O Andarilho escrita por netobtu
O corredor agora estava deserto e o Homem, o cão e o malabarista, não necessariamente nesta ordem, começaram a caminhada silenciosa e cautelosa pelo corredor. Tomando todo o cuidado possível para não fazer nenhum barulho, alcançaram uma escada que descia até algum lugar que era impossível para eles saberem aonde dava, visto que foram levados vendados até a cela (somente o cão sabia, mas, até o presente momento, ele não dava o menor sinal de saber conversar a língua dos outros dois). Havia uma tocha que ardia iluminando o arco que dava para o início da escadaria e o Homem achou uma boa idéia pegá-la e levá-la consigo, afinal ali estava muito escuro.
A tocha foi iluminando o caminho à frente e o Homem foi descendo a escadaria (seguido pelo cão e pelo malabarista, claro). Pode parecer estranho para nós (pelo menos para mim é), mas o fato de não se ouvir nenhum ruído ou não se ouvir nenhuma sombra deixava o Homem muito mais alarmado, como se houvesse algum inimigo feito de sombra e silêncio logo à frente, pronto para recrutá-lo para um exército morto. O Homem agora estava suando frio. Tinha frio porque estava relativamente frio e suava devido ao medo e ao calor que emanava da tocha.
O lugar claramente estava abandonado, talvez fosse apenas uma prisão improvisada pelos seres que haviam ali na cidade. E, ainda mais, talvez ele e o malabarista tivessem sido os primeiros presos, pois não havia sinal de nenhum outro prisioneiro por ali.
- Isto não está certo. - disse o Homem.
- O quê? - perguntou o malabarista.
- Esta situação, cadê a polícia? Cadê os outros presos?
- Bom, eu que não hei de saber, cheguei aqui ao mesmo tempo que você. Mas por que você quer saber aonde eles estão? Não seria bom encontrá-los, eles não gostam de nós.
- Eu não quero encontrá-los, será que você nunca entende o que eu falo? Eu só acho estranho não ter ninguém aqui. Bom, chega de conversa porque se formos ouvidos, vai que aparece alguém e aí o que será de nós?
Passou por mais alguns corredores e se deparou com um elevador. Havia ao lado uma escada também. O Homem sentia-se esgotado, estava cansado de ter opções, pois a única que ele queria ter (a morte, no caso), nunca lhe era concedida e ele era covarde demais para cometê-la contra sua própria vida. Ele estava tão cansado que tomou a decisão mais idiota possível, decidiu ir de elevador, iria descansar um pouco as pernas, pensou ele. Apertou o botão e este se acendeu. A tocha na sua mão iluminava todo o corredor e a porta do elevador. "Pim!", fez a máquina e a porta se abriu.
O Homem entrou e ficou olhando para a infinidade de botões à sua frente. Aí que ele se lembrou que nunca havia usado um elevador em toda a sua vida, só havia ouvido pessoas das cidades grandes falando sobre.
- Droga, o que eu aperto? - perguntou ao malabarista.
- Ah, aperte pra descer... - respondeu-lhe.
- Não tem um botão com uma seta pra baixo! Só tem esse monte de número! Será a velocidade?
- Ah, eu não sei.
De repente, as portas do elevador se fecharam e ele entrou em movimento.
- Eu não apertei nada! - disse o Homem, levando as mãos (e a tocha) par ao alto, como quem tenta se livrar de uma culpa, tal como fazem os jogadores de futebol que dizem que não fizeram nada para o árbitro.
O Homem começou a tremer e a suar mais ainda. O elevador ia no seu ritmo de sempre, mas o Homem pensava que estava indo devagar demais. Ou rápido demais, ele não queria descobrir o que aconteceria quando a porta se abrisse. "Pim!", novamente.
As portas começaram a se abrir e o Homem ficou ao lado da porta, com a mão que segurava a tocha erguida, pronto para desferir um golpe flamejante em quem quer que ali entrasse. Finalmente, entrou e o Homem desferiu um golpe, apertou todos os botões do elevador (não sei por que ele fez isto, sinceramente, já que não sabia para que servia; deve ter sido devido àquela vontade incontrolável que temos de apertar todos os botões que nos são desconhecidas suas funções), largou a tocha ali mesmo e saiu correndo, seguido pelo cão e pelo malabarista. Olhou para trás e viu uma cena terrível, no chão do elevador uma figura encapuzada se contorcia, o fogo lhe atingindo todas as partes do corpo. Os gritos eram ensurdecedores, exatamente como os gritos de alguém que está sendo queimados são. A porta foi se fechando, o fogo se alastrando pelo carpete do elevador. Os gritos só pararam quando as portas se fecharam por completo, defumando o ser, e o elevador começou sua jornada.
Pelo destino ou por coincidência, eles estavam no térreo e uma grande porta de entrada (e saída) do edifício podia ser avistada no fim do corredor, aberta e convidando-os para tomar um ar lá fora.
- Não acredito! Viemos parar exatamente aonde queríamos! - exclamou o Homem, feliz.
- Engraçado, quando eu mato alguém, você fica triste, apreensivo, bravo. Você acabou de matar ali atrás. - disse o malabarista, reclamando.
- Ali era eu ou ele, pode ter certeza. Não me importo mais, sinceramente. Tudo aqui é muito louco, tudo quer me matar, parece que fazem um esforço enorme para que eu morra.
- Tem toda razão. A melhor coisa é que passemos por todos estes assassinos de você.
O Homem então liderou-os para a saída, respirando forte o ar puro que adentrava agora em suas narinas e invadia seus pulmões. O cão correu, sentindo-se mais livre. O malabarista nada fez, a não ser espreguiçar-se um pouco.
Ouviu-se um ronco enorme e o Homem percebeu que vinha de sua barriga. Agora, mais calmo, seu corpo podia pensar em outra coisa que não medo e desespero. Estava com fome, simplesmente.
- Preciso comer algo. - disse para o malabarista.
- Será que tem alguma lanchonete aberta? - o malabarista esbugalhou os olhos inexistentes para o Homem.
- Lanchonete? Você é louco? Vamos ter que ir atrás de algo para comer, mas pode ter certeza que não vai ter lanchonete aqui. A cidade está claramente em estado de guerra, vamos ter que invadir algum lugar e comer alguma comida horrorosa, como sempre. Só espero não ter que repetir as baratas de uns dias atrás.
- Você já comeu baratas?
- Sim. - o Homem percebeu que isso lhe envergonhava.
- E qual o sabor?
- Não tem muito sabor, não, eu acho. Na verdade, não me lembro do sabor. Sei que era crocante.
- É, que é crocante eu imagino. Fascinante, você comeu baratas!
- Pare com isto, não é nada fascinante. Foi necessário, infelizmente.
O Homem atravessou a rua e parou em uma praça, ali sentou-se um pouco em um banco e ali ficou um tempo. Estava esgotado, com sono, porém não iria se permitir dormir. Sua cabeça estava pesada, dolorida, as costas lhe pediam que deitasse em um colchão macio. E a barriga deu outro ronco, dizendo que também queria um pouco de atenção.
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