Capítulo 38 - Mudando para melhor

E a vida cotidiana de nossos amigos em Marinário continuava tranquila, claro, guardadas as devidas proporções...com uma confusãozinha aqui, uma briguinha ali, mas, no fim, tudo ia como sempre.

- E então? Que tal? - pergunta tio Natan a Renata, enquanto ela mais uma vez, varria o chão do quiosque (mesmo que ele enchesse de areia pouco tempo depois)

- O que, tio? - ela pergunta, curiosa.

- Como está a cozinha? Fiz questão de arrumar tudo direitinho hoje! - ele responde, orgulhoso de seu feito.

- Bem... - ela para e analisa o local. Aparentemente estava tudo bem arrumado. Mas será mesmo? A loirinha tenta abrir um dos armários e quase é atingida por uma avalanche de pacotes - ...Olha, tio...quando o senhor arrumar a cozinha, não tente colocar tudo junto num armário só

- Poxa...mas fazendo isso liberei tanto espaço na cozinha - ele lamenta. Natan ainda estava tentando se tornar uma pessoa mais organizada para conseguir uma reaproximação com Fabíola, seu grande amor do passado. O problema é que sua verdadeira natureza era bastante difícil de lidar. E todos sabemos o quanto é complicado modificar velhos hábitos. Nosso amigo Thiago que o diga.

- Então...vou querer essa porção, tá? - uma cliente da praia fazia um pedido a nosso heroi, que, eficiente no trabalho como sempre fora, sempre dava grande atenção aos fregueses, principalmente quando se tratava de uma bela moça com lindas curvas.

- É pra já - ele responde, anotando o pedido e secando cada gotinha do corpo da garota com os olhos. Mas, antes de começar a babar, ele é abordado por uma pessoa conhecida.

- Bu! - chega Raquel, tentando pregar um susto nele.

- Raquel? - reage Thiago, mudando da postura de babão pervertido para um babão apaixonado. Até agora, Raquel foi a garota que realmente mexeu com seus sentimentos mais profundos - Passeando por aqui?

- Ah, você não se assustou - ela lamenta - Pois é...passei na casa do meu avô para deixar um recado e aproveitei para fazer uma visitinha

- Que bom! Isso é muito bom mesmo! - ele sorri, com cara de bobo. Faz-se alguns instantes de silêncio e os dois ficam ali, se olhando e encarando sem dizer muitas palavras.

 - Então...o que tem de novo? - pergunta Raquel, sorrindo simpática.

 - Ah, perdão! Sente-se aqui, por favor! Que cabeça a minha! Vai pedir alguma coisa? - diz Thiago, finalmente despertando de seus devaneios e oferecendo todo o serviço possível para a mocinha.

  - Se tiver água de coco...aceito - diz ela, simpática.

  - É para já - diz Thiago, prontamente, levando o pedido para a cozinha.

  - Bem, não estranhe se os pedidos demorarem mais para sair, viu Thiago? - diz Renata, também sorrindo.

  - Por que? 

 - Tio Natan arrumou a cozinha hoje. Então, algumas coisinhas estão fora do lugar

 "Esse cara realmente tem problemas de organização", pensa Thiago, "Não que eu possa falar muito, mas..."

  Nisso, Mariana também chega com mais um pedido e entra na conversa. 

  - Puxa vida, justo hoje que está movimentado - ela comenta, aproveitando para encostar no balcão e descansar um pouco.

  - Estou vendo - comenta Renata - Até a Raquel veio hoje, né?

  - É verdade...preciso avisá-la que a água de coco que ela pediu vai demorar um pouco - diz Thiago, em tom de preocupação.

  - Que é isso, Thiago? Ela não vai morrer se esperar, não! - comenta Mari.

   - Mas...e se ela tiver com pressa?

   - Ah, aí você pode levar ela no seu cavalo branco. Que tal? - alfineta a loirinha.

   - O que foi, Mari? A Raquel te fez alguma coisa? - estranha o rapaz.

   - Não, não fez nada. Esquece o que eu disse. - ela responde, percebendo que deu uma certa bandeira.

   - Acho que sei o que isso significa - diz Renata em um tom provocativo.

   - O que? - Thiago ainda não estava entendendo muito bem a conversa.

   - Nada, nada - Re também disfarça - Mas vai lá, faz um pouco de companhia para a Raquelzinha, coitada. Afinal, ela veio aqui só para fazer uma visitinha

    - É verdade! - comenta Thiago - Ela poderia ter me esperado em casa, mas veio até aqui..será que...será que ela também tem alguma..

   - O porção tá pronta! - grita tio Natan, interrompendo o raciocínio de Thiago. O garoto pega o prato e leva até a moça bonita do primeiro pedido. Enquanto isso, Mariana e Renata continuavam trocando algumas ideias.

   - Que ciúme, heim, maninha? - provoca Renata.

   - Ciúme? Ciúme do que? Daquele babaca? Eu só não suporto essa babação de ovo dele pela Raquel, só isso! - responde Mari, claramente caindo na provocação.

   - Sei bem como você não suporta - a irmã continuava - Mas você tem sorte da Raquel não corresponder ao Thiago, né?

   - Hã? Do que você tá falando?

   - Bem, é que...ao que parece...ela curte mais aquele seu amigo da faculdade. Lembra daquele dia na praia?

   - Aaa...o César? - Mariana se faz de desentendida - É...acho que eles formariam um casal legal

   - Claro que acha. Seria ótimo para você, não seria?

   - Ai, quantas vezes eu vou ter que dizer? Eu não sinto nada demais pelo Thiago! Sou só amiga dele e pronto!

   - É...e eu sei o quanto você é cabeça-dura em não admitir o contrário

   - Não enche o saco, Renata! Você não tinha que continuar limpando?

   - Tô limpando, maninha...tô limpando e observando. Observando tudo

  - Sei. Sei o quanto você observa. 

  Enquanto isso, Thiago se aproxima mais uma vez de Raquel, logo após entregar o pedido da outra cliente. Ela parecia bem confortável.

 - Desculpa. Seu pedido pode demorar um pouco, viu?

 - Beleza. Não estou com pressa.

 - Estudando bastante?

 - Bastante. Hoje preciso rever Biologia. Ai, mal vejo a hora de entrar na faculdade

 - É bem legal, mas também é puxado

 - Eu sei, vejo o quanto você e a Mari estudam

 - Né?

 - E...aquele amigo de vocês, o César...ele também parece ser bem esforçado

 - É..é um cara esforçado

 - Imagino - ela termina, com um brilho no olhar só de falar o nome dele. 

 "Então ela realmente gosta do César? Tudo bem, pelo que eu falei com ele, não rola, mas...eu não posso dizer isso na lata para ela. E se ela não se declarar? Vou ficar chupando o dedo até ela se tocar que está iludida? Talvez seja melhor dar um basta nisso agora! Isso! Eu vou jogar a real! Agora!"

  - Raquel - diz Thiago, com a expressão mais séria que conseguia.

  - Sim?

  - Preciso te contar uma coisa

  - Pode falar

  - Bem, sobre você gostar do César

  - Você descobriu mais alguma coisa? Ele gosta de alguém?

  - E-Espera, não, não era exatamente isso

  -Tudo bem - ela diz em um tom desapontado - Mas agradeço por estar me ajudando. Você é mesmo um bom amigo, Thiago!

  "Isso não tá dando certo. Não era para você falar desse jeito tão meiguinho...e agora? Perdi o clima...O que mais falta acontecer?"

  Bem, uma outrafigura também se aproxima da mesa e reconhece Thiago.

  - Thiago! Há quanto tempo! 

  - Essa voz...Ah, Júlio Lopes - diz o rapaz, não muito animado em ver o playboy. Apesar de que, naquele dia, ele não parecia estar usando roupas tão na moda e sua voz passava um tom mais simpático do que de costume.

  - E aí? 

  - Beleza?

  - Seu amigo? - pergunta Raquel 

  - Sim. Júlio Lopes. Prazer

  - Raquel - a mocinha sorri. 

  "Oh, droga, ele vai dar em cima dela? Vai dizer que preciso me preocupar com mais um cara?", pensa Thiago.

  - O prazer é meu. Thiago. A Renata está? - é tudo que Júlio diz.

  - Hã? - o garoto estranha. Ele não mudou o tom nem um pouco. Parecia diferente.

  - Perguntei se a Renata está. Preciso falar com ela de novo

  - Espera um pouco...vem cá - Thiago puxa Júlio para um canto e troca uma ideia com ele - Você está bem, não esta?

  - Por que não estaria?

  - Bem...é que normalmente você daria em cima daquela garota ali, não? - diz Thiago, olhando Raquel, que aguardava a chegada de seu pedido.

  - Ah, não, não. Quem faria isso seria o antigo Júlio

  - "Antigo Júlio?" - repete Thiago.

  - Agora eu sou um cara diferente, Thiago! Resolvi me tornar uma pessoa humilde, que ajuda o próximo e que serve a uma mulher só!

   - Uma mulher só? E seria...

   - Renata! - grita Júlio, ao ver sua diva se aproximando com a vassoura.

   - Oi. Há quanto tempo! - ela responde, com um sorriso. De fato, a garota era uma das pessoas mais sossegadas do mundo. 

   - Renata! Preciso te apresentar uma nova pessoa! - dizia Júlio, pegando nas mãos dela e olhando bem no fundo daqueles olhos verdes.

   - Quem? Algum amigo seu?

   - Digamos que sim...estou falando de mim

   - Mas eu já te conheço, Júlio.

   - Não. Você conheceu o velho Júlio. Um cara folgado, aproveitador e que não respeitava as mulheres. Mas agora sou diferente. Sou só seu, Renata. Você é a única pessoa capaz de me completar!

   - Que lindo - comenta Raquel, assim que Mariana finalmente chega com a água de coco dela.

   - Lindo, é? - Mari retruca ironicamente - Quero só ver onde isso vai dar

   - E....onde você quer chegar? - pergunta Renata.

   Júlio se ajoelha e se declara mais uma vez.

   - Eu te amo, Renata! Quero ser só seu! - ele diz, em tom apaixonado.

   - Ooooh! Que demais! - comenta Raquel.

   - Vergonha alheia - comenta Mariana, virando o olhar.

   - Por favor, se levante - diz Renata, sorrindo - O chão via molhar sua calça

   Júlio realmente percebe isso, mas ainda não se intimida. Ele se levanta e olha Renata nos olhos de novo.

   - Então...você aceita?

   - Desculpe, mas não

   - Não?

   - Já disse isso antes, né? Agora, com licença, preciso voltar para o trabalho - a loirinha responde, com um sorriso simpático.

    - Mas...mas...eu mudei! O que eu preciso fazer para provar que eu mudei?! - ele gritava. Tio Natan se aproxima.

    - Sei como se sente rapaz...também estou tentando me tornar uma pessoa melhor - diz o proprietário do quiosque, dando um tapinha no ombro dele.

    - Tadinho - comenta Raquel - Parecia sincero

    - Mas a resposta dela também foi sincera, não? - responde Mariana.

    - É. Isso é verdade - diz Raquel, suspirando.

    - Raquel? - pergunta Mariana.

    - Sim?

    - Você está gostando de alguém, não está?

    - Bem... - ela responde, mexendo no canudinho do coco - Pode-se dizer que sim...ai, que vergonha

    - Não precisa ter vergonha. Pode se abrir. Somos amigas, não somos? 

    - Ai, é que uma coisa meio boba...sei lá...acho que não tenho muita chance

    - Alguém que eu conheça? - a loirinha pergunta, mesmo já sabendo a resposta.

    - Sim - responde Raquel - Aquele seu colega de faculdade, o César. Acho que estou mesmo a fim dele

    - Sério? - ela diz, fingindo surpresa - Ah, que fofo...se quiser, eu posso te ajudar

    - Pode mesmo? Que bom! Eu tinha conversado isso com o Thiago, que é mais amigo dele, mas ele não conseguu muitas informações

     - O Thiago, é? Bem, não sei se ele conseguiria muita coisa mesmo...mas...eu posso falar com ele

     - Não vai dizer na lata que eu gosto dele, vai?

     - Não, não. Mas eu posso arrumar algum encontro para vocês

     - Sério? Isso seria o máximo! - diz Raquel, com um sorriso animado.

     "Seria...principalmente para mim que não aguento mais ver o Thiago com essa babação toda. Bleh! Vamos ver...acho que o César não está gostando de ninguém no momento..."

       Será que isso é mesmo uma boa ideia?