Entrei na biblioteca do colégio atrás de conhecimento, mas não sinto a menor vontade de estudar.
Observo o grande relógio digital próximo ao painel de senhas como se ele marcasse quanto tempo me resta até o fim do mundo. Ele realmente marca o fim do meu mundo.
Se eu não estudar e passar de ano, tudo o que conheço será destruído. Não serei mais uma animadora de torcida, não poderei mais ir aos jogos com Jorge, não encontrarei Valéria pelos corredores escolares... Não serei mais rainha do baile. Aí, sério, preciso dar um jeito de passar de ano.
Esse é o único motivo para eu entrar na nerdlândia. Só tem nerds por aqui; pessoas normais não entram na biblioteca e pessoas glamorosas como eu tendem a evitá-la. Meu salto ecoa no assoalho asséptico, e dois alunos debruçados em livros de ciências em uma mesa de estudo viram suas cabeças para mim.
A menina de tranças e sardas no rosto, o garoto com cabelos desgrenhados e uma camiseta verde com um símbolo redondo branco. Não sei o que é, mas todo nerd tem uma dessas.
Além disso, sei quem são eles, embora não faça idéia de seus nomes. Se não me engano, estou diante do presidente e da vice-presidente do clube de astronomia. A menina tem do lado dela um livro de capa azul com letras tão grandes que consigo ler A Culpa É Das Estrelas. Haha, tá, estrelas podem ser culpadas de quê? Brilhar? Isso nem faz sentindo!
Forço um sorriso e eles desviaram o olhar, concentrando-se em seus estudos. Oooo-kay.
Deslizou para o lado, passo pelo balcão Onde uma moça de uniforme de funcionária do colégio está debruçada. Ela tem um nariz avantajado e usa óculos, eu me pergunto se esse pessoal tem problema de visão de ler demais. Será que vou desenvolver alguma doença ocular também?
Passo as mãos pelo meus dois braços, sentindo frio. Acho que eles mantêm o ar-condicionado assim tão gelado para que a cabeça dos alunos não exploda de tanto pensar! Tô dizendo, esse negócio de estudar não me parece saudável.
Passo pelas estantes de livros. Não sei exatamente o que preciso procurar para passar de ano, mas algum livro aqui dentro deve ter as respostas. Quer dizer, é isso que livros têm, certo?
Onde fica o setor de matemática? Se eu achar um livro que me ensine a agradar a Srta. Fishbourne, é esse que vou ler. Embora eu acho que nada pode agradar a uma mulher que dá aulas usando saia reta preta e meia-calça branca. Branca! Não existe nada mais fora de moda.
– Bom dia, Srta. Johnson.
– Bom dia, Cirilo. Tudo bem?
Oh. Meu. Deus. Eh olho por entre os livros pesados de capa dura para o balcão. Cirilo Rivera acabou de entrar na biblioteca e está com uma pilha de livros em cima da mesa, provavelmente para devolução.
Ele vira a cabeça de um lado para o outro, como se procurasse se certificar de que ninguém vai escutar o que vai dizer. Quando olha para o meu lado, abaixo-me um pouquinho, usando um Teorema de Pitágoras como proteção. Ele não pode me ver aqui!
Se eu achava que Cirilo me odiava antes, imagine o quanto esse ódio não aumentou depois da confusão que eh causei em seu ambiente de trabalho. E não estou falando de calda de morango do Milk-shake de Valéria, mas da vidraça que partiu em pedacinhos com o esfregão.
– Mais ou menos. Aquela vaga de assistente ainda está aberta? - ele pergunta
– Oh, não. Juliet Simms já a pegou. Mas o que houve? Esta precisando de um emprego? - A Srta. Johnson pega um dos livros da pilha, abrindo a capa de barras. Engraçado que são livros grandes e sobre cardiologia. Será que me esqueci de anotar outro trabalho?
– Estou. Sabe de alguma coisa?
– Não por aqui. Vice não estava trabalhando em uma lanchonete? -Srta. Johnson pega mais um livro e abre a capa.
– Perdi o emprego ontem depois de um...- Ele demora escolhendo as palavras, mas acredito que tenha sido culpa minha. Oh, não! - incidente.
– Ah, que pena! Mas o que houve, querido? - ela parece espantada, como se não pudesse acreditar que alguém perde um emprego.
– Eu estava em período de experiência. Não vou receber nada além dos dias trabalhados.
– Ah, querido.- A bibliotecária olha para ele com pena e segura no braço de Cirilo, que ficou ali por cima de balcão, dando apoio moral. Que exagero para um emprego, certo? Parece até que alguém morreu. - Isso acontece em péssima hora.
– Nem me fale. Preciso de um jeito de levantar dinheiro rápido; se souber de algo me avise.
– Pode deixar. - Srta. Johnson sorri amavelmente. - E como está sua irmã?
– O mesmo de sempre, sobrevivendo. - Ele balança a cabeça e abaixa os olhos para o balcão, como se estivesse chateado. - Só espero que dê tempo para conseguir o dinheiro. Nosso tempo está acabando.
– Fiquei calmo; tudo tende a dar certo. Vice vai ver, tudo vai se acertar. Deus vai proteger vocês - Srta. Johnson diz, com a voz entristecida.
Nossa! O que será que aconteceu com a irmã de Cirilo? Na verdade, eu nem sabia que ele tinha uma irmã, muito menos que ela precisava de dinheiro. Era por isso que ele estava trabalhando?
– É talvez. - Cirilo tira a mochila do chão e a coloca nas costas para ir embora.
Começo a tremer. O que eu fiz? O que eu fiz? O que eu fiz? Ele perdeu o emprego por minha culpa, isso é horrível. Acho que nunca me senti tão mal em toda minha vida.
Depois de quebrar a vidraça e o gerente aparecer perguntando o que tinha acontecido, contei-lhe, ele disse que estava tudo bem e fomos embora. Digo, Valéria e eu fomos embora. Acho que ele descontou suas frustrações em Cirilo depois que saímos.sinto uma espécie de fraqueza diante da culpa que pesa em minha cabeça. A tontura me atinge, e preciso me segura na prateleira para não perder o equilíbrio. Minha mão erra a posição e acabo empurrando os livros fazendo o maior estardalhaço. O susto me faz olhar novamente por entre a prateleira para o balcão. Cirilo não está lá, mais a bibliotecária me observa com extrema impaciência.
– Eu vou arrumar - anúncio com um sorriso idiota enfeitando o rosto antes que ela me dê um passe direto para uma detenção.