Memórias de TerraUm escrita por Artemys Jenkins


Capítulo 1
A máquina




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— Victor Stone, mais conhecido como “Ciborgue”. Ex-integrante dos Jovens Titãs, ex-integrante da Liga da Justiça e, atualmente, oficial de alto escalão no Regime da TerraUm. É um currículo e tanto...

 

Ciborgue olhou com desconfiança para a oficial que o interrogava, analisando seus cabelos negros e crespos, a pele escura, os olhos castanhos e os lábios grossos. Estava preso em uma sala fria e cinza, aguardando o seu destino após o Regime ter sido destruído por suas contrapartes de um mundo onde as coisas pareciam ser melhores. Sabia que não seria perdoado; entretanto, sua maior preocupação não era consigo mesmo, mas sim com uma jovem de pele pálida e cabelos negros que, no estado em que se encontrava na última vez em que a vira, poderia trazer o fim do mundo num piscar de olhos.

 

— Aparentemente você nem sempre foi simpático ao Regime, senhor Victor. Pelo que parece, até o ano quatro ainda fazia parte do grupo que viria a ser os Insurgentes, correto?

 

— Olha – disse Ciborgue, indo direto ao ponto –, eu sei que é sua obrigação fazer a policial boazinha e tal, mas o que eu ganho se eu responder as coisas que irá perguntar?

 

Mariah sorriu. Imaginara que Victor não compraria sua enrolação, e estava preparada para aquilo. Havia estudado o homem-máquina o suficiente para conhecer boa parte de seus trejeitos. Inclinou seu corpo para trás, colocando as mãos atrás da cabeça e com um sorriso zombeteiro, disse:

 

— Posso começar dizendo que, se colaborar, não será preso como os demais simpatizantes do Regime.

 

Ciborgue se manteve indiferente. Liberdade era algo que não importava muito para ele, uma vez que o mundo em que vivia estava privado de seus melhores amigos e a única pessoa que lhe restara estava desaparecida – e prestes a invocar um demônio interdimensional que iria trazer seu próprio apocalipse de presente.

 

— Talvez eu possa colaborar se você me disser onde se encontra a Ravena.

 

Ciborgue sabia que eles detinham Ravena, e queria saber onde. Queria saber se ela estava bem. Afinal, era a única família que lhe restara...

 

— Ravena está... Segura.

 

Embora a resposta não satisfizesse Ciborgue completamente, era melhor que nada, pensou.

 

— Então, como eu estava dizendo o senhor...

 

— Espere. Ainda há uma condição para que eu colabore com você.

 

A agente se surpreendeu. O que mais Victor Stone poderia pedir a ela? Completa anistia? Que apagasse seu nome dos procurados? Ou será que...

 

— E Garfield Logan? Ele está...

 

— Posso dizer que está seguro, também.

 

Ciborgue voltou a se sentir desconfiado e cético. Seguro poderia, porventura, significar morto? O Regime havia desaparecido com muitas pessoas sem sequer se preocupar em identificar os corpos e, pelo que soubera do seu amigo, estava muito próximo de chegar ao ponto de ser desovado sem ganhar um colar de identificação.

 

— Vai colaborar agora? – perguntou Mariah, debruçando-se sobre a mesa e soando um tanto irritada. Victor Stone não estava em condições de exigir nada, mas, ainda assim, Mariah lhe fazia concessões. Mariah notara, então, que seu tom irritado em nada havia mudado a postura cética de Victor. Jogando a última de suas cartas enquanto já se preparava para dar voz de prisão ao antigo integrante da Liga da Justiça, Mariah sentenciou – Se nos ajudar eu... Levo-o para onde Garfield Logan e Rachel Roth estão.

 

— Eu espero que não esteja mentindo, porque se tiver...

 

Mariah sabia que Victor a caçaria, e caçaria cada uma das pessoas que mentiram para ele. Entretanto, resolvera arriscar, simplesmente levantando uma sobrancelha. Victor se debruçou mais sobre sua cadeira, cruzando os braços em um gesto de impaciência. Era melhor que começasse logo.

 

— Vejamos... O senhor não era simpático ao Regime desde o início, correto?

 

Victor apenas acenou a cabeça, não querendo se estender no assunto.

 

— Não há registros de que o senhor tenha se voluntariado magicamente a servir Superman, senhor Stone. Acreditamos que o senhor tenha sido... Coagido.

 

Ciborgue se mexeu desconfortável na cadeira. Coação? Não. Fora chantagem. Chantagem, compra, manipulação, um desejo doentio de ver aqueles que se opunham sofrer.

 

— Se importa de dividir conosco?

 

“Então eles têm uma escuta aqui”, pensou Ciborgue, “bem que eu imaginei que essa coisa dando interferência nos meus circuitos de áudio não era defeito...”

 

— Dividir o quê?

 

Mariah suspirou. Homem difícil.

 

— O que fez com que você deixasse os Insurgentes e se unisse ao Regime da TerraUm.

 

Antes que Victor pudesse responder, Mariah emendou:

 

— Não está nos autos, mas temo que um dos motivos tenha sido Rachel Roth... Não?

 

Como não, mulher estúpida?! Depois que Koriand'r havia sido enviada de volta a Tamaran – contra sua vontade, claro está; Wally e Donna haviam desaparecido; Dick fora morto pelo seu próprio sucessor; por Tesla!... Haviam sumido, inclusive, com Tara quando ela se recusara a receber ordens de qualquer pessoa; saber que Superman e seus asseclas tinham não somente Ravena, mas também Mutano em seu poder era motivo mais que suficiente para que Ciborgue se aliasse ao Regime de TerraUm.

 

Exceto que em todos os seus anos de servidão, Victor não vira seu melhor amigo uma vez sequer, duvidando, inclusive, que Garfield estava vivo.

 

— Se importa em dizer como tudo começou?...

 

— E qual a relevância disso? Não acho que saber do meu sofrimento possa mudar alguma coisa em este momento de transição.

 

— Mas pode ser a única maneira de deter Trigon, que nós dois sabemos que está a poucos passos de ser libertado pela sua amiguinha bruxa.

 

Victor apertou os punhos metálicos, segurando-se para não agredir a investigadora a sua frente. Ninguém chamava Ravena de bruxa, oras! Aquilo era... degradante. Aguentar aquele escrutínio e sarcasmo, quer dizer. Então era assim que os criminosos que interrogava se sentiam...

 

Victor não gostara nem um pouco daquela sensação.

 

Aquela sensação de impotência.

 

Sabia que estava à mercê da mulher à sua frente, e sabia, também, que não tinha muitas escolhas além de colaborar com seus captores. Suspirou e resolveu iniciar. Iria doer, mas ele sabia que, a partir daquele momento, era a única coisa que poderia lhe dar a esperança de salvar a Terra... A única coisa que poderia lhe dar a esperança de salvar Ravena.

 

— Você quer a história curta... Ou a história longa? –, perguntou, ainda um tanto irritado e receoso. Mariah cerrou os olhos, respirou fundo, e tentou se conter.

 

— A história longa, por favor.

 

— Então, aqui vai...

 

“Eu podria dizer que tudo começou quando Superman fugiu do controle, mas isso seria estar sendo óbvio demais. Então digo que começõu quando ele começou a vir atrás de nós. Eu, Donna, Dick, Gar, Wally, Kori, Rae. Sei também que ele chegara a recrutar Virgil e Conner, um deles sem sucesso. Superman ainda não tinha chegado ao ponto de assassinar para conseguir seus objetivos, mas acho que ouvir um não de todos os Titãs de uma vez junto de alguns amigos da Liga da Justiça foi um tanto frustrante pro ‘de Aço’

 

Desde o início sabíamos que o maior interesse dele era a Ravena. Sempre foi. Todos os outros de nós, todas as outras pessoas, eram apenas meios para conseguir chegar nela. Então quando ele...”

 

— E mesmo sabendo disso – disse Mariah, anotando mentalmente suas palavras a fim de usá-las contra Ciborgue em algum momento de seu depoimento –, você se aliou a Superman?

 

— Você já passou pela situação de não ter escolha além de se vender para alguém que despreza a fim de manter sua família segura?

 

Mariah negou. Passara por dificuldades em sua vida, dificuldades que não deveriam ser mensuradas, mas nunca se vira na desesperante situação de ir contra os seus princípios para salvar as pessoas que amava.

 

— Foi o que pensei.

 

“Como eu já tava dizendo, quando ele foi atrás da Ravena, ela estava na Torre Titã. Achou a ideia bastante absurda e disse para Superman nunca mais voltar. Disse a ele que não se uniria de maneira alguma ao Regime que ele estava criando, que tudo aquilo era sandice, que de Mal em sua história já bastava sua linhagem.

 

Ravena disse que ele nunca conseguiria subjugá-la, e que ele podia tentar o que fosse que ela nunca iria se curvar...”

 

— Assim como você?

 

Ciborgue a fitou, os sentimentos de irritação e ofensa claros em seu peito, corroendo seus circuitos com um ódio que nunca sentira antes. Aquela mulher. Aquela mulher estava testando os limites de sua paciência. “Seus amigos”, Ciborgue pensou, “faça isso por seus amigos.”

 

— Olha, moça, eu só entrei nessa palhaçada toda por causa da Ravena.

 

— Da Ravena?

 

Ciborgue assentiu. Mariah iria iniciar um novo discurso, que Victor adiantou como sendo algum tipo de especulação de relação amorosa entre ele e a empata, o que ele nunca negaria.

 

Afinal, ele realmente a amava.

 

Da mesma maneira que amava seus outros irmãos Titãs.

 

— A Ravena pode parecer durona, mas ela é uma pessoa bastante sensível. O processo foi muito mais doloroso pra ela do que pra mim, minha senhora.

 

O sarcasmo de Victor não agradou à policial, mas ela resolvera deixar passar... Daquela vez.

 

“Depois que o Superman foi falar com a Ravena, ele começou a tentar nos aliciar para o lado dele, pra ver se a Ravena deixava de ser teimosa e apoiava ele. Mas é claro que nenhum de nós, exceto Connor, aceitou. E então, ele começou a caçar todos os Titãs. Um a um.

 

Os primeiros foram os membros mais novos. Por muitos ainda serem menores de idade, acabou que a legislação do regime proibiu crianças de usarem seus poderes. Esse foi um ataque suave, não abalou tanto a ela quanto ele achava que fosse. Então as coisas começaram a ficar mais pesadas, sabe? Pessoas próximas começaram a desaparecer.

 

A primeira a sumir do mapa foi Donna, que a gente descobriu ter sido morta quase um ano depois. Depois foi Kori, que ele mandou de volta para Tamaran a troco de nada. Acho que é importante dizer que o Wally também aceitou trabalhar pro Super depois de um tempo, e eu sinceramente não sei a troco de que até hoje. Nunca vamos saber. Afinal ele está morto... Como todos os outros...”

 

Mariah percebeu que Victor havia interrompido seu discurso e que respirava de maneira sôfrega. Talvez estivesse se segurando para não chorar. Poderia ser, também, algum tipo de estratégia a fim de comovê-la. Mariah esperou, pacientemente, que Victor continuasse, mas parecia que ele não estava muito disposto a prosseguir.

 

— A gente... Pode fazer uma pausa? – perguntara, com a voz notadamente sofrida. A investigadora negou; não estava com disposição de entrar no jogo do ex-Liga da Justiça... Se é que era um jogo.

 

Ciborgue suspirou. Como, como ele desejava conseguir voltar no tempo, para uma época em que as coisas eram mais simples...

 

“Depois de Donna, não tivemos mais notícias de Tara. Não que Ravena se importasse com ela, as duas sempre se detestaram de maneiras que nem mesmo ela era capaz de descrever. Mas Ravena não era burra, nunca foi, e percebeu que Superman apenas tinha feito isso para mostrar que, ao lado dele, ela poderia ter algumas vantagens.

 

Acho que a única pessoa que ele não tentou aliciar por ela foi Asa Noturna. Mas isso não importa, nada mais importa...

 

O que importa é que, depois de todos esses desaparecimentos estranhos e mortes sem explicação, Ravena começou a ser afetada. Ela começou a se culpar, a achar que estava fazendo errado... A cogitar se unir a Superman em seu regime insano.”

 

Victor parou. Seu rosto e seu olhar ficaram ainda mais baixos.

 

— Sabe? Eles sequestraram o Gar.

 

Mariah lançou-lhe um olhar cético. E daí que eles haviam “sequestrado ‘Gar’”? Isso era digno de nota?

 

— Refere-se a Garfield Logan, também conhecido como “Mutano” ou “Rapaz-Fera”?

 

Victor assentiu. Não queria entrar nessa parte da história, que era, basicamente, a parte onde as coisas começavam a ficar sombrias. A parte onde Ravena perdia o controle… A parte onde seu mundo ruía.

 

— Sequestraram o Gar e começaram a chantagear a Ravena. – disse Ciborgue, baixando a cabeça e suspirando, tentando, inutilmente, se acalmar – Mandavam fotografias do lugar onde ele estava e diziam o que fariam com ele se ela continuasse a negar ser uma das armas de Superman.

 

Mariah ainda não entendia a relação de Rachel com Garfield. Não havia nada em seus autos e anotações que sugeria algum tipo de relação afetiva. Na verdade, parecia que a bruxa simplesmente não era amiga de ninguém; Victor Stone estava provando que sua papelada errara feio.

 

Vossa senhoria parece um tanto confusa – inferiu Ciborgue, com um tom de escárnio que desagradou Mariah bem mais do que as insubordinações anteriores. Querendo encurtar uma história bastante comprida, Ciborgue fixou seu olhar em sua interrogadora e algoz, e, procurando as palavras para descrever a montanha russa que era o relacionamento de seus dois melhores amigos, explanou:

 

— Estavam apaixonados um pelo outro. Por anos. Não estavam juntos na ocasião, porém era de conhecimento público que Gar era a pessoa mais importante da vida de Ravena.

 

“O que me leva à continuação deste relato. Ravena começou a enlouquecer. Seus princípios estavam turvos e tudo no que ela acreditara até o momento parecia ser uma rede muito bem tecida de mentiras. Sua mente estava cada vez mais caótica; o Mal dentro de si se manifestando com cada vez mais força, manipulando sua já debilitada saúde mental para que tomasse o controle.

 

A bem da verdade, Ravena se entregou em troca de Gar. Mas acabou ficando lá por conta de sua própria insanidade… de sua própria Raiva. O seu ponto fraco havia dominado não somente seus pensamentos, mas também seu corpo e se tornado a própria Ravena. Foi neste momento em que resolvi tentar intervir.”

 

— E conseguiu? – perguntou Mariah, mais interessada na história de Victor do que gostaria.

 

— Não estaria aqui se tivesse conseguido, não acha?

 

Mariah estava se cansando da insolência do criminoso, mas tentou não demonstrar. Sem sucesso.

 

Victor ia voltar ao seu discurso quando o comunicador de Mariah tocou. Parecia haver uma comoção na sala ao lado, algo que dera terminalmente errado e que não estavam conseguindo controlar. Sua ajuda era necessária. Voltando a lacrar as algemas na cadeira onde Victor se sentara, Mariah saiu da sala, mas não sem antes de dizer:

 

— Não ouse sair desta sala. Volto em breve. Afinal, parece que verá sua amiga antes do que havíamos previsto…

 

Ciborgue olhou para o teto, sentindo-se desesperançoso.

 

Do que adiantaria ver Ravena se não podia ajudá-la? Seu coração estava partido em tantos pedaços que sua mente jamais conseguiria juntar. Estava condenada… e as únicas pessoas que conseguiriam parar o relógio da destruição estavam desaparecidas.

 

Ou mortas.

 

Olhou para o chão, enquanto amaldiçoava Superman e todas as gerações de kriptonianos que já pisaram sobre este Universo.

 

Por que pensar no futuro se ele não era promissor?


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Notas finais do capítulo

Como eu disse, era pra ser uma one shot, PORÉM mudei de ideia então agora vocês vão ter de esperar para saber quem é a pessoa ~bagunceira~ na sala do lado (como se já não fosse óbvio).

O começo da fic e o fim tem uma diferença de mais de um ano e meio, então acho que vão ter alguns erros de continuidade e estilo, já que eu meio que me perdi no meio do caminho #chora. APESAR DISSO, isso garantiu mais participação pra Ravena (e talvez até pro Mutano, olha só que vantagem), PORÉM também garantiu mais sofrência (pra todos). Eu não presto. :(

Espero que tenham gostado deste primeiro capítulo e espero vocês no próximo (pufavô *olhinhos de filhote perdido*)



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