Deixados para trás escrita por MayEverdeen


Capítulo 4
A plan


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo em menos de uma semana! Salve! Aleluia!
Espero que gostem!



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Nunca presenciei um ataque rebelde. Acordos de paz foram feitos antes do meu nascimento para que isso nunca mais acontecesse. Porém, Ambre e Nathaniel já presenciaram. Tinham apenas dois anos e minha mãe já estava grávida de mim. É claro que não se lembram de muita coisa, mas pelo que me disseram, se lembram apenas do pânico e do caos que se instalou no castelo durante o ataque.

Não é muito diferente do que está acontecendo agora.

Pessoas correm para todos os lados – os braços sobre a cabeça numa tentativa vaga de se proteger. Não dá para saber de onde os disparos vêm, parece que de todos os lados. A única coisa que me guia no meio do caos é a mão de Lysandre. Ele não solta meu punho nem quando algumas mulheres histéricas quase me atropelam. Saímos do salão e corremos até um corredor sem saída. Me encosto na parede e tiro meus saltos com movimentos rápidos. Que se dane a compostura, penso, só não quero morrer por causa desses malditos sapatos.

Lysandre olha para os lados, à procura de algum esconderijo. Depois olha para mim, assustado.

— Um bunker seria ótimo agora – diz, com a voz meio abafada pela confusão no fim do corredor.

— Sim, seria... – digo. O mapa do castelo me vêm a cabeça. São muitos corredores, muitos cômodos, mas me lembro dele com clareza.  Consigo traçar um caminho até o bunker mais próximo. Não é muito grande, mas vai servir.

— Vem comigo – digo, sem encará-lo enquanto corro de volta para o corredor, ou melhor, tento correr. Lysandre agarra meu pulso e me pressiona contra a parede novamente.

— Ficou maluca? – diz, arregalando os olhos.

— O quê? Vou levá-lo para o bunker – rebato.

— Eu sei. Mas o que te faz pensar que vou deixá-la ir na frente? – diz, um tom de preocupação dominando sua voz – O objetivo de tudo isso é tentar matar alguém da Família Real. Se você for correndo na doida, vão te achar fácil, fácil.

— Lysandre, o bunker não é longe daqui. Além do mais, conheço esse palácio muito melhor do que eles. Cresci correndo por esses corredores, ao passo de que eles entraram aqui às cegas.

— Quem garante?

Paro para pensar. Não tenho argumentos. Há anos o palácio não sofre reformas. Quer dizer, depois do estrago que os rebeldes farão, com certeza teremos que realizar reformas. Mas a questão é: o mapa do castelo é o mesmo há décadas. Mesmo se tiverem um mapa de trinta anos atrás, ainda vai servir. Talvez não cem por cento, mas com certeza vai servir para alguma coisa.

Reviro os olhos, mais por não ter uma resposta pronta para lhe dar.

— Estamos perdendo tempo. Me deixe ir na frente, isso é uma ordem— ordeno, carregando a voz de autoridade.

— Uma ordem de princesa para príncipe? – brinca – Tenho tanta autoridade quanto você.

— Não na minha casa. Nem no meu reino – disparo. Lysndre contrai um músculo do rosto, mas no fim concorda em me deixar ir na frente.

Sem mais uma palavra, corro à toda velocidade pelo corredor. Primeiro corredor à direita, terceiro à esquerda. No fim do corredor, o vaso de plantas. As direções pairam sobre a minha cabeça. Quando alcançamos o primeiro corredor, viramos à direita. Começo a contar os corredores restantes. Um, dois...

Antes que possamos alcançar o terceiro corredor, ouço um barulho alto vindo do cômodo pelo qual acabamos de passar. Uma mulher berra, mas imediatamente é calada por um tinido metálico. Alguém arromba a porta com um baque e sinto seu olhar na minha nuca. Penso em correr em zigue-zague, mas Lysandre é mais rápido. Seus braços envolvem minha cintura e ele me joga no chão. Seja lá o que o rebelde atirou contra mim, acertou um vaso de porcelana do meu lado, em vez da minha cabeça. Os cacos caem no chão, e eu sobre eles. Sinto algo quente escorrer do meu braço esquerdo, mas não me permito ficar ali, deitada.

— Corre! – grita o príncipe. Me levanto e volto a correr, forçando minhas pernas ao limite. Olho de relance para trás e vejo Lysandre apagar o rebelde com um único soco.

Três. O final do corredor não está muito longe. Há uma janela e um solitário vaso de plantas, cuidadosamente colocado sobre uma pesada mesa de madeira. Sem pensar duas vezes, enfio minha mão dentro do vaso. Como ali estão plantadas rosas, me arranho toda, mas não tenho nem tempo para sentir dor. Puxo o gatilho no fundo do vaso e o chão sob o móvel se abre.

— Rápido, me ajude a tirar o móvel e jogá-lo pela janela – peço. Sem pensar duas vezes, Lysandre pega o móvel e o atira contra a vidraça, que se parte em mil pedaços. Pego um dos cacos e corto um pedaço do tecido do meu vestido e o prendo em um dos pedaços remanescentes do vidro da janela, como se eu tivesse pulado. Não estamos a uma altura grande do chão. Uns quatro metros apenas. Um arbusto nos espera lá embaixo, e apararia a queda. Se alguém pulasse, conseguiria sair inteiro e fugir.

Arranco os fios que ligavam o gatilho do vaso ao chão e pulo para dentro no buraco e espero Lysandre fazer o mesmo. Uma vez lá dentro, puxo uma alavanca na parede próxima e o buraco se fecha, como se nada tivesse acontecido.

As paredes ao nosso redor são feitas de pedra, assim como o chão. Há uns degraus, que nos levam ao bunker. Descemos, e logo adentramos no local.

Nós o chamamos de bunker, mas a estrutura é toda em pedra, do chão ao teto. Com certeza não aguentaria um ataque à bomba. Este aqui foi feito para criados, o bunker Real é bem maior e tem uma estrutura mais reforçada e mais elaborada. Há também um banco de madeira e um armário cheio de suprimentos. Me sento no banco e tento recuperar o fôlego enquanto Lysandre apoia as mãos nos joelhos e faz uma careta. Ele olha para mim, e seus olhos batem no meu braço. Sua careta se transforma em um olhar de preocupação quase que imediatamente.

— O seu braço...

Olho para o ferimento. Na hora não senti dor, mas agora sinto uma leve ardência no local. Um corte grande vai do meu pulso até quase ao cotovelo. Sangra bastante, mas não me impressiono. Quando levanto os olhos, Lysandre já está ajoelhado diante de mim com um kit de primeiros-socorros.

— Não é tão ruim assim... – digo, mas parece não ouvir. Tira um rolo de gaze e enfaixa o ferimento.

— Não foi muito profundo, mas você deveria procurar um médico quando essa bagunça toda acabar – diz, finalmente me olhando nos olhos.

Abro um sorriso.

— Obrigada, Alteza – digo.

— Disponha sempre – responde.

E então nos encaramos por um tempo. Consigo ver em seus olhos que ele procura algo para dizer.

— Você está bem? – pergunta, finalmente.

— Fisicamente, sim, obrigada. Já emocialmente...

— Nunca presenciou um ataque assim? – pergunta, confuso.

— Não.

— Nem nunca tiveram um treinamento de como agir?

— Não – digo novamente.

— Não parece. Sério, você se saiu muito bem lá fora – diz, e suas palavras transbordam sinceridade.

Devo admitir que, na hora, não senti medo de ser atingida. Tinha um alvo em mente, e chegaria até ele, custe o que custasse.

— Eu só me mantive concentrada no que tinha que ser feito – digo, desviando o olhar.

— Vivian, pessoas estão morrendo lá fora. Qualquer pessoa ficaria desnorteada, mesmo que um pouco. Mas você não demonstrou medo algum.

Não consigo negar. A morte nem passou pela minha cabeça. Eu disparei em meio a um campo de batalha. Poderia facilmente ter sido morta ou gravemente ferida.

Mas eu tinha uma carta na manga. A ideia de jogar o móvel pela janela não foi invenção minha. Eu me lembrei de uma história que Armin me contou uma vez. Ele invadiu a casa do governador de seu vilarejo e havia roubado alguns pertences valiosos do local. O governador e sua família não estavam em casa, mas o caseiro chegou bem na hora em que Armin estava tentando escapar. Ele me disse que encontrou um corredor com várias janelas, e que havia um móvel próximo à uma delas. A altura na ocasião era bem maior que quatro metros, pois a casa é no topo de uma ribanceira. Mas ele jogou o móvel mesmo assim, e se escondeu no cômodo mais próximo. O caseiro chegou no corredor e olhou para baixo, com certeza imaginando que Armin havia se jogado. Ficou tão distraído que não percebeu o ladrão chegar por trás e apagá-lo, apertando seu pescoço. Depois, Armin fugiu pela porta da frente.

Posso não ser uma fugitiva experiente, mas eu tenho um namorado que é, e isso ajuda bastante.

— Como eu disse, eu tinha um objetivo em mente. Eu simplesmente não parei para pensar nisso – digo, fria. Mas logo depois, a ficha cai. Meus irmãos, meus pais... Será que eles estão bem?

Lysandre nota a mudança na minha expressão e põe a mão sobre a minha.

— Eles estão bem. Tinham dezenas de guardas ao redor deles quando saímos.

— Será que pensam que morri? – pergunto. Que tipo de pergunta, Vivian...

— Acho que não – diz, encarando a própria mão, que ainda repousa sobre a minha. Deve estar pensando no irmão.

— Bem, Ambre estava com o Coronel. Não tenho dúvidas de que está bem – digo, sorrindo. Lysandre deixa escapar uma risada.

— “Estava” em que sentido? – pergunta, arqueando uma sobrancelha.

— Todos os possíveis – rebato, também rindo.

 

+  +  +

 

Quando finalmente consigo me livrar dos médicos, já é quase de noite. Entro no meu quarto e fecho a porta atrás de mim. Ouvi boatos entre as enfermeiras de que alguns vilarejos próximos ao castelo também foram atacados, alguns até incendiados. O clima está seco, e o fogo se espalharia facilmente.

Coloco o porta jóias na janela. Preciso ter a certeza de que ele está bem. Preciso.

O que eu não imaginava era que a minha certeza chegaria em tão pouco tempo. Mais ou menos uns dez minutos depois, ouço um barulho vindo da janela. Me viro e encontro Armin chacoalhando o porta jóias.

— Eu queria ter vindo antes, para avisar. Mas não vi o porta jóias na janela e... – me jogo nos braços dele, sem esperá-lo terminar de falar.

— Ouvi dizer que atacaram alguns vilarejos próximos... Tive tanto medo... – digo, minha voz abafada pela camisa gasta dele.

— Eu sei. Mas estou bem, princesa. Minha maior preocupação eram Alexy e você – diz, num tom sereno.

— Aconteceu alguma coisa com ele? - Me afasto apenas o suficiente para ver seu rosto.

— Não, ainda bem. Mas incendiaram o vilarejo. A nossa casa, inclusive. Alexy saiu a tempo, mas não conseguiu tirar todo o seu material de costura da casa. Conseguimos salvar algumas coisas, mas a maior parte foi perdida no incêndio - diz, acariciando meu cabelo.

Não consigo me conter e solto um grunhido de pena. Alexy é um alfaiate. Já conseguiu vender um vestido para a mulher do governador cuja casa foi invadida por Armin e, até recentemente, trabalhava em um vestido para uma outra nobre de seu vilarejo. Pelo que Armin me contou, Alexy faz roupas maravilhosas, cada uma mais bonita que a outra. Costurar é sua paixão, é o que diz sobre o gêmeo caçula. E só de pensar que boa parte do seu material que ele conseguiu a duras penas foi queimado me dá um aperto no coração. Quero ajudá-lo, quero fazer algo por ele.

E, de repente, me vem uma luz. E talvez eu possa.

— Ei, que olhar é esse? – pergunta Armin, arqueando uma sobrancelha. Ele me conhece bem, e sabe quando estou tramando algo.

— Tive uma ideia de algo que possa ajudar o seu irmão – digo, animada – E, consequentemente você também.

Ele inclina a cabeça, intrigado.

— O que você tem em mente?

— Você vai ver. Apenas fique o mais longe possível de onde você e Alexy estiverem se abrigando. Eu tenho um plano.

A expressão cada vez mais confusa de Armin faz algo crescer dentro de mim. Não consigo resistir e colo meus lábios nos dele, mas ainda com o mesmo pensamento ecoando na minha cabeça.

Eu tenho um plano.

 

+  +  +

 

Na manhã seguinte, vou até o alojamento dos soldados, sem muita certeza se encontrarei o Coronel lá. Quando entro no cômodo, todos já estão acordados, mas estão sentados nas camas, conversando, rindo e jogando cartas. Isso dá ao alojamento um ar acolhedor.

— Bom dia, rapazes – digo, no tom de voz mais natural que consigo. Assim que ouvem minha vez, viram-se na minha direção para ver quem fala, e então se levantam um pouco rápido demais, alguns batendo a cabeça contra o estrado dos beliches e outros tropeçando ao se levantar. Uma vez em pé, fazem uma reverência um pouco atrapalhada. Não consigo conter um sorriso.

— Tudo bem, rapazes, sem reverências – digo, ainda com o sorriso no rosto – Como vocês estão?

Um dos soldados, o que está mais perto, responde por todos:

— Estamos bem. Um pouco abalados com os acontecimentos de ontem, mas estamos trabalhando para reforçar a segurança e impedir que aconteça novamente – diz ele, um pouco no automático. Concordo com a cabeça.

— Muito bem. A Família Real conta com vocês – digo, olhando para cada um dos soldados. Neste alojamento estão os soldados que, tecnicamente, iriam para a guerra. Os mesmos que vi anteontem no jardim. Mas, por causa do ataque, com certeza foram designados para montar guarda no palácio até os ânimos se acalmarem – Agora, me digam, algum de vocês sabe onde posso encontrar o Coronel Williams?

Um deles, o que aparenta ser o mais novo do pelotão, levanta a mão.

— Ele disse mais cedo que estaria em uma reunião com o rei.

Assinto com a cabeça.

— Muito obrigada. É só isso, rapazes. Podem voltar ao que estavam fazendo – me despeço com um aceno e saio do alojamento. Aos poucos ouço um burburinho crescer no local, mas não paro de andar.

Subo alguns lances de escada, na direção da Sala de Reuniões. Quando chego na ponta do corredor, vejo o Coronel sair da sala e fechar a porta atrás de si.

— Coronel! – chamo, e ele se vira para mim.

— Alteza – cumprimenta, fazendo uma reverência perfeita.

— Preciso de um favor – digo.

— É só falar.

Dou uma pausa e reflito sobre o que estou prestes a fazer. Por fim, digo:

— Preciso que envie um de seus homens para procurar alguém chamado Alexy Callaghan.


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