Flor da meia-noite escrita por Tha


Capítulo 46
XLVI – Já sinto a sua falta


Notas iniciais do capítulo

OPA, TUDO BOM? ULTIMO CAPÍTULO GENTNEEEEY. Então, estou pensando seriamente em escrever uma sequência. Já tenho um nome e um enredo, se eu tiver a aprovação de vocês eu posto, se acharem que é melhor parar por aqui, não posto. O nome vai ser "O despertar", então fiquem ligados porque talvez nessa semana ou na próxima o primeiro capítulo sai. Enfim, espero que tenham gostado. LEIAM AS NOTAS FINAIS PARA SABER DA SINOPSE DE "O DESPERTAR"

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A sensação é de que estou nadando, flutuando em um mar de águas calmas e rasas. As ondas abaixo de mim são como um cobertor que me acalma e me livra das dores, como o abraço da minha mãe. Vejo acima de mim, pela primeira vez em meses, o céu: um pedaço de céu noturno com nuvens e estrelas. Inconscientemente, solto um gritinho. É a coisa mais linda que já vi. Por consequência, me mexo, e o mar me manda direto para a areia fria e molhada.

Há uma agitação, gemidos de dor e conversas ruidosas ao longe. Também ouço estalos constantes vindos de uma fogueira, ao que parece.

— Ela não vai suportar de novo – Jason tosse, então fico parada, esperando que ele não tenha ouvido meu grito e ache que ainda estou inconsciente – Ela já o perdeu uma vez, não dá, e agora você?

— Ela vai entender – Hazel responde com a voz embargada, sua garganta parece estar fechada, sufocada.

— Não, não vai!

— É só falar que ela viajou – Nick entra na conversa – E que não vai voltar por um tempo, aí ela esquece.

Resmungo, tentando chamar atenção, e me viro. A sensação da areia tocando meu rosto é de um alívio inexplicável.

— Ah meu Deus – Jason diz repetidamente – Ah meu Deus.

Me afasto, consigo me sentar e coloco as mãos na bochecha dele, examinando seu rosto. Como pude pensar em ter esquecido esse rosto? Lábios finos e pálidos com um canto torto sempre sugerindo um sorriso de gozação. Meu Deus, como nunca notei antes o quanto ele é bonito?

— Você precisa cortar o cabelo.

Ele esfrega a lateral do polegar na maçã do meu rosto.

— Você está linda.

— Esperto.

Tive medo por muito tempo. Fugindo, isolada de todos que amo e depois trancada em uma cela, torturada e interrogada com a ameaça de morte sempre pairando sobre meus ombros. Mas juro que nunca tive tanto medo quando escutei a voz dele na cela ao lado da minha.

Ele encosta os lábios nos meus com tanta delicadeza que acho que deve ter medo que eu me desfaça na areia, que eu seja apenas sua imaginação. As mãos dele apertam mais ainda meus braços, puxando-me para perto, e, por um segundo, todo o meu receio some.

Olho ao redor, Hazel está sentada bem perto da fogueira, em um tronco caído corroído pelo tempo. Nick está ao seu lado, desenhando na areia com um galho. Escuto um tipo de cântico ao longe e imagino ser Kaleesa com companhia. Mas só.

— E o Adam? – Pergunto sorrindo, louca para finalmente abraça-lo depois de tanta agonia.

— Temos que conversar – A voz de Hazel assume um tom melancólico.

Houve a explosão. Acontece que por causa do soro, Adam e Darko ficaram ligados mesmo depois de separarem os corpos. Logo, o que acontece com um, acontece com o outro também. Assim como lá em baixo quando acertei Darko, o ombro de Adam também foi ferido.

Foi uma luta incansável por três meses para achar algo que rompesse a ligação, além de procurar um meio de me tirar de lá. Só que não acharam nada, e ele desce assim mesmo, sabendo que para derrotar Darko, ele tinha que se derrotar depois de me libertar. Kaleesa achou um meio de passar pela barreira mágica de Atlântida, mas só duas pessoas poderiam passar.

— O feitiço era milenar, e precisava do sangue de alguém com uma ligação forte com você – Jason abaixa a cabeça e junto as sobrancelhas – Enquanto o sangue cair na fogueira, a barreira está aberta. É como... um sacrifício, já que o sangue não pode parar.

— Quem... quem foi o sacrifício humano? – Me viro, procurando algum indício de alguém que não esteja aqui, alguém que eu ame muito. Tem a Clove, o David, Ava, Miriel...

Mas entendi tudo na hora que Hazel tirou a mão da barriga. Há ali um corte enorme nas costelas, o sangue pingava lentamente no fogo, fazendo um estalo em todas vezes. Seu rosto estava pálido e ela estava fraca demais até para sorrir. E ela tentou.

— Mas você não é humana, você pode se curar – Insisto pegando sua mão e a esquentando. Hazel e Jason se entreolharam e Nick suspirou. Meu rosto assumiu uma expressão de total desespero – Você virou humana. Porque não me contou?!

— Não queria estragar nossos últimos momentos juntas, porque eu sabia que você ia fazer algo estúpido. Era o único jeito, tentamos por semanas, viajamos os quatro cantos do mundo.

— Não entendo, por que você? Isso não está certo.

— A ligação – Nick responde pela minha amiga, ainda muito entretida com a areia – Jason e David se ofereceram, mas Hazel achou melhor assim.

— Eu já vivi demais, Ally – Minha amiga sorri e tosse sangue – Assim que as bruxas fecharem a barreira, minha vida acaba também.

— Adam ainda tem que sair! E Hazel... você não merece isso – As lágrimas agora escorrem livremente pelo meu rosto.

— Você também não merecia ir para aquele lugar por nós, e mesmo assim não te impedi de ir, então tem que respeitar minha decisão.

— Você não respeitou a minha! Não vou deixar você morrer, vou falar com a Ka, e ela vai consertar isso – Começo a me levantar, mas ela me puxa de volta.

— Eu já morri, Ally, no dia do baile. O resto, tudo o que vivi até hoje foi um grande presente. Escolho ser grata por não ter desperdiçado um segundo sequer, e ainda não quero desperdiçar estando longe de vocês, preciso me despedir – Ela tosse de novo e me aproximo, ignorando o calor escaldante da fogueira perto de nós – Escolho ser grata por ter tido a chance de salvar sua vida mais uma vez, porque é isso o que os amigos fazem. Então... cuida da Clove, não deixa ela...

— Acho que você pode dizer isso pra mim – Escuto a voz da Clove e ela surge por entre as árvores ao lado de todos os outros. David sorri pra mim e corre para me abraçar – Qual é Hazel, não pode morrer assim nessa praia fubanga – Ela tenta amenizar o clima, mas sei que está tão apavorava quanto eu.

Então estamos todos abraçados, olhando para a pessoa que importa neste momento, tentando achar um jeito de também passar por cima disso, de mais um obstáculo.

— Tudo bem – Hazel suspira – Vocês precisam disso. Eu preciso disso. Allyson, lute, você tem que...

— Não faz isso – Tentei ficar calada, mas foi mais forte do que eu – Não deposita em mim essa esperança. Eu não quero ter essa responsabilidade. E não adianta você ficar me dizendo que posso fazer melhor, quando sei que já estou dando tudo que posso. Então por favor, fique comigo, não me deixe sozinha.

— Mas eu não vou a lugar nenhum, sempre estarei aqui, olhando por vocês, batendo a cabeça quando algum de vocês fizer algo estúpido e eu não poder ajudar – Hazel ri, o que contribui ainda mais para o meu choro descontrolado – Quero ver você viver o verão da sua vida quando isso acabar. Eu quero ver você feliz – Ela olha para Jason e depois para mim, e entendo o recado na hora. Pego a mão dele e deito a cabeça em seu ombro – Sei que acredita que não pode ter uma vida normal, que tem que cuidar de todos, mas não. Cada um vai encontrar o seu caminho. Então faça as suas malas, vá para a faculdade, e vai viver, Ally. Clove, eu vi você decorar o dormitório como se sua vida dependesse disso – Nós rimos e depois choramos – Essa sempre foi você, controladora. E é verdade, Ally, sorte a sua que estava na Grécia – Sorrio e encaro Ava com um olhar carinhoso, ela faz o mesmo – Sei que a faculdade não é o que você esperava, que sente que algo está faltando. Vi quando você e Adam se reencontraram. Eu vi. Juro que senti pena do Elliot, porque ele não tinha a menor chance. Então hoje, quero que você abrace esse amor que sente, quero que guarde ele com carinho e se lembre do privilégio. E então quero que você levante a cabeça, e seja a Clove Farley que eu conheço, uma predadora.

— Tudo bem – Minha amiga funga – E embora eu não costume falar isso, eu te amo, Hazel.

— Ok, agora posso morrer em paz, podem desligar as luzes.

— Ai meu Deus, pare com isso – Reclamo, mas no fundo, sei que devo ficar feliz por, palavras dela, ter tido o privilégio de conhecer pessoas boas assim.

— Jason, vivemos tantas aventuras juntos que é difícil aceitar que essa seja a última.

— E a melhor, Hazel, pode ter certeza.

— Kyla, Miriel... meu Deus, se assumem logo e vão viajar pelo mundo, vocês merecem um pouco de paz – Explodo em gargalhadas e soluço – Quando verem a Kaleesa, digam para ela parar de ser tão mandona e Nick, sei que perdeu seu irmão, que ele dividia um coração com você, mas seja feliz também.

— Serei – A carrancuda sorri e percebo que é a primeira vez que vejo isso.

— Está bom assim – Hazel diz olhando para nós – Era tudo o que eu queria. Eu vou ficar bem. Todos ficaremos bem.

Quando olho para o horizonte e me lembro de que meu melhor amigo ainda está lá, e minha melhor amiga está prestes a morrer em meus braços, guardo bem esse momento na memória. Aqui e agora, é o gatilho de que preciso para seguir em frente. O cântico começa a diminuir o ritmo e sei que o fim está chegando. Meu coração começa a ficar apertado.

— Foi uma boa vida, Ally, lembre-se disso – Hazel diz, e quando o silêncio finalmente se instala, o olhar dela se perde em algum lugar nas estrelas acima de nós.

A dor assume muitas formas. Uma pontada, uma dorzinha, uma que vai e volta. Dores normais nós temos todos os dias. Mas existe aquela dor que não podemos ignorar. Uma dor tão grande que bloqueia tudo mais. Que faz o resto do mundo desaparecer. Até que a única coisa em que podemos pensar é como está doendo. Como lidamos com a dor é com a gente. Dor. Anestesiamos, aturamos, abraçamos, ignoramos… E para alguns de nós, a melhor maneira de lidar com a dor é na marra.

Uma coisa que sempre me perguntei quando era criança a respeito da morte era “Pra onde vamos depois daqui?” Quer dizer, tem que ter um alugar, não é?

Acredito no Paraíso e também no Inferno. Coisas que nos ensinavam sobre as antigas religiões. Nunca vi nenhum dos dois mas acredito que existam. Têm que existir. Porque sem um Paraíso, sem Inferno, estamos todos destinados ao limbo. Paraíso... Inferno... Limbo... ninguém sabe ao certo para onde vamos... ou o que nos espera quando chegarmos lá. Porém, a única coisa que podemos dizer com certeza, com toda segurança... são os momentos que nos levam a outro lugar. Momentos são Paraíso na Terra. E talvez, por ora, seja tudo o que precisamos saber.

— Perdi os dois essa noite – Limpo o nariz na manga do casaco enquanto Jason me abraça. Parece que o sol finalmente perdeu a timidez e resolveu parar de se esconder – Ele não conseguiu sair, e nem o Darko, então sei que não é coincidência. E a Hazel, ela... finalmente tinha conseguido o que queria, era humana, estava feliz. Os dois deviam estar aqui, aqui comigo.

— Você ainda tem a mim, ok? Vai ficar tudo bem.

— Naquele quarto, quando as luzes se apagaram, e me puxaram para um buraco sem fim, fiquei apavorada.

— Eu também.

— Mas agora sei que você não estava lá. Sempre me senti segura contigo. Mesmo quando partiu, sentia-me segura. Talvez seja por isso que tudo aconteceu com a gente.

— Devíamos voltar ao que éramos, por um minuto?

— É, só por um minuto – Digo e ele me aperta um pouco mais e me permito inspirar seu perfume. Me agarro ao seu casaco, só para  me certificar de que ele nunca mais vá para longe de mim – Estou dizendo que... de alguma forma meu subconsciente criou você para me impedir de fazer besteira.

— Sinto muito se demoramos, se por causa disso você...

— Não sinta, nem por um segundo – Levanto o rosto e ganho um selinho.

— Preciso te levar pra casa, e arranjar um jeito de encarar sua mãe.

— O que vai acontecer com o corpo da Hazel?

— Miriel está cuidando disso, vamos fazer uma cerimônia amanhã, tudo bem?

— Pode ser, eu só quero que esse dia acabe de uma vez por todas.

O tempo voa. O tempo não espera por ninguém. Ele cura todas as feridas. Tudo que qualquer um de nós quer, é mais tempo. Tempo para se pôr de pé. Tempo para crescer. Tempo para se desprender. Tempo.

Depois de um abraço que deve ter durado minutos, minha mãe finalmente me soltou, e quando pensei que ela ia chorar de alívio ou me abraçar de novo, recebi, na verdade, outra coisa.

— Você está atrasada para o café da manhã. Entre.

— Desculpe, Lanna – Jason diz assumindo a pose de namorado encrenqueiro – A culpa foi totalmente minha, mas infelizmente foi necessário.

— Conheço a filha que tenho – Minha mãe analisou a afirmação dele, assentiu e me levou para dentro, cortando Jason com eficiência ao fechar a porta.

Sem esperar por uma repreensão verbal, eu a abracei de novo.

— Desculpa por tudo mãe. Desculpa por ter mentido e fugido de novo, por te deixar sozinha. Fui insensível, e dessa vez realmente acabou porque Darko se foi.

A boca dela abriu, como se tudo que eu havia dito a deixasse sem palavras por um instante. Ela recobrou a compostura para perguntar:

— Sério? Tem certeza?

— Absoluta.

Como se achasse que minhas palavras tinham sido uma tentativa de livrar dos problemas, ela disse cautelosamente:

— Ainda está de castigo por duas semanas.

Superando todas as expectativas, consegui esticar meus lábios em um sorriso.

— Tudo bem.

Ela analisou meu rosto e sorriu também.

— Talvez uma semana.

— Se acha melhor assim...

— Ou talvez só te dê uma advertência, deve ser pesado isso de salvar gente por aí todo dia – Começo a me afastar, mas ela me chama de novo – Tem uma roupa passada na cama. Toma uma banho, vista-se, e me encontre no carro. De agora em diante não vai passar nem mais um segundo longe de mim.

— E onde estão os papéis da faculdade? Vou me inscrever.

— Ah, Allyson, obrigada.

Era incrível como a percepção podia mudar minha opinião a respeito de um fato. Levando em conta tudo o que aconteceu, minha mãe tinha sido muito gentil comigo no meio daquilo.

Tomei um banho de verdade, coloquei roupas de verdade. Sentei na minha banheira de verdade e permiti que as lágrimas viessem, que tomassem conta de mim e me lavasse de dentro pra fora. Hazel tinha razão: eu precisava disso.

Ouço barulhos de pedrinhas na minha janela e corro até a sacada. Antes de me virar para baixo, encarei bem a janela do quarto do meu amigo. Estava fechada, e continuaria assim por um bom tempo. Se eu fechasse os olhos, conseguia pensar que ele ainda estava dormindo, mas que logo logo apareceria para se arrumar para a escola e mostraria a língua para mim enquanto calçava os sapatos. Se eu fechasse os olhos...

— Psiu! – Jason está ali em baixo – Está de castigo?

— Não, mas vou ficar se minha mãe o vir.

— Obrigada por me escolher, Allyson.

— Eu te amo – Jogo um beijo e entro por quarto novamente – Mãe, vou dormir por cinco minutos! – Grito e rastejo até a cama – Ou talvez cinco dias.

Na manhã seguinte, nos reunimos todos na floresta, perto da enseada Back, Old Port, em um lugar onde Hazel e eu corríamos e perto onde eu fazia planos para o futuro com Adam e costumávamos contar segredos. Enterramos a Hazel ali, mas não tínhamos o corpo dele, e mesmo assim a cerimônia foi linda.

Luto deve ser algo que todos temos em comum, mas parece diferente em todos. Não é só pela morte que temos que sofrer. É pela vida. Pelas perdas. Pelas mudanças. E quando imaginamos porque algumas vezes é tão ruim, porque dói tanto... temos que nos lembrar que pode mudar instantaneamente. Quando dói tanto que não se pode respirar, é assim que você sobrevive. Lembrando-se que um dia, de alguma forma, impossivelmente, não se sentirá mais assim. Não vai doer tanto. O luto vem em seu próprio tempo para todos. À sua própria maneira. O melhor que podemos fazer, o melhor que qualquer um pode fazer, é tentar ser honesto. A parte ruim, a pior parte do luto, é que não se pode controlá-lo. O melhor que podemos fazer é tentar nos permitir senti-lo, quando ele vem. E deixar pra lá quando podemos. A pior parte é que no momento em que você acha que superou, começa tudo de novo. E sempre, toda vez, ele tira o seu fôlego. Há cinco estágios de luto. São diferentes em todos nós, mas sempre há cinco. Negação. Raiva. Barganha. Depressão. Aceitação.

Me lembrei das palavras da Hazel, e como um último pedido dela, me propus a cumprir. Por ela. Por miriel, Kyla, Kaleesa, Ava, Holland. Por Jason, David, Clove. Por Adam.

Nunca se tratou do sangue, da guerra, de Profecias, de nada disso. É o sacrifício, o amor, ele nos salvou. Adam nos salvou. Ele se matou para me dar uma chance melhor, para eu renascer das cinzas dele. Se sacrificou pelo amor que sentia por Marie e por mim. Não sei se esse foi o único modo que ele encontrou de se redimir pela dor que Darko causou. Nunca vou saber.

No fim eu estava certa, ele não nasceu um monstro, não escolheu e nem foi influenciado a se tornar um, ele só morou na casa da frente da pessoa errada, e isso causou sua destruição.

Sabe quando você deixa um alfinete cair no chão do seu quarto e pensa “daqui a pouco eu pego”? Horas depois você se esquece, se distrai, e acaba pisando em cima, sente uma dor terrível. Você sabe que poderia ter evitado com um simples gesto, mas mesmo assim fica com ódio por ter se machucado de forma tão idiota. Você se recusa a acreditar que algo tão inofensivo no momento possa te fazer algum mal. Se esquece que pequenas coisas podem causar dores insuportáveis. Mas aprende que nem toda dor é física.

Então, eu devia ter contado a alguém que minha parte Caída havia acordado antes de entrar em um armazém cheio de nephilins com veias cheias sangue delicioso.

Devia ter contado.

Estou sem me alimentar desde o dia em que saí de Atlântida e minha vontade está ultrapassando todos os limites da sanidade. Penso em como as pessoas viciadas em crack se sentem e me coloco no lugar delas.

— Allyson – Beth surge no corredor com seu terninho bem passado e eu me levanto depois de David apertar minha mão para me dar um pouco de conforto – Soube que sua missão foi um sucesso, afinal, agora podemos dar continuidade aos trabalhos.

— Bom, nem tanto – Sorrio apertando sua mão – Tivemos duas perdas muito grandes.

— Ah, esse rumor chegou até aqui, foi um terrível efeito colateral, não?

— Efeito colateral? – Cerro os punhos para controlar a raiva, controlar os raios.

— Ally...

— Tome essa maldita caixa – Pego a Caixa de Pandora do banco em que eu estava sentada e empurro em direção ao seu peito – Enfie essa maldita espada onde você quiser, e pelo Anjo, não me fale onde. Ah, e deixa eu te falar, pode esquecer a ideia de eu substituir o Peter nessa instituição totalmente ridícula – Um nephilim passa por nós meio assustado e eu rosno pra ele, que sai correndo.

Passo pelas portas de metal pisando duro até meu carro.

— Ei, o que tá acontecendo? – David me alcança e segura meu braço antes que eu pegue a chave.

— Darko ganhou o jogo – Respiro fundo, então respiro fundo de novo e de novo, até conseguir ter uma conversa decente.

— Que?

— O maldito ganhou o jogo! – Repito passando as mãos pelo cabelo. O ódio começa a me consumir agora, a escuridão tomando conta das minhas veias – Tenho certeza que ele morreu com um sorriso no rosto enquanto Adam se sacrificava por mim em vão. Não conta para ninguém, mas vamos precisar de muitos livros para entender o que tá acontecendo. De alguma forma... – Respiro fundo de novo – Darko acordou uma parte de mim que eu não sabia que existia. A parte que não para de sonhar com sangue nephilim, que tem pavio curto e sente prazer em machucar as pessoas.

— Tá dizendo que...

— Também sou Caída agora, continuo um grande farol. O termo técnico pra isso é...

— Jaguar – David adivinha e suspira também – Você continua impressionando, Allyson Hale.

Coloco a mão na cintura e ficamos os dois em silêncio por muito tempo. Por tanto tempo na verdade que penso ter visto uma menina de cabelos louros nos arbustos, mas ela logo desaparece, então pode ser que eu já esteja ficando louca por causa da fome.

— Você precisa me ajudar, David, não posso machucar Kyla ou Miriel, Deus, a Ava. Ainda não acabou, sabia que ainda não tinha acabado, a Profecia... preciso entende-la exatamente, frase por frase. David, acho que na verdade, a segunda fase do jogo só começou.

— Vou te ajudar sim, estamos juntos nessa.

— E não pode contar ao Jason nem sob tortura.

— Eu prometo.

Meu pai me ensinou que o medo é natural, é um instinto bom. Ele também me disse que dá pra decidir do que vamos ter medo. Eu tinha decidido não ter medo do destino, mas se eu estiver certa, não faço ideia de quando vou chegar ao fim. Já tiraram tudo de mim. Tiraram meus amigos, minha família, minha vida, o medo. Não sinto mais medo. Não sinto mais nada.

Pegue algo de mim, e eu vou pegar de volta. Roube de mim, e eu roubarei de você. Se me pressionar, vou bater. É assim que o mundo funciona agora. Meu mundo.

Então cerro os punhos, ergo a cabeça e decido lutar de novo.

Eu sou Allyson Hale, meu nome e meu rosto matam tanto quanto uma arma. Tenho apenas 19 anos e gostaria de voltar no tempo, mudar o destino.


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Notas finais do capítulo

Allyson e Jason pensavam que seus problemas tinham finalmente ficado para trás. Darko estava morto, e apesar de ter levado seu melhor amigo consigo, seu desejo de vingança não precisava ser levado adiante. Ela tinha feito uma promessa a Hazel de que viveria sua vida ao invés de lutar constantemente pelos outros. Na ausência do Caído, porém, Allyson se viu em um destino ainda pior. Agora ela tinha que lutar consigo mesma, tanto no sentido figurado, quanto no sentido literal. Darko deixou um pequeno presente antes de partir, um segredo que Ally precisa guardar, já que além de nephilim, agora é uma Bruxa e Caída, o que, essencialmente significava destruir seus amigos. Allyson nunca deixaria isso acontecer, então conta com David para ajudá-la nessa corrida contra o desejo de sangue e as constantes mudanças de humor. Enquanto Jason começa a ver suas ex namoradas mortas em todo canto, Ally precisa achar um modo de parar isso, mas o que o futuro aguarda é incerto. Cinco anos depois as coisas mudaram, e quando as linhas de combate são finalmente traçadas, Allyson e Jason precisam encarar suas diferenças ancestrais e decidir entre ignora-las ou deixá-las destruir de vez o amor pelo qual sempre lutaram. O que você faria se sua inimiga fosse a cópia exata de você mesma? O que você faria se lutasse com trinta e seis versões de si mesma do passado? Daria conta ou também fugiria para recomeçar? Sabemos que o passado sempre chega para nos assombrar, Ally também sabe.



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