Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 10
Here today


Notas iniciais do capítulo

Olá! Demorei, sim, mas é culpa da minha internet. Juro. Aqui está, então, um capítulo tamanho GG, enorme! A música do capítulo é a country da Laurie Lewis, Here Today. Espero que gostem! ♥



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Passaram-se dois dias desde que Olívia falou com Matt por telefone. Isso a animou de maneira inexplicável, porque sentiu que ainda eram amigos, apesar dos pesares. Está certo que eles não se conhecem mais, mas acredita que isso não mudaria quem eles são juntos, tampouco a vontade de reconstruir sua amizade. 

Hoje seria um dia bom, provavelmente. Ele disse que viria buscá-la, e o prazo era hoje. A qualquer momento ele podia entrar por aquela porta e levá-la dali, e ela estaria preparada. Inclusive em alguns minutos a Dra. Bárbara iria buscá-la para caminharem e discutir tudo o que ia acontecer com sua saúde. Vai ser bom, ela acha, afinal é uma excelente oportunidade de mostrar para ela que já se sente uma mulher adulta e digna do mundo lá fora. Seu treinamento na andada estava surtindo efeito e tinha acabado de levar uma injeção, então tinha tudo para a doutora liberá-la dos serviços do hospital. 

Quando ela chegou Olívia rejeitou sua ajuda para sair da cama, de queixo erguido e um sorriso de canto nos lábios. Notou que ela estava um pouco desconsertada. Em sua cabeça era provável que ela estivesse preocupada com o fato dela cair ou não. Bobagem, andar lhe parecia tão fácil e familiar, apesar de estar mancando um pouco. 

Enquanto caminhavam ela começou na mesma conversa de sempre, mas desviando para temas mais específicos. 

"Olívia, o que acha que vai fazer quando sair daqui? Do hospital", perguntou. A garota pensou a respeito por um instante, decidindo qual verdade diria a ela. Fugir com o Matt? Ser modelo? Viver com a mamãe? Nenhuma delas parece significar o seu cartão de saída do hospital. 

"Não sei bem", respondeu, dando de ombros. Segundo seu pai, a melhor resposta é aquela que não se dá, o que deve ter confundido a doutora. 

"Exato. Eu estava discutindo as possibilidades com sua mãe nesses dias para verificar a sua liberação", ela falou enquanto a enferma comemorava internamente. "Você está ciente de que não completou os estudos, certo?" Olívia concordou. "Pois bem, a sua escola era pública e de interior, o que já não garantiu uma boa base para um curso rápido. A alfabetização, inclusive, foi fraca." 

"Ei, eu sei ler! Sei escrever também. Minha professora diz que eu deveria me tornar poeta. Bom, dizia." 

"Eu sei, eu sei, mas há mais no período de alfabetização que isso. Há muito o que você não sabe sobre todas as matérias, sobre a vida, e se visse realmente tudo isso ano após ano só se formaria aos quarenta anos. Então sobraram algumas opções para você. Primeira. Você pode fazer algum curso intensivo como base para vestibular e ingresso em faculdades. Segunda. Você pode ter empregos básicos, provavelmente pelo resto da vida. Terceira. Você pode tentar empregos que envolvam ONGs para ajudar crianças, idosos, pacientes de hospital, o que for. É algo gratificante e, a depender, bem remunerado. As duas últimas envolvem também o fato de você poder ter promoções, mesmo sem aumento significativo. Mas são opções. Sua mãe disse que iria te ajudar a decidir quando chegassem em casa, mas quis adiantar a situação para pensar mais a respeito. Afinal você já é uma mulher adulta. Toma as próprias decisões. Ah, e  lembrando. É de suma importância que faça algo de sua vida, porque é isso que a faz humana. Ganhar algo depois de trabalhar é revigorante. Ver que você trouxe o bem para algumas pessoas é inspirador. Você fazer as suas coisas por você na hora que quiser é extremamente libertador." 

Olívia ficou pensativa por um tempo. Tudo lhe parecia divertido. Deve ser legal trabalhar, ganhar seu próprio dinheiro, atender pessoas no balcão. Ela sempre quis ser ajudante de supermercado para poder saber onde fica tudo, em cada prateleira. Mas gostou bastante da última opção. Trabalhar com crianças deve envolver brincar bastante, e ela sabe que em sua casa ninguém mais vai estar afim de brincar, então... 

E estudar? Oliver sempre achou a escola divertida, mas provavelmente sentiria vergonha de ser adulta na sala com várias crianças. Sem falar que o Donald Usley da sua escola vivia dizendo que quando começar a surgir mais matérias nas aulas tudo ficaria bem pior, o que ela sabe que não vai ser bom. E o Matt sequer estaria lá com ela. É, com certeza ele não iria querer ir para a escola de novo, já que acabara de se formar em uma. Ele está na faculdade. Oliver não sabe se há o que decidir até então, afinal não pode fazer nada estando trancada no hospital de qualquer forma. 

Quando voltou para o quarto a sua mãe já a estava esperando, e notou um pode bem grande de doce de leite em sua mão. Adiantou-se para abraçá-la e pegar. Ela sabe que, se a garota pudesse, não comeria nada além disso. Pegou uma colher e começou a comer aos poucos. 

"Como foi o dia?", a Sra. Waldorf perguntou para a doutora. A enferma apenas se sentou. 

"Correu tudo bem. A Oliver aprendeu bem facilmente a lidar com as novas funções motoras. Está aqui há quase um mês enquanto a maioria dos pacientes demora esse mesmo tempo para reaprender a falar. Força de vontade faz toda a diferença", ela falou sorridente enquanto mexia no cabelo loiro da menina, que já estava sujo de doce. "Nós tivemos uma conversa sobre o futuro hoje. Ela vai pensar mais sobre isso. Tem tempo." 

"Sim, eu entendo. Pode falar comigo em particular um minuto?", a Sra. Waldorf a chamou para um canto. Oliver não lhe deu a menor atenção, ainda mais quando Sebastian entrou sorridente para ajudar com a sujeira do doce e perguntar sobre o dia. 

Quando a doutora saiu Sebastian entrou no banheiro para limpar algo enquanto a Sra. Waldorf aproximou-se da filha com uma expressão já transtornada. Sua sobrancelha estava franzida e enrugada. A garota largou seu doce de imediato. 

"O que foi, mamãe?", perguntou. 

"Filha, a doutora liberou a sua saída do hospital", ela falou, mas Olívia mal teve tempo de sorrir antes de escutar a continuação. "Eu vou te levar para Middleburg. Esqueça tudo o que ela te disse mais cedo, porque sendo minha filha e irmã da Amélia não vai precisar trabalhar ou estudar nunca em sua vida. Já basta tudo o que passou por todos esses anos. Preocupe-se apenas em sua felicidade." 

Qualquer um ficaria imensamente feliz com isso. Imagine só! Sustentada pelos pais para sempre? Parece tão fácil... Fácil demais. Quando a Dra.  Bárbara lhe falou a respeito, ficou interessada em trabalhar. O que faria durante todos os dias? As pessoas iriam para a escola, faculdade, trabalho, e a enferma estaria sozinha em casa enquanto espera? Não considera isso certo. Tem certeza de que morreria de tédio. Iria definhar aos poucos. E Middleburg? Ela cresceu em Middleburg! É o último lugar que quer ir. Planeja ver o mundo, as coisas, as pessoas. Quer conhecer todos os lugares de seu livro de história, e precisa de dinheiro para isso. Quer me divertir depois de uma dose de trabalho. Não quer esse estilo de vida monótono e morto. 

"Não, mamãe." 

"Como não? O que há de errado?", perguntou. 

"Eu sou maior de idade e capaz de decidir", repetiu as falas da doutora. "Eu quero trabalhar aqui na cidade. Quero aluguel, despesas, pagar minha entrada no cinema e sair com meus amigos velhos e novos. Não quero morar com você para sempre, e, acima de tudo, quero poder decorar minha própria casa. Peixes não nasceram para ser colocados na parede, sabia?", falou. 

"Olívia! Olhe para você! É só uma criança trancada em um corpo maiorzinho. Você precisa de mim." 

"Não preciso, não. A Amélia mora com algumas colegas de faculdade. Ela namora, sai, estagia. Eu também quero isso!", falou em tom áspero. 

"A Amélia não é criança. Ela aguentou a barra e amadureceu muito cedo. A Amélia não dormiu por dez anos, a Amélia não parou no tempo, e a Amélia estudou para ter o que tem e ainda vai continuar estudando. Você não tem essa chance por culpa sua. Sua e daquele seu amigo. Vocês se colocaram em risco e agora é você quem paga por tudo isso, e vai pagar vivendo comigo. E, sinceramente, acho que é a melhor expectativa de vida que tem. Você não sabe nada da vida!", cada vez falavam mais alto e de forma mais autoritária. 

"E vivendo com você nunca vou saber de nada mesmo! Não quero ficar presa por mais cinquenta anos. Entenda! Eu sou maior de idade, e você não pode me forçar a nada. Estamos nos Estados Unidos, mamãe!" 

"Qualquer juiz consciente vai perceber que você não é capaz de viver sozinha. Você sabe que já está nos noticiários, certo? Não vai ter uma vida normal, e todos que te verem na rua vão saber que é uma ignorante! Você acordada e dormindo significa a mesma coisa para a sociedade, Oliver!" 

Dessa vez a garota ficou em silêncio. Suas palavras a machucaram muito, e ela sequer pareceu perceber. Olívia baixou a cabeça respirando fundo para não chorar. Eu sou forte. Eu não vou seguir ordens. 

"Tudo bem.", falou em tom baixo. 

"Obrigada pela compreensão, filha. Vou mandar as enfermeiras arrumarem as suas coisas enquanto vou encerrar a conta do hospital.", ela aproximou-se da filha e depositou um beijo em sua cabeça. "É para o seu bem. Sabe disso. Eu te amo." 

Ela saiu. No mesmo instante, bem agitada, Olívia se levantou e f ao banheiro vestir uma calça jeans e uma blusa com manga. Porém Sebastian estava lá, o que ela tinha esquecido. 

"Para onde vai? Oli, não faça nenhuma besteira. Você está tomando remédio", ele a parou segurando seu braço. "Está chorando?!", tentou erguer seu rosto para olhar, mas Oliver se afastou. 

"Sebastian, me solta! Você escutou o que ela disse. Eu não posso viver assim! Ela vai me levar pra casa dela e sabe-se lá o que eu vou ter que fazer. Não posso, não posso...", ela tremia enquanto falava.  

"Oli, não faz isso... Se fugir quem vai te dar as injeções? Precisa de doses grandes sempre. Você não... Simplesmente não pode fugir de casa. Por favor, você pode se machucar... Pra onde iria?" 

"Você não entende?! Eu estou machucada! Sebastian, passei dez anos machucada e só vou cicatrizar de verdade quando fizer algo por mim, sem ninguém pra me ajudar no banho, ninguém pra me dizer o que fazer, ninguém pra elogiar o passo que dou, literalmente. Me ajuda a ir embora. Me ajuda. O Matt me leva para a casa dele", pediu chorosa. 

"E o Matt sabe disso?", perguntou com impaciência. 

"Ele não vai se importar. Ele é meu amigo, e achei que você fosse também..." 

"Ah, Oli..." Sebastian pareceu relutar contra isso, já que é sua obrigação médica pensar primeiramente na saúde física do paciente, mas ele não conseguia resistir. Ele sentia muita empatia pela situação de Olívia e havia se apegado muito a ela nesse período. Se a deixasse ir sozinha, ela se machucaria. E não podia deixar isso acontecer. "Então vamos?" 

Os olhos da enferma sorriram como seus lábios não conseguiram reproduzir. Ela não evitou o impulso de abraçá-lo da maneira mais forte de pôde.  

"Pega a minha mochila e coloca algumas roupas, etc, enquanto eu vou me vestindo. Não posso levar muita coisa, mas vamos tentar levar o máximo.", guiou, e logo estavam prontos pra sair. Ambos estavam internamente felizes, comemorando que ela sairia dali, e Sebastian ainda tinha um outro motivo. Agora não iria precisar se despedir dela. 

Eles sorriam, nervosos. Olívia já com mochila nas costas olhando pela fresta da porta quanto Sebastian deu risada e saiu na frente, checando o caminho. Andando devagar para não parecer suspeita ela seguiu atrás dele. 

Andavam pelos cantos do corredor, evitando os possíveis lugares onde a doutora ou a Sra. Waldorf estariam. Olívia sentia que estava conseguindo. Andaram por alguns segundos pelo corredor principal até chegar no elevador. Enquanto esperavam, e estava perto, já no sexo andar, eles ouviram uma gritaria por perto. Olharam para o lado e a mãe da enferma estava no fim do corredor apontando para eles e gritando algo para os enfermeiros, que correram na direção dos fugitivos. 

E nove. O elevador chegou. Entraram muito rapidamente e Sebastian apertou o botão do playground com força. Então viram que tinha mais alguém ali, o que fez a garota puxar o cabelo para esconder seu rosto caso fosse reconhecida. Ela sentia que estava sendo encarada e, percebendo isso, Sebastian segurou sua mão, como se fossem um casal, mesmo ele estando de fardamento do hospital 

Os dois assustaram-se ao ver que ligaram o rádio geral do hospital, onde a recepcionista passava recados para todos na área. 

"Boa noite. Devo informar que está proibida a saída da paciente Olívia Waldorf, dezoito anos, dos hospital por tempo indeterminado. Loira, cabelos longos, olhos azuis, um metro e sessenta e cinco. Caso a encontrem, favor levar para a administração do hospital. Obrigada." 

Os braços de Olívia tremiam de maneira involuntária. O rapaz que estava atrás dos dois soltou o ar profundamente, talvez percebendo que era ela. No momento em que ele esticou o braço para tocar seu ombro a porta se abriu, e ambos saíram com rapidez. Ela ignorava tudo que passava por ela, mas sabia que nesse andar havia mais risco. Suas pernas doíam por conta das mancadas. Enquanto andava ela prendeu os cabelos em coque para ser menos reconhecida, e ao virar em uma esquina desacelerou ao ver um óculos em uma bancada. O pegou e colocou no rosto para disfarçar mais ainda. O grau era ruim, mas sabia que ajudaria a se misturar. Andou mais tranquila. 

"Oli, vou checar a saída. Entra nesse armário que logo, logo eu venho te buscar.", Sebastian falou e ela o fez. Era um armário de material de limpeza, bem escuro. Ficou ali respirando bem fundo, tentando ser silenciosa até que ouviu passos. Por trás da porta uma voz masculina começou a repetir seu nome baixinho. O som estava abafado, já que o coração da garota batia mais alto que seus próprios pensamentos. Estava confusa e bem assustada, pressionando as pálpebras. 

A porta, inesperadamente, se abriu. A luz incomodou seus olhos por alguns instantes, mas logo se acomodaram. Era o rapaz do elevador, se guiando pelas roupas e poucos detalhes assimilados, bem em sua frente. Mas agora podia ver seu rosto, mesmo que parcialmente por conta dos óculos. 

Seu rosto estava borrado, mas ele era alto, tinha ombros largos e forma física normal. Seus cabelos pretos e lisos eram bem bonitos, caídos no rosto. Ele estava boquiaberto olhando para Olívia, escondida feito rata no armário de vassouras, pensando ter sido pêga. 

"Oli?", chamou por ela. 

Só então associou a sua voz. É ele

"Matt?!", como iria reconhecer? Agora ele tem cabelo, e apareceu no momentos menos oportuno de todos. Só então lembrou da situação em que se encontrava. Rapidamente o puxou para dentro do armário e fechou a porta. Sentiu seus corpos completamente grudados um no outro, mas não teve tempo para pensar na situação. "Shhh", soprou ao pôr o dedo indicador na frente dos lábios, pedindo silêncio absoluto.


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