custava entender como o primo, sempre bagunceiro e galinha, havia se amarrado a uma só garota.

Ainda na adolescência os três haviam dito que nunca se casariam, mas, contrariando tudo o que havia dito no passado, Elliot se casou com a garota que conheceu no último no ano do colegial. O namoro durou alguns anos, tempo suficiente para que os dois se formassem na faculdade. Hoje estão de volta à cidade natal, na Carolina do Sul. Pelo que sabia, estavam esperando a chegada do primeiro filho.

— Uma fotografia minha e do seu tio?! – Emmett falou pra ela, surpreso. – Você quer mesmo ficar com isso? Uma fotografia de nós dois?

— Quero, sim.

— Tudo bem. Você pode ficar com ela. – Ele guardou a foto novamente na bolsinha e devolveu a ela. – Vamos fazer um lanche? Eu estou com fome. Você não está?

— Lanche de bolo? E de morango?

— De tudo o que você quiser.

Pétala beijou a fotografia da mãe antes de fechar o zíper da bolsinha. Depois passou a alça pelo pescoço e ficou de pé, pulando nos braços de Emmett. Ele segurou seu corpinho leve sem esforço algum.

— A bolsinha também vai?

— Vai.

— Tá legal! – Ele se levantou com ela nos braços. – Vamos fazer um lanchinho pra ficar bem forte.

Pétala apertou a mãozinha no braço dele.

— Você já é bem fortinho.

Emmett gargalhou junto a ela. Eram tão parecidos quando sorriam ou gargalhavam que até mesmo ele se surpreendia.

Os dois lancharam juntos na bancada da cozinha. Depois disso, Pétala correu pra sala a fim de desfazer as sacolas dos brinquedos. Emmett pegou o troninho e levou para o banheiro social. Tinha pensado num adaptador para vaso sanitário, mas ela insistiu no troninho.

Brinquedos, canetinhas e livrinhos de colorir foram espalhados no tapete da sala de estar. O copo antivazamento ficou esquecido na mesinha do telefone fixo, com sobras de leite e chocolate.

Ela coloria os livrinhos, deitada no tapete. Levantou-se apenas uma vez para ir ao banheiro.

Minutos depois, quando Emmett voltou à sala e não a encontrou ficou preocupado.

— Pétala? – não houve resposta. – Pétala? – num instante se viu correndo para verificar o acesso a sacada. Estava fechada, exatamente como havia deixado. Ficou aliviado, mas não livre da preocupação. – Pétala? Vamos filhinha, responde ao papai. Onde você está? Um susto por dia já é o suficiente pra mim. – Ele estava pensando no que tinha acontecido durante as compras mais cedo.

Pétala apareceu na porta do quarto do tio, na maior tranquilidade do mundo, no momento que Emmett passava ali perto, depois de tela procurado por quase todo o apartamento.

— Eu tô aqui papai – disse. Seus braços e pernas estavam todo riscado de canetinhas coloridas.

Emmett soltou o ar, que até então nem sabia que estava prendendo, sendo tomado de alívio ao encontrá-la em segurança.

— O que está fazendo no quarto do seu tio? – Ele estendeu a mão pra ela. – Venha, antes que ele chegue e descubra que você andou entrando aí. Ele pode ficar bem doido às vezes, sabia?

— Eu fiz um desenho pro titio – ela disse, sendo levada pela mão pra sala.

— Aonde, Pétala? – Emmett pediu, ficando preocupado outra vez, mas, por motivos diferentes. – Onde você fez o desenho para o seu tio? Em que lugar?

Pétala não achava que tivesse feito algo de errado. Pensava que seria uma surpresa da qual o tio gostaria muito. Ela ergueu a mãozinha indicando o interior do quarto de Edward.

— Não! – Emmett ainda nem tinha visto e já estava tendo o que parecia ser um troço.

Quando entrou no quarto do irmão e viu a parede que ficava de frente para a cama rabiscada de canetinhas coloridas, e também o pôster de O império contra-ataca, teve certeza de que Edward o esganaria.

Olhou rapidamente nas prateleiras cheias de miniaturas de Star Wars. Por sorte estavam todas no lugar. Mas os rabiscos na parede e no pôster ainda o apavoravam.

— Não, não, não. Pétala o que você fez?

— Um desenho.

Ela não fazia ideia do quanto aquilo podia aborrecer o tio. Menos ainda da preocupação do pai em relação a sua travessura.

Emmett a pegou no colo. – É melhor a gente ir fazendo as malas... – e ele parou de falar quando a canetinha que a filha tinha em punho riscou sua bochecha. – Estou começando acreditar que foi uma péssima ideia ter comprado pra vocês essas canetinhas. O giz de cera já era o suficiente. Por que não fiquei só com eles?!

Pétala deu uma risadinha.

Ambos ouviram barulho de chaves na fechadura, depois a porta sendo aberta.

— Vamos fugir – declarou Emmett, saindo do quarto do irmão às pressas, levando a criança nos braços.

Passou pela sala em tempo recorde. Parou na cozinha, fingindo-se de desentendido, depois de ter feito Pétala se esconder embaixo da mesa da sala de jantar.

— Cadê ela? – Edward se fez ouvir. – Estou cheio de saudades daquela coisa pequena e grudenta. E que adora cor-de-rosa. – Ele caminhou até a cozinha, olhando pra Emmett e depois em volta. – Cadê minha sobrinha? O que fez com ela?

Pétala saiu do esconderijo correndo para receber o tio. É, ela não tinha entendido os apelos do pai. O tio pegou ela pela cintura, erguendo bem no alto. Os dois bracinhos rabiscados apertaram ao redor do pescoço dele quando ele a trouxe pra perto. A prova do crime, a canetinha, havia ficado embaixo da mesa de jantar.

Ela olhou bem pertinho do rosto dele, perguntando:

— Onde você tava o dia todo?

— Onde eu estava? – ela balançou a cabeça concordando. – O titio estava cuidando dos negócios da família. – Ele olhou nos bracinhos dela. – E você por que está com os braços riscados desse jeito? Foi o seu pai que te riscou? Ele ficou doido ou o quê?

— Não, não foi o papai. Fui eu que risquei. Eu mesma.

— E por que fez isso? Ficou doida?

— Eu não sou doida. Eu fiz um desenho pra você. Seu doido.

Edward não conteve o riso.

— Um desenho pra mim? Mas tinha de ser logo nos seus braços? Não tinha papel, não?

Pétala ergueu a mão pequena com indignação. – Não. O desenho eu fiz lá no seu quarto. Não aqui no meu braço.

Assim que a filha deu com a língua nos dentes, Emmett se viu batendo na própria testa.

— Pétala vem aqui com o papai. Está na hora do seu banho. Vamos pôr aquele pijaminha novo que compramos hoje. – Ele deu a volta em torno do balcão. – Você vai ficar muito linda e confortável nele. Além de superquentinha.

Edward deu um passo pra trás, afastando Pétala das mãos do irmão.

— Espera aí, cara. Deixe-a ficar comigo um pouco. Você já ficou o dia inteiro com ela. – Ele então recuou mais alguns passos, e olhou em volta. – Nossa, que bagunça vocês fizeram. – Desviado dos brinquedos espalhados enquanto atravessava a sala de jantar e a de estar. – Vamos ver o desenho que você fez pro titio. Em que lugar foi que você deixou mesmo?

— Lá dentro. Do seu quarto. Você é muito esquecido titio.

Ele a colocou no chão. E os dois fizeram o restante do caminho até o quarto dele de mãos dadas.

— Ei, Edward, a gente pode tentar dar um jeito depois.

— Dá um jeito em quê? – ele falou em voz alta. Já não conseguia ver Emmett de onde estava. O silêncio se instalou. Um instante depois veio o palavrão.

— Por que deixou que ela fizesse isso no meu quarto? Ela acabou com minha parede e meu pôster. Eu vou te matar, Emmett.

Emmett nunca tinha visto o irmão chegar tão rápido à cozinha como tinha feito dessa vez. Por um instante, ridiculamente, se perguntou se ele não teria superpoderes. A feição furiosa no rosto alertou para que ficasse atrás do balcão, bem longe dele.

Pétala apareceu segundos depois. Os olhos arregalados. O peito subindo e descendo com força. Morrendo de medo.

— Eu vou te matar, seu cretino! Você deixou que ela fizesse de propósito que eu sei. Foi por que não fiquei com ela pra você ir ao escritório. Seu escroto.

O tempo inteiro ele tentava alcançar Emmett com a mão por sobre a bancada de mármore polido entulhada de coisas. Derrubando algumas na própria bancada e também no chão.

Um grito fino, de puro terror. E de repente, os dois estavam parados como na brincadeira de estátua.

Pétala estava aos berros. Nenhum dos dois tinha imaginado que alguém tão pequeno pudesse gritar tão alto. Foi como se ela presenciasse uma horrorosa cena de terror.

— Pétala – Emmett se preocupou.  A fúria do irmão já não o preocupava mais. Ele saltou por cima da bancada, derrubando varias outras coisas no chão. Só queria chegar perto da filha. Tomá-la nos braços e fazer o medo passar.

— Não mate! Não mate. Não mate o meu papai – ela gritou. Estava com tanto medo que tremia.

Edward ficou sem reação diante do que sua atitude impensada tinha causado.

— É brincadeira, Pétala – ele disse pra ela. – A gente só estava brincando. Somos um pouco babacas às vezes.

Num gesto rápido, Emmett a tomou nos braços, aconchegando o corpo pequeno contra seu peito largo.

— Mano, ela está tremendo. Que merda isso que você fez, viu.

Edward chegou mais perto deles. Estava se sentindo péssimo. Ele tinha ficado furioso, sim, mas, em momento algum, desejou causar tanto desconforto a criança. Muito menos traumatizá-la.

Ele parou ficando ao lado de Emmett, querendo ver o rosto da sobrinha.

— Era mentira, princesinha – tentou se redimir.

E a menina escondeu o rosto na curvatura do pescoço do pai para não ter de olhar no rosto dele.

A frustração fez com que deixasse os ombros caídos.

— Puxa, vai mesmo ficar sem falar comigo? Vai ficar de mal de mim?! Estive o dia inteiro pensando em voltar pra casa só pra ficar com você. E agora você está brava comigo.

— Quem manda ser um idiota – Emmett se queixou, afastando-se dele com a menina no colo. Voltou para o outro lado da cozinha. Abriu a geladeira e tirou de lá um Danoninho. Numa gaveta do armário pegou uma colherinha de plástico e deu pra ela junto com o potinho. Pétala não quis aceitar. 

Emmett a pôs sentada em cima da bancada. Retirou a tampa do postinho e encheu a colherinha.  

— Toma um pouquinho papai. – Ele manteve a colher pertinho da boca dela, tentando persuadi-la.

— Não quero que você vá pro céu que nem a mamãe foi – ela soluçou, surpreendendo Emmett com o que disse. – Não quero...

Emmett abaixou a colher, olhando para o irmão. Acusando-o em silêncio de ser o culpado de tudo aquilo.

Edward se retirou. Estava decepcionado consigo mesmo.

— Papai não vai pro céu, não – Emmett teve de explicar pra ela. – Pelo menos não tão cedo, eu espero. O papai vai ficar aqui com você por bastante tempo ainda. E um dia você vai crescer e começará achar que sou um velho antiquado. E eu continuarei do seu lado mesmo assim. Amando-te cada dia um pouco mais.

— No céu num vai nunca. Nunca – ela afirmou, fungando. – Nunca, não vai.

— Bem, um dia quando for bem velhinho...

— Mamãe tá no céu. Você tem de ficar aqui, tá bom?

Emmett beijou na cabeça dela. – O papai vai ficar bem aqui, com você. E até mesmo aquele seu titio pirado. Agora toma o seu Danoninho. – Outra vez ele estava com a colher cheia, pronto para servi-la.

Pétala abriu a boca, finalmente aceitando a primeira colherada. Depois tomou todo o resto sozinha. Ela já estava querendo descer da bancada, quando o tio voltou vestido feito um palhaço e com a cara riscada de canetinhas.

Emmett custou acreditar no que via. O homem que nas primeiras horas se recusou a tê-la por perto, agora estava vestido ridiculamente, cantando Upa Cavalinho – Galinha Pintadinha ­– pra ela. Os fones no ouvido, certamente repetindo o que ouvia. E tudo isso só para deixá-la feliz.

Pétala deu uma risadinha, as covinhas herdadas do pai voltando a brincar em suas bochechas. Ela tentou ficar de pé em cima da bancada, mas, Emmett a pegou e pôs no chão.

Ela correu para junto do tio sem nem pensar, lhe dando a mão. Os dois foram de um lado a outro da cozinha, cantando e dançando de acordo com cada parte da música. Algumas vezes, Pétala soltava risadinhas.

Na terceira vez que os dois passaram por perto, cantando e pulando, Emmett agarrou na mão livre de Pétala e foi junto com eles, ainda que não soubesse bem o que estava fazendo.

O telefone fixo tocou, mas nenhum deles quis parar para atender.

Depois de muita risada e cantoria, os três ficaram largados no tapete branco da sala de estar. Pétala os pisoteou enquanto procurava por sua ovelhinha de pelúcia. Tinha ficado no quarto de Edward, ela lembrou. E foi correndo até lá pegá-la de volta.

— Me desculpe irmão – Edward começou, assim que a sobrinha saiu da sala. – Eu não queria assustá-la daquele jeito.

— Está tudo bem. Você conseguiu alegrá-la de novo. Só não volte a fazer aquilo.

— Não se preocupe. Não vai mais acontecer. Eu aprendi a lição.

Emmett moveu a cabeça, concordando. Ele estava olhando o teto quando fez isso.

— E quer saber – o irmão voltou a falar –, eu vou deixar o desenho dela lá mesmo na parede. E não me importo mais de o pôster estar como está. De repente, ela pode ficar triste se eu encobrir de tinha ou jogá-lo fora.

Emmett virou o rosto para o lado que o irmão estava. – Obrigado por me ajudar com ela. – Um momento depois voltou a falar: – Hoje enquanto fazíamos compras quase a perdi. Foi um susto e tanto. E sabe o que mais aconteceu? Algumas mulheres vieram falar com a gente, e houve até quem me desse o número do telefone. É como se ela fosse um amuleto.

Pétala retornou ainda enquanto ele falava. A ovelhinha estava com ela outra vez.

— Quando é que eu poderia imaginar que tínhamos aqui um amuleto da sorte – Edward brincou. – Podemos conseguir qualquer garota com ajuda dela. Ela até pode fingir que se machucou.

— Não seja ridículo.

— Estava só brincando.

— Você viu o que sua brincadeira causou ainda há pouco.

— É. Você tem razão.

— Acho melhor eu ir dar um banho nela e vesti-la com o pijama que compramos hoje. Acha que esses riscos de canetinha saem com água e sabão?

— Eu não faço ideia. Mas é bom que saia. Do contrario, estarei ferrado. Você já viu a minha cara como está?!

[...]

Minutos tarde, os dois juntos puseram Pétala na cama improvisada; um colchão inflável aos pés da cama enorme de Emmett.

Cantaram novamente no improviso. Ela outra vez achou graça do jeito maluco que eles cantaram e moveram o corpo. Adormecendo em minutos, com o polegar na boca e a ovelhinha ao lado do travesseiro. A bolsinha tinha ficado na poltrona.

Durante a madrugada fria ela se levantou em silêncio, com aquele pijama cor-de-rosa de pezinhos, que fazia parecer um filhote de urso, e se enfiou embaixo das cobertas ao lado de Emmett, juntinho as costelas dele, onde outra vez adormeceu.

 


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Notas finais do capítulo

Sill