Acampamento Imortal escrita por Vallabh


Capítulo 19
Capítulo 18


Notas iniciais do capítulo

Olha só quem voltou!
Aproveitem esse capítulo cheio de fortes emoções.



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POV THOTH

Você está bem?

— Bem? Eu nem sei mais quando foi a última vez que pude dizer que estava bem. — respondo à pergunta de Dionísio e paro do lado de fora da tenda montada para nós.

— São tempos difíceis, meu amigo. Às vezes penso que talvez teria sido melhor se nunca tivéssemos aceitado ajuda-lo, mas aí nunca teríamos conhecido a Luna ou qualquer uma das outras crianças e percebo que não me arrependo da escolha que fiz. — Ele para ao meu lado enquanto os outros seguem seus caminhos. Antes que eu possa falar algo, ele começa a tossir, pega o lenço que carrega no bolso do blazer e usa para cobrir a boca, quando o tira vejo manchas douradas no tecido.

— Desde quando você está sangrando?

— Tem pouco tempo. — responde depois de um tempo quando para de tossir.

— Você deveria ter nos falado.

— E de que isso adiantaria? Nós já temos problemas demais para resolver, essa seria só mais uma preocupação.

Não digo nada, pois no fundo ele tem um pouco de razão, os últimos meses têm sido extremamente difíceis para todos nós. As tentativas de assassinato contra a Luna, as ordens do Olimpo, os nossos garotos morrendo por uma luta que não é deles e agora essa praga que já chegou até nós.

— Não conte nada a ela.

— Não precisa se preocupar, mas, se as coisas não derem certo, você precisa contar a ela. A Luna sempre o considerou um segundo pai, ela vai sofrer muito se o perder.

— Sempre tão preocupado, mas lhe garanto, meu velho amigo, se as coisas não derem certo, a última coisa que iremos nos preocupar é com a morte de um Deus há muito tempo esquecido.

— Por Zeus, desde quando você é tão sentimental assim? — Dionísio não me responde, apenas ri. — Sabe, me pergunto o que teria acontecido se não tivéssemos cedido às vontades de Zeus.

— Ele teria matado Perséfone, Luna e qualquer outra pessoa que entrasse no seu caminho. Depois a previsão do Oráculo se realizaria, os Titãs retornariam e destruiriam o mundo mortal que tanto nos entreteve nos últimos séculos e, por fim, nós seríamos aniquilados. Um destino que não está muito diferente do que o que nos espreita atualmente. — Acabo rindo da sua forma de expressar o nosso futuro eminente.

— No fundo, nós não escolhemos cuidar dela por pura bondade, mas sim porque éramos egoístas demais para aceitarmos a morte e covardes demais para enfrentar Zeus. Enquanto ele estivesse no poder, nós poderíamos seguir nossas vidas normalmente, sem nos preocuparmos com nada. Foi esse pensamento que fez com que os outros deuses não se manifestassem e nos ajudassem a enfrentá-lo.

— Não é à toa que você é o Deus do conhecimento, sabe de todas as coisas. — Dionísio debocha, mas no fundo sei que concorda comigo. — Eu sinto falta deles, das festas, dos deuses, de Afrodite, de casa...

— Estamos em casa.

— Não, você sabe que não estamos, Thorh. Por mais que tentemos nos sentir em casa, sabemos que falta algo.

— O que você está querendo dizer?

— Você sabe o que eu estou querendo dizer, falta poder, Thoth! Há quanto tempo nós não nos sentimos como deuses de verdade? Acho que eu sequer me lembro como é minha forma original, tudo que eu consigo lembra é dessa forma mundana.

— Poder...

Algo que não ensinamos aos semideuses, é que boa parte do nosso poder vem do Olimpo, um detalhe pequeno, mas que segundo Zeus faria com que os jovens semideuses perdessem a fé em nós, na onipotência dos deuses. A nossa primeira casa é para nós o que o tridente é para Posseidon, um potencializador de poder. Quando passamos muito tempo longe dela, nos sentimos mais fracos. Talvez por isso, Dionísio tenha sido o primeiro de nós deuses a ser acometido por essa maldita praga. Não costumamos falar sobre isso, mas aparentemente a tensão dos últimos dias tem nos deixado mais reflexivos.

— A sensação de ser invencível, o calor do poder circulando abaixo de nossas peles nos causando arrepios, a ansiedade de liberá-los, o frenesi da adrenalina. Sim, eu sinto falta disso. Entretanto, me sinto abençoado por não saber mais como é aquela sensação de vazio quando tudo isso passava. Acho que hoje eu entendo o motivo dos humanos valorizarem tanto suas vidas e sempre pedirem a nós um pouco mais de tempo, um pouco mais de amor, um pouco mais de sabedoria, um pouco mais de poder. Quando se tem tudo, as coisas perdem o seu devido valor.

— Que seja, eu rezo para que isso acabe logo e ela reivindique o trono que é seu por direito.

— Calado! — Olho para os lados, vendo se existe alguém por perto que possa ter escutado. — Nós já conversamos sobre isso, esse assunto é proibido fora do escritório, além do mais, por mais que uma parte de mim queira isso, a outra parte se recusa a aceitar o preço que teremos que pagar.

— Tanto faz, no fundo você também reza para que tudo isso acabe logo. — Não falo nada, apenas solto uma risada curta.

— Vamos, temos que nos preparar para o anúncio da próxima prova.

POV APOLO

— Você está bem? — Saímos da tenda e eu sigo ao lado de Kaique, o mesmo parece um tanto aéreo.

— Ele realmente pode morrer?

— Não temos como ter certeza, mas a possibilidade é muito grande. Vamos tentar fazer tudo que estiver ao nosso alcance para que isso não aconteça. — Ele apenas concorda com a cabeça. — Achei que você não se importasse com ele...

— E quem disse que eu me importo?

— Primeiro, a sua postura defensiva e segundo, eu não me preocuparia com a morte de alguém que eu não gosto.

— Tem razão, então por que eu me sinto tão apavorado com a possibilidade de perdê-lo?

— Não sei, me diga você. O que mudou do momento em que vocês saíram para realizar a prova anterior até o momento em que retornaram? — Ele pensa um pouco, provavelmente revivendo os últimos acontecimentos.

— Nós discutimos em Atenas.

— Sobre o quê?

— Eu sempre achei que a visita dele ao hospital foi o que causou a morte dela, mas na verdade foi ela quem o chamou lá. — Percebo que as coisas devem ter sido complicadas, a morte da mãe dos garotos sempre foi um assunto delicado. — Ele disse que ela pediu que ele fosse vê-la e que ele foi porque achou que ela finalmente iria aceita-lo como filho, mas que, na verdade, ela só queria despejar nele todo o seu ressentimento por ter sido rejeitada por Posseidon uma última vez. Aparentemente ela ainda estava viva quando ele saiu de lá.

— Entendo, e você acreditou nele?

— No começo não, mas parando para refletir, Tobias nunca foi um mentiroso, muito pelo contrário, ele sempre foi transparente como a água. No final das contas, o mentiroso da família sou eu.

— Pare com isso, autopiedade não combina com você. — digo, fazendo-o rir um pouco, paramos de caminhar a poucos metros do painel de classificação. — Por que eu sinto que não foi isso que mexeu com você?

— Porque realmente não foi. Enquanto discutíamos, ele disse que sempre soube que eu recebia dinheiro para cuidar da Luna, mas ele nunca contou pra ela. Logo depois dele falar isso a Luna apareceu e aí tudo virou uma confusão.

— E por que ele nunca contou?

— Quando já estávamos no carro a caminho do portal, a Luna ainda estava desacordada e eu perguntei o motivo dele ter guardado o meu segredo por tantos anos. Ele disse que todos nós somos suscetíveis a erros e que no começo ele realmente pensou em contar, mas ele percebeu que ela não era mais um trabalho pra mim, ele entendeu que eu realmente gostava dela e ele não seria capaz de tomar algo que eu amo, pois ele sabia o quanto isso doía e ele não poderia causar tal dor em alguém da própria família. — Ele faz uma pausa e funga, percebo que sua voz esta tremendo. — Você acredita nisso? Ele me considera da família! Logo eu que tanto tentei ferra-lo durante esses anos. — Ele se vira, me encarando, e as primeiras lágrimas caem. — Eu nunca me senti tão ingrato e mesquinho em toda a minha vida.

— Está tudo bem, garoto. — O abraço, tentando acalenta-lo.

— Quando ela morreu eu achei que estivesse sozinho no mundo, que só tinha a Luna e o tempo todo tinha alguém ali que, mesmo sem que eu percebesse, presava pela minha felicidade. — Sua voz sai abafada por estar colado a mim. — Agora que eu consigo ver isso, não posso me permitir perde-lo, entende?

— Vamos fazer todo o possível para encontrar uma solução. Agora preciso que se recomponha e vá descansar um pouco. — digo, o afastando, ele já está mais calmo. — Assim que a última prova for anunciada partiremos em busca da feiticeira.

— Entendido. — Ele começa a caminhar, mas para, se virando para mim. — Você não vem? Achei que fosse ver a lista dos finalistas.

— Agora não, tenho que ver algo primeiro.

— Certo, até logo então.

O observo entrar na tenda separada para os participantes e então sigo rumo ao acampamento. Nosso complexo é divido em duas áreas, o prédio dos alojamentos e o complexo de treinamento. Isolado dessas duas áreas existe uma terceira sessão onde cultivamos uma horta e um pomar, é de lá que vem boa parte dos suprimentos utilizados nas nossas refeições. Entro no local e sou atingido pelo cheiro das diversas plantas que cultivamos aqui. Paro logo na entrada e vejo o que vim procurar, Ártemis está agachada cheirando algumas folhas.

            Desde o nascimento, sempre fomos apenas nós dois, um apoiando o outro. Com o passar dos séculos cada um seguiu o seu caminho, mas nunca deixamos de nos preocupar se o outro estava bem. Talvez seja por isso que entendo tão bem os sentimentos do Kaique, quando se é sozinho e existe uma mera possibilidade, mesmo que muito remota, de perder alguém que se importa com você, é desesperador.

— Veio me ajudar a coletar as folhas? — Desperto dos meus pensamentos com a voz firme da minha irmã. A deusa da caça caminha em minha direção com toda a firmeza e graça de uma leoa. — O que foi?

— Nada, só estou admirando a graciosidade da minha irmãzinha. — Ártemis é alta e branca, a pele pálida esta coberta por um vestido longo de um azul tão claro que quase pode ser confundido com o branco, ele possui uma espécie de cinto dourado com algumas pedras brilhantes logo abaixo dos seios, o restante do tecido que lembra seda cai solto ao longo do seu corpo até tocar o chão. — Faz tempo que eu não a vejo vestida assim. Estou acostumado a vê-la com o couro das roupas de caça. — Ela solta uma risada gostosa.

— De fato, a praticidade das roupas de caça me agrada muito mais, contudo já faz algum tempo que não vestia meus antigos trajes, então decidir usar hoje.

— O que você colheu? — pergunto, olhando para as folhas em suas mãos.

— Ginseng, é bom para ajudar no cansaço físico e mental. Vou adicionar um pouco de extrato de guaraná para dar energia.

— Ótima combinação.

— Por que você está aqui? Não me olhe assim, sou sua irmã mais velha, sei que não viria aqui apenas para saber quais plantas irei colocar na emulsão.

— Estou apenas conferindo se está tudo bem com você, sei que a situação toda já é bastante estressante e você ainda tem o bônus de ter que se preocupar com a saúde do Tobias. Só queria saber como você está.

— Entendo... — Ela fica um tempo calada e quando ergue os olhos vejo neles a determinação da deusa da caça. — Depois de todos os desterros do nosso nascimento, pedi a Zeus que fosse eternamente virgem, nunca tendo filhos e não me arrependo da minha decisão. Entretanto, a vida me presenteou com o filho que eu nunca poderei ter e não estou disposta a abrir mão disso sem lutar até minha última grama de energia se esvair. Você quer saber se eu estou bem? Não, não estou, me sinto cansada e preocupada ao extremo, mas não irei deixar isso me desviar do meu objetivo.

— Não poderia esperar menos de você. — falo sorrido orgulhoso e, de fato, não me sinto surpreso, Ártemis sempre será uma inspiração para mim.

— E você, senhor do sol, está tudo bem com você?

— Eu acabei de consolar o meu pupilo aos prantos por finalmente perceber que ele sempre teve um irmão mais velho que cuidasse dele.

— Oh, isso é algo muito importante. — ela começa a caminhar para fora da horta e eu a sigo. — Eles crescem tão rápido, não é mesmo?

— Sim, sinto que nosso trabalho aqui está cada vez mais perto do fim.

— Achei que fosse apenas eu que sentisse isso, já faz quase duas décadas que estamos nessa jornada. Quando vivíamos no Olimpo, o tempo sempre foi insignificante para nós, afinal somos imortais. Contudo, quando passamos a conviver com pessoas que têm um tempo determinado de vida, passamos a valorizar cada minuto que temos.

— Você está preparada para isso? Digo, você sabe que precisamos voltar e o que precisa acontecer para que possamos voltar para o Olimpo.

— Sei, ela precisa assumir o trono e, para que isso ocorra, todos nós teremos que sacrificar algo que amamos. Mas eu já lhe disse, meu irmão, enquanto tiver forças, irei fazer o que for preciso para alcançar meus objetivos e você sabe qual é principal deles no momento.

— Derrubar o rei. — Ela concorda com a cabeça. — Por Hades, estamos prestes a dar um golpe de estado.

— Exatamente, irei encontrar uma forma para que isso aconteça e eu não tenha que sacrificar meu filho.

— É claro, vá terminar a sua emulsão, eu irei colocar ordem naqueles pirralhos.

— Você fala assim, mas todos nós sabemos que você os ama. — fala rindo e seguindo para o alojamento, fico observando enquanto ela se afasta por um tempo e então decido seguir meu caminho também. A primeira cena do último ato dessa jornada está prestes a começar.


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Notas finais do capítulo

É isso, até uma próxima!
XOXO



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