One Shot Damien escrita por Mmnishy


Capítulo 1
Lembranças amargas de um passado esquecido


Notas iniciais do capítulo

O seriado terminou bem curioso... Pena que acabou...



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       Damien entrou na loja de conveniência e parou diante da foto que estampava a página principal do jornal de circulação regional a manchete em negrito chamava a atenção “MULHER E FILHO SÃO ESPANCADOS POR GANGUE DE ADOLESCENTES POR REAGIR AO ASSALTO.” Damien piscou os olhos e sentiu a náusea aumentando, depois da bebedeira da noite anterior havia decidido comprar alguma coisa para comer, antes de sair Damien viu Amani jogado no sofá roncando. Ele enfiou a mão no bolso arrancando a carteira e depositou as moedas na abertura enquanto retirava o jornal olhando mais uma vez para a foto estampada, logo abaixo encontrou a legenda Audrey Smith,30 anos secretária executiva e seu filho J. Smith foram espancados durante 20 minutos por uma gangue de adolescentes, sua visão se tornou borrada e ele andou paralelamente até se encostar ao balcão, o Jovem que atendia aos clientes se aproximou e reconheceu Damien.

—Oi... Você está bem? – o atendente tocou a mão de Damien que ouvia a voz do rapaz, mas não enxergava nada além de borrões.

—Não... Acho que não... – Foi a única coisa que Damien disse antes de desmaiar. Em suas memórias ele resgatava os horrores da guerra e sua breve viagem de retorno aos Estados Unidos onde recebera os royalties por suas fotos, suficientes para pagar a embaixada da Síria resgatando o passaporte de Amani, suas lembranças o atingiram como um raio, ele se lembrou da faixada em mármore do edifício, o granito cinza, o balcão perolado, de Audrey sorrindo enquanto ele deixava seu portfólio em cima do balcão, a recepção estava cheia, ela atendia para diminuir o fluxo de clientes acumulados em busca do crachá que ofereceria acesso aos elevadores...

—Boa Tarde tenho um horário marcado com Claire Mounter – a atendente franziu as sobrancelhas olhando para o computador enquanto esperava o homem se identificar.

—Desculpe-me senhor, mas poderia se identificar? – disse polidamente.

—Oh Claro, me desculpe... – Damien sorriu – Damien Thorn.

—Sr. Thorn – ela disse observando Damien e a tela do computador enquanto ele abria a carteira e a entregava a licença de motorista – Obrigada.

—Pode me dizer se minha visita pode ser adiantada? – Damien perguntou olhando para o celular – me desculpe... Eu volto... Tenho que ir...

—Senhor... – ela murmurou enquanto ele corria rumo à saída do edifício, guardando sua licença e a pasta enquanto olhava a agenda de Claire, descobriu que o homem era um fotógrafo. Curiosamente, nesse momento a pasta caiu, era seu portfólio, as fotos em diversos temas saíram do lugar. Ela se abaixou segurando o portfólio em suas mãos fechando-o enquanto sentia sendo observada, colocou-o sobre o balcão e se levantou girando os calcanhares enquanto se deparava com Damien a observando – Sr. Thorn me desculpe, sua licença, o cartão de visitante... – entregou os itens enquanto ele a observava, seus olhos fixaram em sua licença, nascidos na mesma data, no mesmo ano, meses de diferença. Ele a encarou sentindo as bochechas arderem diante de seu olhar, Damien sorriu diante do embaraço da atendente – o elevador quatro ao norte levará ao escritório de Claire Mounter, tenha uma boa tarde.

—O quê fez você corar? – Damien perguntou enquanto sua boca se abria automaticamente e seus olhos fixaram nos olhos da atendente.

—Nascemos no mesmo ano, no mesmo dia... – ela respondeu sentindo as bochechas arderem ainda mais – Me desculpe...

—Ah... – Damien exalou e sorriu – Claire é uma velha amiga eu resolvi fazer uma visita de cortesia.

—Oh... – ela sentiu como se estivesse pronta a explodir.

—Vejo você depois... – Damien disse enquanto se afastava do balcão.

       O trabalho na recepção lhe permitia conviver com qualquer tipo de pessoa, inúmeras pessoas, inúmeras esperanças... Depois de tanto tempo ela reconhecia todos os tipos de malícia diante das fantasias das pessoas e naturalmente acabava por identifica-las, confiantes, arrogantes, experientes... Rótulos que naturalmente ela desenvolvera e aplicava eram muitas das vezes confirmados, diante disso ela se sentia útil, se dedicando a treinar, orientar e avaliar os outros funcionários do saguão, sua postura, seu comportamento como era necessário. Estava próxima ao elevador quando Damien saiu do elevador e se aproximou.

—Eu disse que nos encontraríamos depois – Damien balbuciou e sorriu.

—Sr. Thorn – ela disse com um manejo de cabeça enquanto ele sorria.

—Me chame de Damien – Damien murmurou enquanto andavam pelo saguão.

—Como foi sua visita, deu tudo certo? – ela perguntou profissionalmente.

—Ei... – Damien segurou seu antebraço e a encarou – Sei que você está trabalhando, mas não precisa ficar todo o tempo na defensiva.

—Defensiva? – ela repetiu mexendo o braço e o observou, era um homem bonito, cerca de 1,80 de altura, olhos verdes, lábios carnudos, corpo atlético, sorriso bonito, falava bem e ela conhecia o tipo.

—Vou devolver o crachá na recepção e você me espera aqui? – Damien murmurou com um sorriso.

—Sr. Thorn – ela disse enquanto ele devolvia o crachá e retornava olhando diretamente em seus olhos, esse olhar era algo tão direto e preciso que ela ficou imóvel, avaliando aquele homem curiosamente.

—Então... – Damien inclinou a cabeça abriu os lábios e esperou.

—Então? – ela sentia as bochechas ardendo.

—Claire me disse que você trabalha aqui há 10 anos... – Damien murmurou enquanto a observava – Parece que nunca nos encontramos antes...

—10 anos – ela murmurou afirmando com a cabeça.

—Claire disse que sua mãe está em uma fase difícil de um tratamento contra o câncer, isso é verdade? – Damien murmurou olhando para a pasta.

—Sim, é verdade – ela respondeu um quanto receosa quanto seu tom.

—Você poderia fazer um intervalo? – Damien perguntou olhando para a recepção – Parece que você já ajudou a normalizar o atendimento.

—Intervalo? – ela olhou para a recepção e para Damien que a observava.

—Eu entendo que pareça estranho – Damien murmurou – Mas você sabe que sou um fotógrafo e, eu gostaria muito de conversar com você.

—Conversar? – ela murmurou receosa sobre os interesses de Damien.

—Sim... – Damien confirmou – Mas não aqui.

—Está bem... – concordou – Podemos ir à cafeteria da esquina.

—Ótimo – Damien concordou – Te espero lá.

—Meu turno termina daqui pouco pode esperar? – perguntou curiosa.

—Não se apresse... – Damien sorriu e andou rumo à saída.

—Preciso sair... – a atendente se aproximou do outro atendente.

—Claro McCord – o rapaz respondeu com um sorriso eu cubro você.

—Obrigada – ela respondeu entregando-lhe a chave do balcão.

—Te vejo amanhã – o rapaz acenou enquanto ela saía pelo acesso lateral restrito aos funcionários, se trocava e descia as escadas, atravessando a porta de metal que dava acesso ao prédio, saiu andando pela rua e entrou na cafeteria.

—Sente-se – Damien levantou-se da cadeira e apontou a outra assim que ela se aproximou parando ao seu lado.

—O que você gostaria de conversar? – ela murmurou um pouco receosa.

—Claire falou sobre sua mãe... – Damien disse e puxou um pendrive da pasta – posso te mostrar umas fotos?

—Fotos? – ela sentiu um calafrio – Que tipo de fotos?

—Eu... – Damien murmurou – Bem, eu trabalho com fotos fortes. Fotografar doentes terminais para mim é um exercício mental, captar seus momentos finais, suas histórias, cada um tem sua própria maneira de lidar com a morte, eu a encaro através da lente de minhas câmeras, se você... Ela...

—Eu não gosto... – ela desviou os olhos do computador – Eu não quero que minha mãe... Seja exposta dessa maneira.

—Exposta? – Damien levantou os dedos enquanto ela olhava para ele – Eu não publico nada... São fotografias... Mostrarei-lhe...

—Não publica? – ela murmurou confusa – Fotografa por quê?

—Esse é um... Uma maneira pessoal de lidar com dor, perda... – Damien murmurou e franziu o cenho – A terapia me ajudou e a fotografia surgiu...

—Sinto muito... – ela respondeu enquanto ele abria um arquivo no laptop e a foto era aberta na tela, uma garota na faixa dos 15 anos, provavelmente no hospital, seu rosto estava calmo e sua boca um pequeno sorriso.

—Essa é Jéssica, tumor no cérebro... – Damien disse e sorriu – faz duas semanas...

—Essa foto você tirou... – ela olhava para o monitor ao fundo que mesmo distorcido notava-se a linha contínua – Oh... Sinto muito.

—Ela lutou bravamente... – Damien murmurou com um sorriso – Eu a fotografei em seu último momento...

—Me desculpe... – ela disse olhando para ele – Eu não sei se minha mãe gostaria de ser fotografada... Morrendo...

—Posso conhecê-la pelo menos? – Damien perguntou olhando em seus olhos – Eu imagino que você esteja confusa com meu pedido e talvez seja algo terrível de se fazer seja por sua mãe estar com uma doença em fase terminal, seja por todo sofrimento, mas eu acredito que isso seja minha forma de ajuda-los a superar a dor, oferecendo-lhes a oportunidade de eternizá-los em seus momentos finais.

—Sr. Thorn, quer dizer Damien... – ela disse olhando para a tela – Está bem, se quiser irei leva-lo e poderá conversar com ela, fale sobre seu trabalho, se ela concordar não irei contrariá-la.

—Isso seria ótimo... – Damien murmurou e sorriu – Onde ela está?

—Agora? – a mulher coçou a cabeça e sorriu – No hospital.

—Podemos visitá-la? – Damien perguntou – Imagino que você a visite...

—Damien... – ela fechou os olhos e suspirou – Você quer conhece-la tudo bem, ela às vezes está transtornada, fala coisas, atira coisas...

—Não se preocupe... – Damien murmurou – Eu tenho experiência, já fotografei pacientes em diversas situações...

       Saíram do café e pegaram um taxi rumo ao hospital, chegaram lá foram recepcionados e encaminhados rumo à ala de pacientes terminais aonde ela se encontrava, andavam pelo corredor já conhecido pela filha, embora naquele momento ela o achasse mais escuro e silencioso do que o normal, repentinamente um paciente começou a gritar assim que cruzaram a porta da ala onde a mãe se encontrava. Damien instintivamente segurou sua mão ocultando-a da visão do homem que gritava... Seus olhos percorreram e o encontraram e eles se observaram em silêncio, o paciente olhava-o com olhos arregalados enquanto as enfermeiras o limpavam e este o seguia com o olhar. Damien continuou andando em absoluto silêncio apenas observando os pacientes enquanto ela andava rumo ao leito da mãe. A senhora estava acordada, sua pele estava pálida, seus olhos fundos, quando a filha se identificou ela se mexeu, ficou olhando para Damien.

—Oi Mãe esse é Damien, ele é amigo da doutora Mounter, ele é fotógrafo. – disse segurando suas mãos e ela olhou para a filha.

—Senhora McCord – Damien se aproximou e tocou-lhe o ombro.

—Audrey... – a mãe apertou a mão da filha enquanto sua face se convergia em uma máscara de dor – chame Eve... Preciso de morfina...

—Mamãe... – a filha disse apertando o botão e olhou para Damien – Poderia ficar com ela um minuto? Vou procurar a enfermeira.

—Vá... Ficarei com ela – Damien murmurou enquanto a filha saía rapidamente da ala. Quando voltou acompanhada da enfermeira, ao se aproximar notou que Damien estava sentado na cama da mãe e esta estava com a cabeça encostada em seu peito, seus dedos entrelaçados aos dele, havia um sorriso nos lábios dos dois e ambos estavam com os olhos fechados. Tanto ela quanto a enfermeira ficaram olhando para os dois sem saber como abordá-los, pareciam felizes e tranquilos.

—Milly... – a enfermeira murmurou enquanto eles abriam os olhos e as observaram – Você precisa de seus remédios querida?

—Eve – a mãe respondeu sorrindo calmamente – trouxe meus doces?

—Claro... – a enfermeira levou o carrinho e injetou a morfina no soro da mãe enquanto Damien beijava sua testa e olhava para a filha.

—Damien querido... –a mãe sussurrou enquanto ele descia da cama e sorria – Obrigada pela visita.

—Emilly... – Damien disse acariciando suas bochechas enquanto a filha e a enfermeira o observavam estarrecidas – Voltarei depois...

—Damien... – a mãe murmurou antes de fechar os olhos e a enfermeira se aproximou e ficou olhando para Damien completamente fascinada.

—Me desculpe Eve, mas ela parecia com tanta dor... – a filha murmurou sem entender toda a calma que a mãe transmitia naquele momento.

—Audrey... – a enfermeira desviou os olhos de Damien e encarou a filha – Você tem que se preparar querida, ela está piorando rápido, seu namorado Conseguiu acalmá-la, tem horas que se perder por um momento... Ouvir uma voz desconhecida, receber um afago, ouvir algumas palavras...

—Não... – a filha respondeu com um chiado enquanto seu rosto corava diante da indiscrição – Ele é um fotógrafo.

—Fotógrafo? – a enfermeira empurrou o carrinho anotando na prancheta. –Está tudo bem... – Damien murmurou sorrindo – É normal pensar que só pessoas íntimas visitem os pacientes em estágios terminais.

—Você não entenderia... – a filha parecia irritada – Eve nos conhece, trata minha mãe há mais de um ano, nunca trouxe ninguém aqui... Eu não entendo o motivo de dizer isso, sabe que apenas eu...

—Calma... – Damien disse acariciando suas costas.

—Venha... – a filha disse olhando a mãe dormindo e andou para longe rumo ao corredor – Quem é você? Gosta de ouvir as tragédias das pessoas?

—Se quiser contar sua história... – Damien murmurou em um tom calmo.

—Você... – a filha disse sentindo o rosto ardendo e a irritação se espalhou como combustível – Vamos nos sentar na sala de espera e eu lhe explicarei com prazer toda minha vida... Depois não diga que não avisei...

—Venha – Damien apontou os bancos vazios no fundo da sala, ela o acompanhou enquanto ele continuava com aquele sorriso calmo nos lábios.

—Até que eu me lembre, na infância, meus pais trabalhavam com locação de imóveis, meu pai gerenciava uma imobiliária e minha mãe se dividia em cuidar de mim e meu irmão mais velho e, era uma boa corretora de imóveis. Quando eu estava com oito anos, meu irmão completou quinze e se enforcou na varanda enquanto estávamos fora. Ele ficava sozinho com minha avó quando voltava da escola, minha avó e meus pais enlouqueceram e minha avó se matou com um tiro na cabeça no dia seguinte ao suicídio – a filha baixou a cabeça enquanto Damien olhava em seus olhos – Então... Meu pai começou a beber e não queria mais trabalhar com minha mãe... Bem, ela não sabia o que fazer, o choque com as mortes a enlouqueceu completamente, meu pai a internou em um hospício e me mandou para um colégio interno onde fiquei até o último ano do ensino médio, quando saí, meu pai me levou para um apartamento onde ele vivia com sua nova namorada e minha mãe ficava por lá, ela vivia entrando e saindo do hospício, nunca se recuperou da morte do meu irmão, eu comecei a trabalhar como recepcionista e quatro anos depois meu pai morreu devido ao vício, a bebida acabou com ele... Minha mãe já diagnosticada com câncer conseguiu fazer seu tratamento devido à pensão que recebera do meu pai e, eu cuidava dos médicos e de sua alimentação e higiene... Quando as coisas pioraram, desde o final do ano passado, precisei deixá-la aqui, permanentemente, essa é minha história, senhor Thorn, acha que tenho dinheiro ou tempo para romances ou qualquer outra bobagem... Não existe ninguém além de minha mãe em minha vida, não tenho nada para você, portanto... Não precisa segurar nas mãos de minha mãe, não precisamos da sua pena... Não existem esperanças, não existe nada... – a filha murmurou irritada.

—Eu entendo o que você... – Damien respondeu levantando-se – Esse é meu cartão, se precisar conversar, me ligue.

—Está bem – Audrey disse enquanto ele saía rumo à saída e ela voltava para a ala de doentes terminais. Quando chegou ao corredor ouviu os gritos da mãe, ela acordara transtornada pela dor, arranhando-se alucinava falando sobre o passado, falando sobre a família que a abandonara – Mãe? Mãe... – Audrey disse balançando-a tentando fazê-la sair da alucinação.

—Audrey? – a mãe murmurou e a encarou – Onde está Damien?

—Damien? – Audrey repetiu olhando para ela sem acreditar na transformação diante de meus olhos – Traga-o de volta, preciso conversar com ele.

—Mãe... – Audrey murmurou entendendo que ela o confundira com alguém – Mãe, você não o conhece... Damien é apenas um fotógrafo.

—Audrey, filhinha, por favor, faça o que a mamãe está mandando – a mãe murmurou fechando os olhos e apertou sua mão – Chame-o não tenho muito tempo, preciso dele, antes que seja tarde demais...

—Senhorita McCord – o médico segurou seu cotovelo e a puxou para longe da cama – Eu sei que esse momento é difícil, mas sua mãe não está reagindo mais aos medicamentos, a dor está cada vez pior, as doses de morfina estão mais frequentes, as alucinações, os delírios... Receio que não existam mais meios... Agora somente é lhe deixar sem dor... Entende onde quero chegar? Quer leva-la para casa?

—Acredita que seja tão rápido? – Audrey disse enquanto tateava o celular dentro da bolsa e sentia algo espetar seu dedo – Droga – murmurou enquanto puxava o dedo e o sangue gotejava o enfiou na boca e o médico riu.

—Precisa de um curativo? – o médico tirou um do bolso do jaleco – Se quiser leva-la para casa, acredito que ela entrará em estado crítico pela madrugada, se continuar lutando como sempre... Talvez amanhã...

—Desculpe-me doutor... Obrigada, mas...– Audrey sorriu enquanto ele olhava a prancheta e ela pensava se ligaria para o gerente do departamento – Eu prefiro que ela fique aqui – disse saindo rumo ao corredor e puxou o celular da bolsa e ligou para o trabalho – Gostaria de falar com o Senhor Thompson – disse assim que atenderam a ligação.

—Audrey? – a voz de Thompson soou cansada do outro lado da linha.

—Ryan... Sou eu, estou no hospital – murmurou e olhou para os pacientes na sala de espera – Minha mãe entrou em um estado crítico, o médico disse que é melhor leva-la para casa, mas eu não... Quero.

—Sinto muito – Thompson respondeu enquanto Audrey ouvia o som das teclas de seu computador serem utilizadas – O quê você precisa?

—Provavelmente folga... Se realmente ela... Bem... Eu ligo amanhã – ela murmurou enquanto seus olhos se arregalavam na medida em que eu via uma maca se aproximar e Damien Thorn a acompanhando, na maca um homem com seus 30 e poucos anos agonizava após um grave acidente, os paramédicos prestavam socorro e gritavam uns com os outros enquanto o transferiam da maca da ambulância para a maca do hospital e desapareciam de vista.

—Oi, você ainda está aqui? – Damien olhou para Audrey – Já volto.

       Audrey olhou para Damien correndo atrás dos paramédicos e sentiu as lágrimas arderem em seus olhos, pensou em sua mãe, seu rosto sorrindo, seus olhos, suas palavras ecoavam em sua mente, seu pedido, ela parecia tão feliz por encontra-lo, ela se sentia surpresa e irritada.

—Eu estava indo para o metrô quando esse rapaz foi atropelado, aconteceu bem na minha frente, o motorista... Ele foi jogado... – Damien estava com as pupilas dilatadas, falando rapidamente, muito agitado.

—Damien... – Audrey segurou seu pulso e ele parou a encarando – Você já havia visto minha mãe antes? Falado com ela?

—Sua mãe? – Damien deu um passo para trás enquanto a girava em seus braços, empurrando-a contra a parede enquanto uma mulher corria e atirava os sapatos exatamente no lugar que ela estava parada anteriormente.

—Nãoooo Nãooooo – a mulher gritava agarrando os cabelos puxando-os violentamente enquanto os enfermeiros se aproximavam e a imobilizavam.

—Nossa o quê está acontecendo nesse hospital hoje? – Audrey disse enquanto Damien a arrastava pela mão rumo ao corredor onde ficavam os doentes terminais.

—Sua mãe... – Damien murmurou enquanto uma maca coberta de sangue passava por eles e mais uma vez Damien a pressionava contra a parede, ela tremeu, sentiu seu hálito contra seu rosto, suas mãos prendendo seus ombros contra a parede e por alguns segundos ela olhava para seus lábios, como poderia estar atraída fisicamente por um desconhecido? Seu subconsciente espancava sua mente enquanto seus olhos assistiam sua língua molhar os lábios, os olhos piscaram como se tudo se movesse lentamente só para que ela se perdesse naquele momento de libido, sentindo o calor de seu corpo expandir, seus batimentos acelerarem, seu interior despertara, nesse momento, o enfermeiro que empurrava a maca escorregou no sangue que escorria pelo chão batendo a cabeça contra a maca, Damien deslizou as mãos girando o corpo automaticamente para ajudar ao homem enquanto suas mãos tocavam seu corpo e ela deslizava pela parede fulminada diante das reações físicas de seu corpo – O quê? – Damien se aproximou após ajudar o enfermeiro que já havia se levantado e a observou sentada junto à parede com as pernas cruzadas e os braços em volta das pernas – Audrey você está bem? – Damien se ajoelhava ao seu lado enquanto as lágrimas escorriam pelos seus olhos, vergonha, raiva e dor por saber, por sentir e ter que enfrentar seus desejos, Audrey chorava por tudo que sentia.

—Minha mãe está morrendo – ela balbuciou sentindo o gosto das lágrimas em sua boca – Ela quer ver você antes de... – murmurou sem conseguir terminar de dizer a frase, sentia o corpo despedaçado da maneira mais cruel, dura e vulnerável que poderia ser exposta naquele momento.

—Audrey... – Damien balbuciou e a tocou, percebeu que ela tremia.

—Você pode ir lá falar com ela? – ela disse com a voz abafada tentando afastá-lo até se recuperar daquele incidente constrangedor.

—Claro... – Damien agachou alheio ao quanto a afetava naquele momento levantando-se enquanto ela tentava bloqueá-lo fechando os olhos.

       Audrey Levantou-se e foi ao banheiro lavando o rosto, sentindo a maquiagem escorrendo pelos dedos, ela se olhou no espelho, sentia vergonha diante daquele momento, entrou no cubículo e bateu a porta enquanto seus dedos tateavam sua intimidade comprovando o que sentira enquanto ele a tocava, desejos carnais por um desconhecido que poderia estar ouvindo as últimas palavras de sua mãe. Quanta ironia, obrigada a tocar-se em um banheiro enquanto sua mãe morria... Ela havia renunciado aos desejos carnais, havia renunciado ao romance diante da dor de perder seu único amor, ver sua família destruída e agora, aquele desconhecido desencadeara toda essa tormenta de desejos e insanidade que a faziam curvar e se contorcer imaginando-o tocando-a e possuindo-a como um animal selvagem, seus dedos curvaram dentro dela e ela gemeu diante do gozo.

—Como ela está? – Audrey murmurou em um tom de voz muito mais baixa e tímida evitando despertar qualquer tipo de curiosidade que ele tivesse.

—Está com muita dor... – Damien murmurou olhando para ela, segurou sua mão e a colocou sobre a da mãe – Ela te ama e sabe que você sofre.

—Ela falou com você? – Audrey murmurou enquanto Damien deslizava os olhos para o lado e encontrava seu olhar – o que ela falou pra você?

—Pediu pra levá-la para seu apartamento e ficar com você até... – Damien murmurou sem desviar os olhos dos dela – Você quer sair daqui?

—Ela está morrendo... Eu quero ficar... – Audrey balbuciou enquanto Damien segurava suas mãos e a puxava para longe da mãe.

—Mas ela não quer que você a veja agonizando – Damien empurrou seu corpo para trás, olhou em seus olhos – Você precisa deixa-la ir...

—Eu não posso... – Audrey chorava pensando no que aconteceria se ela ficasse e sua mãe morresse, as palavras de Damien ecoavam em sua mente, levá-la para o apartamento, um calafrio correu-lhe pela medula – Sua mãe sabia... Ela sentira que ele havia despertado o desejo adormecido.

—Eu que eu devo fazer? – Damien balbuciou próximo a orelha da mãe e ela abriu os olhos lentamente, não restara quase nada, debilmente olhava para ele e seus lábios se abriram em um sorriso desbotado – Milly?

—Saiam daqui... – Eve apareceu e balançou as mãos – Vocês deveriam ir para casa, sabe que não resta muito tempo, você irá fazer tudo sozinha Audrey? Deveria ir dormir um pouco, amanhã será um longo dia.

—Venha comigo... – Damien entrelaçou os dedos da filha e saiu arrastando-a pelo corredor enquanto ela o acompanhava debilmente, sua mente estava presa em um redemoinho de memórias diante das palavras de Eve, velório, enterro... Até aquele momento, só pensara no fim do sofrimento da mãe, como resolveria essas coisas?

—Onde você está me levando? – Audrey murmurou enquanto Damien chamava um taxi e a empurrava, ele falou um endereço desconhecido, o motorista atravessou avenidas, bairros até chegarem a um local desconhecido.

—Venha... – Damien a puxou pela mão até a porta, a abriu levando-a para seu estúdio casa, as fotografias espalhadas, negativos, câmeras, lentes.

—Damien... – Audrey olhava para Damien enquanto ele pegava uma caneca e a empurrava para uma cadeira – Você me trouxe para seu apartamento?

—Eu entendi... Você está certa, levar um desconhecido para seu apartamento parece perigoso – Damien respondeu sentando do outro lado do balcão – Você não tem ninguém para ligar? Parentes...

—Não... – Audrey murmurou ciente do espanto das pessoas quando percebem que você não tem família e olhou as fotografias – Já esteve no Afeganistão?

—Sou um fotógrafo que cobre guerras, conflitos internacionais, estive em muitos lugares, muitos anos viajando... – Damien deu de ombros – A Doutora Mounter me ajudou com meu TPT, foi assim que a conheci.

—Certo – Audrey olhou para a caneca e sentiu o cheiro forte – Whisky?

—Acho que você precisa de mais do que café nesse momento – Damien murmurou enquanto ela colocava a caneca de volta ao balcão sem bebê-la.

—Você não bebe? – Damien perguntou com um sorriso de deboche – Seu pai...

—Exatamente... – ela murmurou constrangida por sua percepção aguda.

—Quer comer, beber alguma coisa? – Damien perguntou um pouco tenso.

—O quê foi? – Audrey perguntou automaticamente.

—Nossas historias... Tem muitos pontos em comum... – Damien murmurou.

—Como? – ela perguntou olhando para ele que tomava o conteúdo da caneca que a havia oferecido e lembrou-se de tantos outros que a tentaram embebedar para leva-la para cama.

—Coisas horríveis aconteceram em nossa infância e fomos arrancados de nossas casas mandados para um... Internato como se fôssemos culpados... Mortes, Mortes... Mortes para todos os lados, desgraças, você não vê isso? Coisas horríveis... Acontecendo todo o tempo? Essa violência, essa rivalidade, ódio... Eu não sei se todos tem consciência do quão tóxico o ser humano se torna... Eu sinto muito por sua mãe... Mas essa tristeza que você carrega, você se punir por tudo que aconteceu à sua família isso é muito grave e não foi por sua causa – Damien disse e jogou a caneca contra a pia – Eu não sei como, o porquê de nos conhecemos...

—Você tinha um horário com Mounter – Audrey respondeu enquanto Damien a encarava e fazia um bico com os lábios.

—Claire... Disse que precisava me ver... – Damien respondeu e olhou para a janela – Quando nos encontramos ela falou sobre você e sua mãe, sobre o estado terminal e que havia se lembrado de meu trabalho com os pacientes, das fotos, da terapia, me falou para procura-la... Eu estava tão irritado quando saí do elevador e vê-la me trouxe um objetivo diante daquela irritação e, você foi ao café... – Damien sorriu.

—Eu não entendo como a Doutora pode se lembrar de minha mãe – Audrey murmurou olhando para Damien – Ela a conheceu há 10 anos.

—Eu não sei quanto à sua vida, mas eu estou temporariamente de volta aos Estados Unidos – Damien sorriu e apontou – O jornalista com quem eu trabalho ficou preso pela alfândega na Síria, eu voltei e recebi nosso pagamento, daqui duas semanas voltarei para lá para continuar nosso trabalho... Sabe como isso me afeta? Conhecer sua mãe foi uma forma de me alertar que as pessoas sofrem e morrem naturalmente e precisam de alguém para confortá-las, não tão cruel como fotografar as vítimas da guerra, crianças que morrem por causa de adultos fanáticos...

—Fotos inexplicáveis – Audrey respondeu olhando as fotos espalhadas.

—Sim... – Damien murmurou andando pelo apartamento – Já ouve um momento em que percebeu que tudo que você possui são fotos sem nexo, pedaços de histórias que não se conectam como as das outras pessoas? Aquela coisa de porta-retratos? Nunca... Gostei de me lembrar das fotos da minha casa... Fotos da família reunida... Em toda minha vida.

—Desculpe falar isso, mas temos muito pela frente... – Audrey disse olhando para Damien – Ainda poderá se casar e ter sua própria família.

—Não... – Damien murmurou sentindo uma raiva inexplicável – Eu não...

—Me desculpe... – Audrey sentiu o quanto Damien se sentia frágil.

—E quanto a você? – Damien perguntou em um tom curioso.

—Eu? – murmurei olhando para ele – Já falei sobre isso.

—Vou fazer uma pergunta... – Damien balbuciou e se aproximou sentando-se ao seu lado – Você espera por quem?

—Espero? –Audrey balbuciou – Por... Qual...

—Calma... – Damien murmurou enquanto ela tentava não chorar.

—Não me diga que minha mãe contou a você... – Audrey murmurou arregalando os olhos diante da neutralidade com que ele a observava.

—Sua mãe? – Damien murmurou e sorriu – Contou o quê?

—Qual o motivo da pergunta? – disse amassando a foto que segurava.

—Você ficou envergonhada por tocá-la no hospital – Damien murmurou.

—Existiu um... Uma pessoa... Eu me apaixonei por ela... Ele só queria brincar comigo... – Audrey disse sentindo as bochechas arderem diante de Damien e de sua história ridícula, seu coração partido – Eu acreditei que ela... Ele me amava e... Enfim... Ele desapareceu depois...

—Desapareceu? – Damien murmurou olhando para ela – Nunca o procurou?

—Não – Audrey murmurou sentindo-se mais livre com aquela confissão – Então resolvi viver para cuidar de meus pais – Ela balançou a cabeça negativamente – parece que não fiz um bom trabalho.

—Vou... Quer comer algo? – Damien olhava na geladeira – Bem...

—Se não for... – ela respondeu olhando para a janela - Me desculpe, mas preciso saber como ela está... Deveria ligar para o hospital, não precisa se preocupar ou sair... Se precisar fazer algo... Esteja livre...

—Não tenho nada para fazer... – Damien respondeu olhando para a geladeira – entretanto vou precisar comprar um suco de frutas para você e algo para comermos, já volto...

—Está bem... – Audrey respondeu olhando para Damien pegar uma jaqueta e sair pela porta, ouviu o tambor da fechadura girando.

       Passaram duas horas quando Audrey resolveu ligar para o hospital.

—Boa Noite, Sou Audrey McCord gostaria de falar com Eve na ala dos doentes terminais – Audrey disse ao telefone tentando segurar as lágrimas.

—Eve falando – a voz anasalada de Eve soou contra os ouvidos de Audrey.

—Eve, obrigada por me atender, como minha mãe está? – Audrey tentou não chorar enquanto olhava para as fotografias espalhadas pela mesa.

—Audrey – Eve respondeu – Sua mãe está descansando, fique calma... Se ela entrar em um estágio crítico ligaremos para você...

—Obrigada Eve, me desculpe... Estou preocupada... – Audrey respondeu desligando o telefone. Andou pelo apartamento, viu as fotos, muitas paisagens, prédios e lugares inimagináveis... Audrey olhava as fotos se sentia deprimida com elas, seus olhos corriam pelo apartamento quando ouviu uma freada assustando-a, a porta se abriu rapidamente Damien surgiu com a camisa coberta de sangue e ela arregalou os olhos enquanto o encarava – Você está bem? – conseguiu murmurar.

—Não... – Damien murmurou com o cenho franzido e respirando rapidamente – Estava na loja de conveniências o dono da loja estourou os miolos do homem que estava na minha frente quando este anunciou um assalto, não sei como não fui atingido...

—Sinto muito... – Audrey se aproximou olhando para Damien totalmente surpresa sem saber como ajuda-lo.

—Vou... Tomarei um banho... – Damien murmurou andando rumo ao banheiro enquanto Audrey olhava para o carro da polícia que se afastava lentamente e percebia a sacola de compras no chão, a levou para a pia tirou os produtos olhando para o sangue que havia respingado por ela, guardou os produtos na geladeira e olhou para os sanduíches prontos, sentiu fome e vontade de chorar... Lembrava-se de sua mãe preparando um sanduiche de presunto e queijo quente quando voltava do trabalho nos anos anteriores enquanto o câncer não havia avançado, parecia tão recente... Três, cinco anos? Audrey tentava lembrar-se precisamente de quando eram essas memórias quando Damien saiu do banheiro, usava uma toalha enrolada na cintura, seus olhos observaram seu tórax nú e ela corou quando percebeu que ele estava parado olhando para ela.

—Me desculpe... – Damien disse abrindo o gaveteiro, tirando as peças de roupa e as jogou nos ombros.

—Er... – Audrey tentou falar alguma coisa que parecesse inteligível e apenas se sentia uma ogra diante da naturalidade de Damien.

—Você gosta de sanduíches de queijo e presunto? – Damien perguntou enquanto ela olhava para a bancada onde os sanduíches estavam.

—Claro... – Audrey murmurou enquanto Damien se vestia, a visão de seu corpo era parcialmente encoberta pelo monitor do computador no canto da mesa, ela desviou os olhos do monitor rapidamente e olhou para Damien.

—Conseguiu notícias de sua mãe? – Damien perguntou enquanto vestia a camiseta e jogava a camiseta suja de sangue em uma bacia e a cobria com leite.

—Leite? – Audrey olhou para Damien curiosa.

—Alguns truques que você aprende por aí... Vida de fotógrafo de guerra não rende ostentação e glamour – Damien disse rindo – Essa camiseta tem uma história... Não irei perdê-la por causa de uma mancha de sangue.

—Eve disse que minha mãe está descansando... Que ligarão se entrar em um estágio crítico – Audrey murmurou e olhou para Damien – eu deveria ir para casa, tentar dormir um pouco, reunir os documentos de minha mãe.

—Tem uma cama bem ali – Damien apontou para as escadas – fique à vontade.

—Não é isso... – Audrey murmurou olhando para os sanduíches.

—Você tem medo de dormir e ser estuprada? – Damien murmurou segurando uma risada – Se for isso, eu vou dar uma volta... Não sou esse cara.

—Você deve pensar que sou uma idiota – Audrey respondeu envergonhada.

—Eu acredito que você não está acostumada a receber ajuda das pessoas e, se já recebeu ajuda de alguém, provavelmente se aproveitou de você, não entendo essa desconfiança, acredito que você tenha passado por algo traumatizante para ter se tornado tão introspectiva – Damien apontou para a porta e sorriu – Eu estou acostumado a dormir na rua, em hotéis de quinta categoria... Não me importo de sair e passar a noite fora.

—Desculpa por isso Damien... Mas eu não conheço você – Audrey respondeu enquanto ele pegava a carteira e a jaqueta andando rumo à porta.

—Espera... – Audrey disse antes que ele abrisse a porta – Me desculpa, você fica e eu vou para meu apartamento... Eu não me sinto bem vendo você saindo daqui, sinto que estou fazendo algo errado.

—Você decide... Não adianta tentar ajuda-la se você não aceita – Damien murmurou cruzando os braços na frente do peito enquanto ela passava por ele e abria a porta, nesse exato momento ouviu-se o som de tiros, ela voltou, fechou a porta e olhou para ele com os olhos arregalados.

—Que dia... – Audrey murmurou olhando nos olhos de Damien – Parece que não devo sair daqui – os dois ficaram em silêncio por um longo tempo.

—Coma um pouco – Damien entregou um sanduíche para Audrey pegando o outro.

—Obrigada – Audrey pegou o prato sentando-se no canto da bancada sentindo-se confusa e envergonhada por tudo que havia acontecido.

—Seu suco – Damien colocou a garrafa ao seu lado e abriu uma cerveja.

—O quê aconteceu com sua família? – Audrey murmurou enquanto Damien sentava-se do outro lado da bancada olhando para ela.

—Minha família? – Damien murmurou tomando um gole da cerveja e a encarou pensando se contava sobre seu passado que geralmente evitava falar.

—Você disse que nossas histórias eram parecidas – Audrey murmurou.

—Quando era pequeno, minha mãe caiu do segundo andar enquanto cuidava das plantas, meu pai não aguentou a morte dela e se matou... Eu não tenho irmãos... Fui criado em um internato, advogados de meu pai cuidaram da minha educação, não tenho contato com a família de ambos e por isso achei parecidas, além de nascermos no mesmo ano e dia como você observou anteriormente – Damien contou resumidamente sua história.

—Se acreditasse em numerologia – Audrey olhou para Damien sorrindo.

—Numerologia? – Damien murmurou lembrando-se do passado com um calafrio.

—Sinto muito pelos seus pais – Audrey murmurou afagando a mão de Damien com os dedos – Entendo o quê você sentiu quando contei minha história.

—Parecidas... – Damien balançou a cabeça e sorriu ignorando o resto.

       Audrey e Damien continuaram sentados comendo os sanduíches quando o telefone dela tocou e ela atendeu, Eve alertava para o estado crítico que sua mãe se encontrava, os batimentos cardíacos estavam se alterando rapidamente e ela havia perdido a consciência. Audrey desligou o aparelho, automaticamente, diante da notícia, ambos saíram do apartamento, mas antes que chegassem à esquina, policiais os interceptaram e pediram que voltassem ao apartamento, as ruas haviam sido interditadas, um criminoso havia resistido à prisão e invadido uma casa vizinha fazendo os moradores de reféns, a força tática havia sido chamada para negociar e todos estavam impedidos de deixar suas casas por risco iminente de tiroteio. Audrey explicou a situação ao tenente responsável, mesmo assim ele pediu que eles esperassem mais algum tempo, Audrey estava inconsolável, chorava copiosamente Damien a amparava levando-a de volta para casa.

—Audrey... – Damien a prendeu em seus braços – Pare, você precisa entender... Se você for atingida por uma bala e for parar em um hospital ou se morrer quem irá cuidar de sua mãe? Você é a única que restou.

—Eu não... – Audrey não conseguia falar, o nó que formara em sua garganta a deixara muda, era somente dor, ela sentia o corpo imobilizado, suas pernas fraquejavam e ela fechou os olhos inconformada.

—Audrey... – Damien a carregou e a deixou deitada na cama enquanto ela permanecia com os olhos fechados, estava exausta, ele olhava para seu rosto adormecido e sentiu raiva, raiva por tudo ela havia falado, por sua mãe agonizando, por seus medos, por suas desconfianças... Ele olhou para suas mãos abraçando o corpo e sentiu desprezo por sua solidão, era uma mulher bonita... Sentiu seu coração transbordar em ódio por vê-la tão triste e sozinha como poderia estar sofrendo daquela maneira? Ele não conseguia mais respirar, suas mãos suavam e sua garganta se fechava ele se encostara ao canto da parede e deixou o corpo deslizar enquanto sentia o ódio o cegar, a repulsa viscosa que lhe envenenava a alma ao pensar no olhar triste de Audrey quando falou do homem que gostava a abandonar, o ácido estomacal subia-lhe pela garganta enquanto lembrava-se de suas mãos se esfregando nervosamente quando relatou as mortes do irmão e avó, a embriaguez do pai, sua cabeça pesou e sentia uma dor aguda ao lembrar de seu olhar de solidariedade enquanto ouvia a versão editada de sua história, como ele conseguia encontrar essas pessoas? Seu corpo se moveu lentamente e ele sorriu enquanto lembrava-se do hospital, mesmo em meio a tanta dor, Damien se sentia tão bem, sentia-se renovado e cheio de energia em meio à desgraça da vida daquelas pessoas. Ele empurrou as pernas para cima e as uniu ao tórax enquanto reunia forças, desceu as escadas, pegou a câmera, abriu a porta e saiu disfarçadamente, precisava fotografar aquele criminoso, precisava se livrar daquele sentimento de ódio que o paralizara enquanto observava Audrey dormir. Andou em direção ao comboio policial que cercava o local, usando as sombras para se ocultar, facilmente chegou ao local e viu em meio ao bloqueio, o local ideal para tirar as fotografias, subiu pela escada de um dos prédios até a sacada de outro e com um pouco de esforço saltou a distância que os separava, se abaixou aproveitando a sombra formada pelo jardim e se escondeu posicionando a câmera diretamente para uma das janelas, claramente ele via o invasor andando com a arma em punho e ele o fotografou duas vezes, uma nova tentativa, dessa vez viu o vulto se aproximando e fez um sinal conhecido pelos militares, os dedos em riste e o movimento para trás avisava o perigo de ser exposto, ele viu o fuzil do atirador e olhou para ele que olhou em seus olhos e não disse nada, Damien se afastou deixando o local livre para o atirador e ouviu as ordens do comandante mediante o silêncio que reinava naquele momento, quando obteve a confirmação de acesso, o atirador posicionou sua arma e o comandante liberou a ação, se o tiro fosse limpo poderia completar a missão. O atirador puxou o projetil do colete e o introduziu no fuzil, engatilhando a arma e esperou pelo momento certo. Damien estava a poucos passos de distância e havia constatado a rotina do invasor, andava pela sala com a arma em punho, provavelmente apontando para os moradores. Ele surgiu no canto esquerdo, não era um tiro limpo e não se confirmara sua identidade, o atirador moveu o indicador e posicionou sobre o gatilho enquanto usava a mira para lhe dar uma visão mais clara do que acontecia. Nesse momento, Damien viu os ombros do atirador se moverem e ele posicionou a câmera e deixou o dedo sobre o disparador, simultaneamente ambos dispararam a câmera e a arma, Damien obteve a sequência de fotografias onde a cabeça do invasor era atingida pelo projétil que a atravessava e terminava sua trajetória na parede da casa invadida, o atirador confirmou o sucesso da missão enquanto Damien verificava suas fotografias, ele se ajoelhou e reviu novamente a sequência, uma, duas, três vezes, o atirador se aproximou e pediu que Damien apagasse as fotos, como estava acostumado a esse tipo de ação, ele já havia armazenado um flashcard embutido, ele apertou o botão que apagaria as fotos e a tela se apagou enquanto o atirador o orientava a desaparecer. Damien desceu pela cobertura e acessou o prédio lateral invertendo o caminho inicial, pulou entre dois muros e parou em um canto escuro e acessou o flashcard embutido. As fotos carregaram e ele refez a sequência novamente enquanto observava o sangue ser espalhado após a saída do projétil, aquela imagem forte e direta o atingiu como um golpe, ele curvou-se em um canto escuro, seus batimentos cardíacos acelerados, sua boca se abria e ele sentia a saliva escorrendo da boca caindo pela calçada, sua respiração pesada, seus olhos se tornaram pesados, foi cambaleando pelos cantos escuros até chegar à sua casa, abriu a porta, deixou a câmera sobre a bancada e subiu os degraus, se jogando debilmente na cama indiferente a mulher adormecida que se mexeu enquanto ele se acomodava.

       Damien fechou seus olhos e sua mente se libertou, lembranças sonhos e toda a sua experiência eram revividas naquele momento, mas naquela noite, seu sonho fora diferente, Damien se viu deitado em uma espreguiçadeira, usava trajes de banho, sentiu sede e percebeu uma mesa com uma garrafa de cerveja estupidamente gelada, seus lábios sorveram o líquido gelado se curvando em resposta, ele observou a piscina, tocou a água e para sua surpresa seus dedos voltaram cobertos de sangue. Com um misto de curiosidade e surpresa mergulhou dando algumas braçadas, a aparência era como uma piscina comum nadou por algum tempo e, quando parou percebeu Audrey encostada em uma das bordas, a água escondia parcialmente seu rosto, seus cabelos estavam molhados e, ele nadou até a borda. Ela se apoiou na borda da piscina de costas para ele enquanto ele percebia que o sangue escorria pelos seus cabelos, sua pele estava nua e ela exibia um sorriso confiante e sensual. Damien se apoiou na borda ao seu lado e ela acariciou seu rosto, ele em resposta à carícia, deslizou os dedos pelas suas costas, ela sorria, os dois se moviam pela piscina enquanto se provocavam em um jogo de fuga e perseguição que lhe parecia totalmente erótico, Damien sentia o calor do corpo de Audrey e ela se libertava fugindo para uma das bordas, finalmente ele a prendeu entre seus braços usando um canto da piscina enquanto ela tentava escapar, não precisariam esforço, seus lábios tocaram sua boca e ela o provocou mordendo-lhe o lábio inferior, os beijos se tornaram mais intensos, suas mãos, as carícias, ele a empurrara contra a borda da piscina e movimentava seu corpo contra o dela, sentia seu corpo, seu interior, suas formas o abraçando, ele se movimentava enquanto ela se curvava e gemia em resposta, seu interior vibrava em resposta, ele sentia seu corpo responder àquele interior quente e acolhedor, seu corpo jorrou enquanto se curvava sobre ela e os dois sediam aos instintos satisfeitos. Damien abriu os olhos repentinamente e se curvou, sentindo os lábios de Audrey contra os seus, seu corpo congelou diante da surpresa, seus dedos deslizaram sobre as costas de Audrey e ele percebeu que estavam nús, ela se apoiou sobre seu tórax, passou as pernas sobre sua cintura e se movimentou sobre ele enquanto sentia seu corpo responder aos estímulos que ela oferecia, naturalmente ele girou sobre ela se posicionando sobre ela e a possuiu, sentindo seu interior o acolher enquanto ele se movimentava contra suas pernas que o abraçavam, seus braços curvaram sobre seu pescoço, ela se movimentou contra ele, Damien a virou contra a cama subindo sobre ela se movendo vigorosamente, sentindo ser acolhido pelo interior quente que entrava em combustão e vibrava em resposta, empurrando-o, apertando-o enquanto ele jorrava em seu interior e a empurrava para cama girando-a abraçando sua cintura enquanto seus olhos cerravam novamente. Damien sentiu o rosto ardendo e abriu os olhos preguiçosamente, em sua consciência bailavam os acontecimentos que o fizeram despertar subitamente, Audrey estava deitada de costas para ele na cama, enrolada no lençol, as roupas espalhadas pelo chão, ele passou a mão pelos cabelos tentando conectar suas lembranças, se lembrou do sonho, a piscina, o sangue... Sentou-se na cama e se vestiu, descendo as escadas e preparou um café instantâneo enquanto pensava no que realmente teria acontecido, andava pela cozinha, pegou a câmera e comprovou as fotos tiradas na noite anterior. Seus olhos se abriram completamente quando Audrey desceu as escadas vestindo uma de suas camisas e ele não conseguia entender como dormiram juntos.

—Boa Tarde Damien – Audrey murmurou sensualmente, se aproximou e beijou o ombro de Damien.

—Boa tarde – Damien respondeu automaticamente.

—Obrigada – Audrey agradeceu quando Damien lhe empurrou a caneca de café.

—O quê, como... – Damien murmurou enquanto Audrey sorria em resposta.

—Não se preocupe... – Audrey murmurou – Vou tomar um banho e ir ao hospital minha mãe faleceu durante as primeiras horas da manhã.

—Sinto muito – Damien murmurou observando Audrey que exibia uma tranquilidade e um belo sorriso nos lábios.

—Está tudo bem... – Audrey disse pegando suas roupas entrando no banheiro, saiu vestida e penteada, se aproximou de Damien e lhe beijou o rosto – muito obrigada, tenha uma boa tarde.

—Audrey... – Damien murmurou enquanto ela saía pela porta sem dar-lhe atenção, fechou a porta enquanto ele calçava os sapatos.

       Damien correu até a esquina e, ela havia desaparecido, pegou um taxi e foi ao hospital, pediu informações, procurou pela enfermeira Eve que lamentou, mas não soube informar onde Emily seria sepultada, o corpo havia sido liberado e encaminhado ao serviço funerário por ordem de Audrey pela manhã. Não havia meios de se comunicarem, Audrey pediu demissão após o falecimento da mãe e nunca mais Damien a encontrou... Quando abriu os olhos, estava deitado na cama de um hospital, sentou-se na cama e olhou os pacientes deitados e uma enfermeira se aproximou.

—Senhor Thorn não está em condições de ficar em pé – a enfermeira tentava fazê-lo sentar-se novamente na cama.

—Eu estou bem – Damien murmurou olhando para a enfermeira e puxou a agulha que estava espetada em seu braço.

—Ei cara... – Amani o interceptou saindo do quarto - Damien você desmaiou na loja de conveniências, descanse mais um pouco...

—Não, preciso ir ao hospital procurar a mulher que estampava a manchete principal do jornal... – Damien empurrou Amani e correu rumo à portaria.

—Veronica – Amani murmurou – Damien saiu correndo do hospital.

—Não se preocupe já estamos longe do hospital – Veronica respondeu.

—Não consegui detê-lo – Amani respondeu desligando o telefone.

—John – Ann Rutledge invadiu o escritório enquanto Lyons falava ao telephone – Como você é incompetente...

—Incompetente? – Lyons murmurou secamente encarando Ann.

—Audrey McCord... Estampando a manchete principal de um jornal... Você acredita que Damien se esqueceu dela, apenas dando-lhe esse sobrenome? – Ann gritou furiosa.

—Ela já está longe do hospital – Lyons murmurou rindo de Ann.

—Não importa... Damien não é idiota... Se conseguir mais fotos do garoto... Fazer as contas... Ele descobrirá... – Ann pestanejou.

—E... – John Lyons levantou-se da cadeira e foi até a janela – Damien descobrirá que teve um filho e daí?

—Isso não atrapalhará nossos planos? – Ann murmurou olhando para John.

—Ann você acha que Damien vai fazer o quê? Brincar de casinha? Bancar o pai? – John murmurou enquanto os dois observavam a cidade.

—Eu não sei, Damien é surpreendente – Ann murmurou envaidecida.

—Ann, esse não é o momento, Damien já foi preparado, seu coração está negro, sua mente confusa... Um filho apenas irá fazê-lo ter mais certeza de seus objetivos, ele seguirá seu destino – John Lyons disse voltando à mesa e pegou o telefone – Audrey minha querida, como vocês estão? – O arquivo aberto de Audrey confirmava sua orientação, continuar evitando o contato com Damien, a criança deveria ser protegida e treinada para quando chegasse o momento certo. Sua história também parcialmente descoberta por Damien, ocultava que seu pai era um ex-padre seduzido por sua mãe, uma satanista convicta, todo o resto, a preparação de Audrey fora feita por Ann e John, uma garota que fora mandada para um internato pelo pai com intuitos de mantê-la afastada da família da mãe após o assassinato do irmão de Audrey que descobrira os rituais macabros realizados pela avó durante os períodos que estivera sozinho com ela. Quando voltou para casa, revoltou-se contra Deus, devido todo o sofrimento que passara ao longo dos anos, a doença da mãe misteriosamente reforçou esse desprezo de Audrey, o sumiço do namorado, cuidadosamente arquitetado por John Lyons, a dor, a solidão alimentando sua alma durante todos esses anos somente a fortaleceram e quando finalmente a mãe sedia a doença, Doutora Mountier surgiu, oferecendo-lhe dinheiro para cuidar das despesas da mãe, falando sobre o trabalho assistencial da Armitage Global, apresentando-a a Ann Rutledge que juntas criam o ambiente para despertar os desejos carnais de Audrey por Damien, conveniente consumados no dia da morte de Emilly McCord, regido por desejos ocultos de John e Ann, Audrey engravida e mais uma vez, Armitage surge em um momento conveniente, oferecendo-a amparo, emprego e cuidados até o nascimento do bebê, James McCord nasce 6 de Julho de 2006 e Audrey se casa com um colega de escritório meses depois, Matthew Smith, um contador que recriou sua história após a contratação pela Armitage Global, corrupto por natureza, fora recrutado para limpar e se proteger de acusações e processos pendentes na justiça, a criança cresce cercada de cuidados, boa educação, amor pela família Armitage que a ama e sabe de sua importância em um futuro próximo.

       Damien andava pelo hospital alucinadamente procurando informações sobre a mulher e o filho que haviam sido espancados, misteriosamente, nenhum dos funcionários abordados informariam seu destino e, mais uma vez, Audrey desaparecia sem deixar rastros, entretanto, Damien segurava o jornal entre seus dedos e em sua mente a certeza de reencontrá-la, olhou para seu telefone e descobriu o telefone do fotógrafo do jornal, discou os números cheio de esperança.


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Notas finais do capítulo

O Demônio e seus generais... Se preparando para a guerra no mundo dos mortais.



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