Se você for, por favor, demora.

Se você for, por favor, não vá.

(Wado, Com a ponta dos dedos)

Ela era uma pessoa incrível. Do tipo de pessoa que você passa horas conversando e não fica entediada, porque é impossível ficar entediada na companhia de Isabela, meses depois de convivência quase diária eu fui perceber.

Uma música animada tocava no amplificador de som em cima do aparador da cozinha e ela dançava distraidamente, enquanto esquentava o resto de macarrão que havia sobrado do almoço que tivéramos com nossos amigos. O último casal de amigos saíra há algumas horas e ela preguiçosamente já havia tirado o vestido arrumado que colocara e agora vestia apenas uma camisa de manga que um dia fora minha, mas que agora ela usava como pijama, com as mangas arregaçadas até o cotovelo.

Servi o resto da garrafa de vinho em duas taças e caminhei até ela, depositando uma taça ao lado da mesma e bebericando um pouco da minha. Fiquei a observando em silêncio, ao mesmo tempo que observava o macarrão se remexer na panela e a cintura dela se remexer no ritmo de uma música MPB. Ela não olhou pra mim, mas abriu um sorriso quando percebeu que eu a olhava. Isabela era linda, não porque parecia uma modelo bem arrumada, mas sim porque suas curvas naturais – que ela insistia em dizer que precisava eliminar e eu insistia em dizer que não precisava –, a forma com a qual seus cachos dourados caiam de um coque rápido, os olhos amêndoa e um sorriso com lábios sempre rosados compunham a beleza que eu nunca havia me acostumado.

Ela apagou o fogo da boca do fogão e mordeu seus próprios lábios, pegando sua taça e tomando um gole, segurando a taça na frente do seu rosto, de modo que a única coisa que tinha destaque eram seus olhos travessos.

— Vamos comer? — ela sussurrou por trás da taça e eu assenti.

Sentamos na mesa na cozinha, um de frente para o outro e a panela de macarrão entre nós dois. Dividi a comida entre os dois pratos e começamos a comer em silêncio. Entre uma garfada e outra eu parava para olhá-la. Por trás da mesa eu enxerguei o relógio na parede e vi que eram quase oito da noite, e me deu um aperto no coração quando eu percebi que esse era o último jantar que teríamos juntos por um bom tempo; amanhã de manhã um voo partindo para São Paulo levaria consigo Isabela e toda sua vividez para longe de mim.

— O que tá pensando? — ela perguntou apoiando o garfo na mesa.

— Em como eu queria que amanhã demorasse uns três meses pra chegar.

Uma música nova começou a tocar e eu reconheci ser Kiss Me Slowly. Abri um sorriso de lado quando percebi que ela também reconhecera, e provavelmente também se lembrara que foi com aquela música que nos conhecemos um ano atrás, num show de uma banda local que fez um cover dessa música num pub que eu costumava ir.

— Eu também queria. — ela abriu um sorriso taciturno enquanto tomava outro gole de vinho.

Levantei da mesa, esvaziei minha taça de vinho e estendi a mão pra ela.

— O que foi? — ela perguntou rindo.

— Vamos dançar.

— Agora?

— Sim.

Ela levantou-se da mesa segurando minha mão e eu segurei sua cintura enquanto ela entrelaçava suas mãos no meu pescoço. Deixei que sua cabeça pendesse sobre meu ombro e dançamos uma música lenta, girando devagar pela cozinha.

— Por que você decidiu dançar?

— Sabe, a gente tenta irremediavelmente adiar acontecimentos que não podem ser adiados, pela simples razão de que não queremos abrir mão daquilo que temos. — respondi desacelerando. Ela mudou de posição e agora olhava em meus olhos — Por exemplo, daqui a exatamente doze horas eu sei que você estará indo embora e eu tudo o que eu queria era que o amanhã não chegasse tão logo. Então, eu quero dançar com você, ficar com você, essa noite, nessa hora e nas próximas doze horas, até que o dia amanheça.

Ela abriu um sorriso ao mesmo tempo que uma pequena lágrima escorria pela sua bochecha.

— Eu te amo. E dançaria com você agora, até que o dia amanheça.

Enxuguei a lágrima de seu rosto e me inclinei na direção de seus lábios, tentando guardar aquela sensação para os próximos meses. A textura macia de sua pele, o abraço forte e caloroso que ela tinha, os lábios que me davam a sensação de que eu poderia ficar ali para sempre. A beijei desejando que, quando a hora chegasse, ela demorasse a ir, que ela não fosse, que ao invés disso ficasse para eternamente naquele abraço, com o mesmo beijo lento e calmo de sempre.

Dizem que o tempo é relativo. E, pra mim, até o amanhecer chegar, eu faria o tempo durar muito mais que doze horas.

Taste your lips and feel your skin

When the time comes, baby, don't run

Just kiss me slowly

(Parachute, Kiss Me Slowly)