Fazer compras sem dinheiro é o pesadelo de toda garota consumista como eu. Na baía da liquidação, os únicos pares de sapatos em valores com os quais posso arcar são uma sandália amarelo cheia de franjas folk, um tamanco na cor coral que mais parece uma pata de vaca e um sapatinho vermelho berrante com um laçarote preto enorme na frente. Argh.
Solto a sandália em cima do monte de sapatos horrorosos que berram "estou em liquidação porque ninguém com bom senso quis me comprar " e me aproximo de Valéria, que prova um lindo par de scarpins com estampa de oncinha e salto agulha prateado.
– Menina, vai ou não ficar lindo com aquela saia tulipa que eu comprei? - ela anuncia desfilando com os sapatos e observando todas as suas facetas pelo espelho da loja.
Valéria usa um vestido azul com petit-poás pretos que lembra uma camiseta grandona e folgada. Um cinto de elástico o deixa preso na altura da cintura, criando volume no quadril, e ela está de meia-calça preta. Veio com sapatilhas, bem discretas. Essa não é minha amiga!
– Porque você anda se vestindo como uma professora nos últimos dias? - pergunto.
Valéria está esquisita. Se antes ela desfilava com o uniforme de cheerleader para provocar os meninos, agora se veste tão discreta que parece que seu guarda-roupa ficou uns trinta anos mais velha. Daqui a pouco, ela estará usando as roupas da avó!
Um arrepio percorre meu corpo inteiro só de imaginá-la de conjuntinho de jogging lilás.
– Quero ficar mais chic! - ela diz, comprimindo os ombros e erguendo um pouco o queixo.
– Humm. - Penso a respeito um pouco. Estreito os olhos. Nem mesmo sua maquiagem está como antes, agora com um visual mais limpo, natural. Não me convence. Valéria nunca fez o tipo chic. - Isso tem algo a ver com o término do namoro com Paulo?
Valéria me fulmina com o olhar e já me arrependo de ter perguntado. Ela anda muito sensível em relação a isso. Agarro firme minha bolsa de couro verde-escuro e jogo a alça em meu ombro direito. Ao contrário de minha amiga , continuo a mesma : uma blusa de alça fina esverdeada de panos leves e folgada no corpo, legging preta e Ankle Boots. Estou sempre casual.
– Não tem nada a ver - Valéria responde com a voz seca.
Ok. Estou fora daqui três, dois...
– Vou te esperar lá fora. Não achei nada comprável por aqui e quero ver um acessório de cabelo.
– Tá! - Valéria tira os sapatos e vira para a vendedora. - Vou levar.
Do lado de fora da loja, olho para os dois lados da rua. O sol do fim da tarde está agradável, mas quente, de um jeito que sinto mais sede da que eu gostaria. As calçadas são maiores que o usual da cidade, criando um grande calçadão de passeio cheio de pessoas que atravessam por todos os cantos e quase se chocam contra mim .
Há lojas por todos os lados, mas nenhuma delas vai me vender qualquer coisa por um valor que eu tenha na minha carteira para gastar. Desisto. Meus pais conseguiram me arruinar.
Sem querer, bato os olhos numa lanchonete em frente. Um garçom está limpando uma mesa, passando o pano em movimentos circulares. Ah, não pode ser. O garçom, ou ao menos parece um garçom por usar um avental negro e um lenço escuro na cabeça, é Cirilo Rivera. A vida só pode estar brincando comigo, mas esta é a chance perfeita que eu aguardava.
– E então? Aonde vamos agora? - Valéria para do meu lado segurando uma sacola de compras da loja em que estávamos.
– Tomar um milk-shake. Ali em frente.
– Aí, milk-shake engorda! - Valéria faz uma careta, sem entender minha sugestão é mais preocupada com o que a treinadora Ruby possa dizer se engordamos uma grama.
– Não isso! - seguro firme em seu braço e aponto Cirilo a ela.
– Oh!
– Sabe o que isso quer dizer?
– Que ele pode envenenar sua bebida?
– Não tonta. Hora de um acerto de contas.