A Sombra do Pistoleiro escrita por Danilo Alex


Capítulo 11
O Bom, Os Maus e a Ruiva


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!

Chegou a hora de saber o que Enrico conseguiu aprontar em Santa Fé.
Além dos amigos Matheus Braga, Jessica e ArveeneNymeria, que sempre me apoiam e comentam as peripécias de Enrico, quero dedicar esse capítulo especialmente ao meu grande amigo Luiz Fernando Sabino, meu grande referencial em se tratando de faroeste, que me ensinou muito e sempre cedeu gentilmente acesso ao seu vasto acervo de filmes, livros, gibis e séries sobre o assunto.
E dedico a todos que tem acompanhado essa história sem se manifestar.

Chega de embromar!


Boa leitura!!!!



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A viagem até Santa Fé durou quase um mês. Firme sobre seu cavalo, Enrico venceu a imensa distância que separava Monterrey, no México, de Santa Fé, no Oeste dos Estados Unidos.

Perseverantemente ele havia vencido milha por milha, numa viagem que parecia não ter mais fim. Com os alforjes cheios e as armas recarregadas, parou poucas vezes. A fim de evitar passar por Piedras Negras ele galopara para Oeste primeiro e depois apontara Muchacho para o Norte. Parara em Jimenez e depois se dirigiu a fronteira. Atravessou-a e parou em El Paso, a cidade em que Javier morrera trabalhando. Depois ficou muitos dias no grande deserto do Texas.

Estava perdido.

Com as provisões quase no fim, e sem ver uma viva-alma em dezenas de milhas, Enrico desesperou-se e cavalgou sem rumo, esperando a morte. Contudo, a sorte estava ao seu lado mais uma vez. Sem saber, ele se desviara muito para Leste e acabou encontrando Abilene, ainda no Texas.

Os três mil dólares que o senhor Hector lhe dera estavam sendo muito úteis. Durante o percurso até Abilene, Enrico usara os Colts diversas vezes para matar cascavéis e lobos do deserto. Nessa cidade ele comprou munição e deixou os revólveres com o armeiro, para que fossem feitos os reparos necessários. Não usara seu Winchester nenhuma vez ainda. Em Abilene ele pode pagar para que Muchacho fosse bem cuidado, comprou roupas e no hotel descansou após tomar banho. Saiu para divertir-se. Permaneceu dois dias por ali.

 No saloon teve alguns aborrecimentos, foi discriminado por ser mexicano. Seu pai tinha razão ao dizer nas cartas que os gringos eram racistas. Enrico acabou amassando a cara de alguns deles com uma boa meia-dúzia de seus socos demolidores.

No hotel, se assustara ao ver no espelho seu reflexo barbudo e cabeludo. Parecia um desses bandidos do deserto, cujos rostos viviam estampados em cartazes de foragidos da Lei.

Foi procurar o barbeiro.                  

Tirou o chapéu ao chegar à barbearia e perguntou com humildade, depois de saudar o barbeiro:

— Gostaria de aparar o cabelo e a barba. O senhor vê algum problema em atender um mexicano?

O barbeiro, que era baixo e gordo, pôs os olhinhos azuis em Enrico e disse simplesmente:

— Cobro dois dólares para tirar cabelo e barba. Você os tem?

— Tenho sim, senhor.

Inesperadamente o homem deu uma sonora gargalhada antes de falar alegremente:

— E o que está esperando para sentar-se nesta cadeira aqui, senhor freguês?

Enrico sorriu e obedeceu. Na mesma hora ficaram amigos. O barbeiro se chamava Howard e era um sujeito sem igual. Forneceu muitas informações importantes para a viagem do jovem De La Cruz.

O rapaz, muito agradecido, deu cinco dólares ao homem, ao invés dos dois que devia. Despedindo-se do novo amigo, encerrou a conta no hotel, buscou suas armas, reuniu seus pertences, selou seu cavalo e partiu.

Seguindo as instruções de Howard, ele cavalgou paralelamente à linha do trem, rumo Noroeste. Uma semana depois chegava a Amarillo, onde não se demorou mais que o suficiente.

Apenas encheu os cantis com água fresca e comprou comida, além de levar Muchacho ao ferreiro, porque o alazão perdera uma ferradura no caminho. Feito isso, montou seu cavalo e seguiu viagem.

Finalmente chegou a Santa Fé dois dias depois. Enrico estava tão cansado que nem reparou muito nas belezas naturais do Novo México.

Ao entrar na cidade, foi diretamente ao estábulo municipal para alojar Muchacho.

Eram oito horas da noite quando ele se dirigiu para o saloon “White Thunder”. Estava com a garganta seca e sua língua parecia uma lixa. Passou-a sobre os lábios ressecados.

Tudo o que mais queria, além de descanso, era tomar um bom trago para tirar da boca o gosto da poeira do deserto. Respirando fundo, empurrou a dupla portinhola vaivém e entrou.

O ambiente era imundo, infecto e enfumaçado, mas mesmo assim o “White Thunder” se achava apinhado de gente àquela hora. Do piano vinha uma música alegre, que animava a todos. Os sons festivos das notas musicais se confundiam com as risadas e os gritos de entusiasmo dos jogadores. Todas as mesas estavam ocupadas.

Enrico viu belas garotas em trajes provocantes bebendo com os homens, rindo, abraçando-se a eles, oferecendo momentos inesquecíveis em um dos reservados no segundo andar, pelo preço “irrisório” de vinte dólares. O rapaz percebeu que a espessa camada de fumaça pairando no ar era proveniente de dezenas de cigarros e charutos.

Seus olhos negros e atentos descobriram duas belas garotas arrastando um homem pelos pés, em direção à porta dos fundos. O sujeito estava inconsciente, mergulhado numa espécie de coma alcoólico. Apesar das moças serem discretas, cumpriam a tarefa com ar de enfado, demonstrando grande naturalidade. Aquilo devia ser rotina por ali.

Atrás do balcão, um barman magro e de óculos, com cara de fuinha, fazia o máximo para conseguir atender sozinho a avalanche de pedidos. Enrico rumou para lá, olhando para os lados, pensativo. Ninguém se importara quando ele chegou. Não prestaram atenção nele nem enquanto cobria com passos rápidos a distância até o balcão. E, por fim, não viu nenhum outro mexicano. Aquilo podia ser um mau sinal. Era bem provável que mexicanos não fossem bem-vindos por ali. Conseguiu um lugar junto ao balcão e esperou pacientemente pela sua vez de ser atendido. Quando ela chegou finalmente, pediu um uísque duplo.

— Tem que pagar adiantado. Dois dólares. – retrucou o barman, num misto de frieza e desconfiança.

Enrico confirmou suas suspeitas. Aquilo era um absurdo, visto que em qualquer outro lugar uma dose dupla de uísque não custaria mais que um dólar.

Desdenhosamente o jovem mexicano jogou dez dólares sobre o balcão e rosnou:

— Aí tem, amigo. Caso eu não beba cinco doses, pode ficar com o troco.

O barman o serviu visivelmente aborrecido, e Enrico riu-se por dentro.

Um vaqueiro americano postou-se ao seu lado, junto ao balcão, e também pediu um uísque duplo. Enrico observou a cena. O barman serviu o homem sem discutir e nem exigir que pagasse adiantado. Enrico tomou um gole de seu uísque, tentando não dar tanta importância ao fato. Observava o movimento em silêncio quando dois homens se encostaram ao balcão, um à sua direita, e o outro à sua esquerda. Eram americanos.

O jovem De La Cruz pousou o copo no balcão e olhou para frente, sério. O homem da direita virou-se bruscamente e, propositalmente, usou o cotovelo para derrubar o copo de Enrico, o qual se partiu em mil cacos e o seu conteúdo escorreu pela madeira do velho assoalho. Muitas risadas soaram. Enrico se virou para olhar nos olhos do homem, que ostentava uma expressão angelical, de fingido embaraço:

— Me desculpe, camarada. Sou mesmo um desastrado. É que você é tão insignificante que nem notei que estava aí. – disse o americano arrogantemente.

Soaram novas risadas. Ao que parecia, todos se divertiam muito com a situação.

Enrico viu que o americano era jovem, bem apessoado e estava bem vestido. Devia ser filho de gente importante. Sua arrogância indicava isso. Com os olhos negros cravados no seu interlocutor, mas perfeitamente consciente do segundo homem do outro lado, Enrico sorriu ao dizer simplesmente:

— Sem problemas, amigo. Basta que me pague outro uísque e está resolvido.

O americano deixou cair o queixo, espantadíssimo. Depois, ao recuperar-se, deu uma gargalhada sonora, acompanhado pelos demais. Até o barman riu.

— Ouviu isso, Jack? – sem parar de rir, o americano se dirigia ao amigo – Nosso colega aqui quer que eu pague outro uísque para ele. Que me diz disso?

— Eu ouvi, Mike. Esses mexicanos imundos estão mais atrevidos a cada dia. – bradou o outro americano, rindo também.

— Posso saber qual a graça? – perguntou Enrico, carrancudo.

— Você é a graça! – rugiu Mike, parando repentinamente de rir – Será que é tão burro que não percebeu isso ainda, maldito “xicano” piolhento?

Nesse momento, uma linda jovem pousou a mão sobre o ombro de Mike:

— Ouça, irmão, talvez seja melhor deixar isso para lá. Não convém perder tempo com essa gente.

Os homens presentes perderam o fôlego por alguns instantes, admirando a bela moça. Era alta, esguia, de lábio carnudos, cintilantes olhos verdes e cabelos longos e ruivos, encaracolados. Seu corpo perfeito era composto por sinuosas curvas, ocultas pelo luxuoso vestido de seda importada.

Mike mirou a irmã, aborrecido com a sua intervenção:

— Fique fora disso, Lauren. Esse é um assunto de homens.

A seguir, Mike fitou Enrico.

Havia algo de diferente nele, algo que o incomodava. A maioria dos mexicanos sabia seu lugar, jamais o enfrentava e sempre baixava a cabeça, sem erguer os olhos quando sofria humilhação.

Mas aquele rapaz não agia como a maioria. Mike percebeu que Enrico o olhava de volta com dignidade e desdém.

Havia cruzado os braços à frente do peito e sustentava o olhar desafiador do americano. Não parecia ser um homem disposto a levar desaforo para casa.

Mike achou melhor ter cuidado.

— Como é, amigo? – insistiu Enrico – Estou esperando o meu uísque.

Dessa vez, quem respondeu foi o outro americano, Jack, que rosnou entredentes:

— Uísque é para os brancos, seu mexicano atrevido! Por que não se contenta com a sua maldita tequila?

No fundo, Jack também estava impressionado com a atitude de Enrico. Nunca vira um mexicano tão seguro de si e que falasse o inglês corretamente daquele jeito. A maioria gaguejava, tropeçava no idioma ou falava com sotaque acentuado.

— Bebo o que quero, quando quero.

Mike, furioso, rugiu:

— Seja sensato, “xicano”. Estamos dando uma chance para você sair por onde entrou. Não vê que espalhou sua imundície pelo saloon?

O clima estava tenso. Ninguém mais ria.

— Desculpe, senhor. Vou limpar a minha sujeira agora mesmo. – disse Enrico, sério, inesperadamente.

— Faz bem, mexicano. – sorriu Mike, triunfal.

— Poderia abaixar aqui por um instante?

— Para quê? – Mike já não sorria, estava desconcertado.

— É que vou usar sua cara arrogante para limpar o chão, americano.

— Ora, seu bastardo!

Enrico tinha decidido dar uma lição naqueles porcos racistas. Sem esperar mais, Mike deu um grande salto em sua direção.

O mexicano fechou a mão e esperou. Quando o rapaz chegou bem perto, o De La Cruz o recebeu com um poderoso gancho de direita, na boca do estômago. Mike soltou um grito e caiu de joelhos diante de Enrico, curvado de dor. O americano teve a respiração cortada pelo golpe.

— Como é estar de joelhos diante de um mexicano, seu branquelo engraçadinho? Deve ser um golpe bem duro no ego, hein? – Enrico sorria sem esconder sua satisfação.

Do chão, prostrado, Mike o fuzilou com o olhar.

— Mas vejam só esse nariz arrebitado! Acho que posso dar um jeito nele. – assim que acabou de falar, Enrico usou o pé direito para atingir em cheio as narinas de Mike. Ouviu o estalar de ossos e o americano se viu jogado para trás com a violência do golpe. Rolou pelo chão gritando de dor e segurando o nariz ensangüentado.

Todos que assistiam a cena estavam paralisados, sem acreditar nos próprios olhos. Mas Jack se recuperou logo e acertou um forte soco no rosto de Enrico, que deu alguns passos para trás. Com o rosto vermelho, ardendo, o rapaz fingiu perder o equilíbrio e Jack avançou novamente, desferindo outro murro.

Enrico esperou até o último momento e girou o corpo, esquivando-se com destreza.

Enquanto girava, usou o cotovelo para golpear as costelas de Jack, que gemeu. Com o adversário abalado, à sua mercê, Enrico disparou dois diretos rápidos e finalizou a luta, vendo Jack cair de costas.

O silêncio era sepulcral no lugar.

 Mike, mesmo atordoado e segurando o nariz machucado, conseguira se firmar sobre as pernas e se manteve meio agachado, mirando Enrico com ódio.

O rapaz mexicano foi obrigado a reconhecer que aquele americano era um homem de fibra. Olhando para a bela Lauren, Enrico teve uma ideia e disse ironicamente ao jovem Mike:

— Preste bastante atenção, amigo, pois agora vou demonstrar um modo de extinguir as diferenças e reduzir as distâncias que existem entre os americanos e os mexicanos!

Dito isto, Enrico enlaçou com vigor a linda Lauren pela cintura e beijou-a na boca com avidez, sorvendo daqueles lábios carnudos todo o sabor que desejava provar.

Naquele momento, e somente naquele momento, Enrico Aguilar De La Cruz foi visto com inveja por todos os homens naquele saloon. Nenhum deles tivera tal coragem. Mas essa inveja que sentiram era passageira, pois, a não ser no momento daquele beijo, ninguém queria estar na pele daquele mexicano.

Todos conheciam o temperamento explosivo de Mike e o temiam.

O assombro era geral. A própria Lauren estava tão surpresa que nem tivera tempo de esboçar reação. Seus lábios, quando se dera conta, eram furiosamente esmagados pelos daquele jovem mexicano. Foi tudo bem rápido.

Após alguns instantes Mike saiu de seu estado de perplexidade e sentiu o gosto amargo da humilhação. Conseguiu sacar a arma e, enquanto a apontava para Enrico, urrou a plenos pulmões:

— Maldito mexicano do inferno, vai pagar caro por sua ousadia!

Um tiro soou rasgando o silêncio. Entretanto, a bala não fora para Enrico. Mike nem sequer tocara o gatilho. Todos os olhares se voltaram para a entrada do “White Thunder”, de onde procedera o disparo intimidador.

De pé, junto à porta, havia um homem de estatura mediana, jovem ainda, branco, sério, de cabelos curtos e negros, olhos vivos e profundamente verde-escuros. Na verdade, seus olhos eram mais cinzentos que verdes.

 O queixo era agressivo, o rosto másculo, o corpo atlético, a postura firme, decidida e autoritária. Sem dúvida tratava-se de um homem habituado a ter suas ordens obedecidas; alguém que não brincava em serviço. Estava metido em um grosso e preto casaco de pele de búfalo, um par de calças de brim e botas texanas de cano longo.

Uma estrela dourada de latão reluzia em seu peito. Sua mão direita segurava um revólver fumegante apontando para o alto: seu disparo de alerta produzira um buraco no teto do saloon.

Enrico soube logo de quem se tratava. Ninguém precisou dizer-lhe.

O xerife abriu a boca e sua voz poderosa encheu o saloon:

— Mike, abaixe essa arma.

O rapaz obedeceu prontamente, sem nenhum protesto.

James Muray girou seus olhos vigilantes pelo lugar e pensou em perguntar o que se passara, mas se manteve calado. Cravou seu olhar incisivo em Enrico, que tinha a boca manchada de batom e ambas as mãos na cintura alucinante de Lauren.

Os olhos cinza-esverdeados de Muray focalizaram Mike e Jack caídos, se levantando com esforço. A seguir, o olhar atento captou o assombro no rosto dos presentes. E por fim, a atenção do xerife retornou para o jovem mexicano abraçado a Lauren. Imperceptivelmente os olhos de Jim Muray se arregalaram um pouco e ele decidiu agir com extrema cautela. Um homem capaz de nocautear sozinho Mike e Jack, e beijar Lauren à força, era alguém realmente perigoso.

Ali em Santa Fé, Mike e Jack jamais haviam perdido uma briga e Lauren nunca fora beijada sem consentimento. Tudo ali era novidade.

— Você, forasteiro, afaste-se da moça agora. – ordenou o xerife.

Enrico relutou alguns segundos em soltar a jovem, mas Lauren o empurrou com força antes que Muray repetisse a ordem.

— Agora jogue o cinturão para cá, devagar e sem truques, rapaz. – ao falar, o xerife James Muray apontara a arma para o rosto de Enrico.

Havia uma ponta de mau-humor em sua voz; gostava de ser obedecido imediatamente e nisso o jovem o contrariara.

Sob o olhar do xerife e dos demais, Enrico desafivelou o cinturão e o jogou aos pés de Muray.

Estava desarmado.

 Olhou para seu interlocutor, esperando novas instruções. Sem tirar os olhos do rapaz e sempre apontando a arma, Muray abaixou-se rapidamente, apanhou o cinturão e empertigou-se de novo, dono da situação. Rosnou:

— Mãos ao alto, forasteiro. Você está preso sob acusação de perturbação da ordem. Vou levá-lo para a cela no meu escritório. Vamos andando!

Sempre obedecendo, Enrico deixou o saloon sob a mira do xerife e o olhar atônito dos presentes.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capítulo.

Se chegou até aqui, deixa um review por favor. Não custa nada e vai me ajudar bastante!!!

Em breve nos encontramos aqui de novo.

Até o próximo capítulo!!!



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