Mesmo sabendo que tudo o que Marcel disse é verdade, ouvir tudo aquilo em voz alta trouxe de volta um lado meu que ele mesmo me ajudou a enterrar, anos atrás.

Depois de tantos anos, andar pelos corredores da Citros se tornou algo automático, comum e estranhamente familiar para mim, mas agora todas as minhas emoções e sensações estão inertes, como quando cheguei aqui.

Estar no banheiro e sentir a água quente escorrer pelo meu corpo, faz meus músculos exaustos relaxarem, mas não minha mente. Por que, apesar de não conseguir pensar em nada, ela ainda está aqui. Está cravada dentro de mim, dentro de tudo o que eu sou e mesmo não querendo admitir, não sou o suficiente. Fui um recruta bem melhor que o suficiente. Um agente com habilidades bem melhores que o suficiente. Sou um assassino muito além do suficiente. Mas não sou o suficiente para ela.

Nunca vou ser.

Fecho meus olhos mais uma vez e apago mentalmente a imagem dela de dentro de mim. Apago seu sorriso, seu cheiro, os olhos, o beijo, o toque... e todo o resto. Tudo que fez dela minha um dia. Quando abro meus olhos novamente, sinto como se alguém tivesse arrancado uma parte vital de mim, por que ela não está mais lá. Saio do banheiro e me deparo com a Pilar sentada na minha cama, com minha camisa das mãos.

— Você levou uma bela surra ein. __ Ela ergue a camisa, mostrando as manchas de sangue.

— O que você quer? __ vou até o guarda-roupas e tiro uma cueca e uma calça.

— Você tá bem? __ Ouço ela se aproximar e sinto sua mão tocar minhas costas.

— Eu não vou transar com você. __ Me viro e a olho.

— E quem disse que eu vim até aqui transar com você? __ Ela recua, mas depois força um sorriso irônico.

— O que você quer? __ Meu tom é frio.

— Eles sabem sobre ela?

— Não. __ dô um passo à frente, sem desviar o olhar do dela. — E você, não vai contar.

— É por isso que você tava no Marcel, não é? __ Ela me olha irritada. — Deixa de ser idiota. Entrega logo essa garota e acaba logo com isso.

— Eu não vou repetir isso de novo. Então, escuta bem. __ Me aproximo mais e fico a centímetros dela. — Eles não sabem e você não vai contar. Por que se eu souber que aconteceu alguma coisa, qualquer coisa, com a Alice, eu juro por Deus que acabo com você. Entendeu?

— Entendi.

— Ótimo. __ Me afasto e vou até a porta. — Agora sai daqui.

Ela balançou a cabeça em sinal de negação, me olhou uma última vez e saiu do quarto. Vesti a roupa e deitei na cama. Abri a gaveta e tirei meu celular de dentro. Pensei durante um tempo, decidindo se o ligaria ou não. Depois que sai de lá, o desliguei, para evitar qualquer tipo de contato. Resolvi não ouvir minha razão e liguei o aparelho. Observei enquanto ele atualizava, mostrando todas as mensagens e ligações que recebi nos últimos dias. Dezenas de mensagens da Pirralha, perguntando onde estou, se estou bem e se vou sumir de novo. As ligações também são dela e é claro que ela também deixou mensagens de voz na caixa postal.

— Gustavo... é sou eu. __ Ela respira fundo. — O Lipe falou que eu não devia ligar... mas eu tô preocupada com você. Liga pra me dizer se tá tudo bem, tá? Tchau.

— Gustavo, você não vai sumir de novo vai? __ Ela tava chorando. __ O Felipe falou que você não vai mais voltar e eu.... não quero.... por favor, não some de novo.

— Por que você tá fazendo isso? __ Soluços. — Você prometeu... prometeu que.... que não ia sumir de novo... por favor.... não morra.... __ Soluços. — Não deixa eles te matarem.... por favor diz que você tá vivo.... você prometeu....

— Você não vai mais voltar.... não vai.... mentiroso, você é um mentiroso..... você foi embora de novo. __ Ela soluça algumas vezes. — Você era meu irmão.... a Alice não fala nada.... você não fala nada.... me desculpa se eu fiz alguma coisa.... me desculpa.... mas por favor não esteja morto.... não esteja....

Não consigo mais ouvir.

Deleto todas as outras mensagens e desligo o celular de novo. A Paloma é como uma irmã para mim, quando ela chegou na tio Ben cuidar dela se tornou a minha missão de vida e ouvi-la agora, chorando desse jeito por minha causa e não poder nem mandar uma mensagem, me faz sentir um babaca desalmado que a machucou de novo.

Respiro fundo e me esforço a todo custo pra apagar ela de dentro de mim também. Quando fecho meus olhos determinado a esquecer toda essa merda, ouço três batidas na porta. Me levanto e quando a abro, dô de cara com o Alex.

— Acabei de receber uma nova missão. E quero você nela.