Capítulo 108 - Confusões de Hotelaria

 E começam os primeiro dias de trabalho de Thiago no Quiosque da Sereia (ou antigo Quiosque Twin) que havia sido transferido para o interior do Hotel Himura. Tio Natan estava mais feliz do que qualquer um, tendo uma cozinha muito mais ampla e um espaço muito maior. Além disso, era ótimo trabalhar menos e ganhar um salário ainda maior.

- E aí? Muito ocupado - provocou Renata, dando um tapinha nas costas de Júlio que cochilava em cima da mesa.

- Ah, Renatinha - ele levantou imediatamente - Ah, pois é, é que...aqui tem bem menos movimento, né?

- Não é de se admirar - disse ela - Não é alta temporada, então não tem tantos hóspedes, mas eu já vi um pessoal por aí...a melhor parte é que por ser um hotel de luxo o valor dos pratos aumentou bastante se comparado ao quiosque, o que quer dizer que vamos ganhar bem mais.

- Não é tanto assim, é? - comentou Júlio.

- Bem, você não percebe a diferença porque ainda é mais baixo que a mesada que você ganhava.

- Ei, calma, eu não quis parecer metido nem nada e...

- Ah, relaxa, é o seu jeito natural de ser, já me acostumei  com isso.

- Então..será que você poderia se acostumar com as minhas qualidades?

- Que qualidades? - perguntou Renata.

- Bem, trabalhar aqui não mostra que sou uma pessoa esforçada.

- Esforçado? Mas você tá cochilando!

- Mas o que tenho pra fazer?

- Bom, podia dar uma varrida no chão, né? - falou Renata.

- Achei que o pessoal da limpeza já fazia isso.

- Ah, é. E não é que é. Eles vão ter trabalho com o tio Natan - balbuciou Renata. Nisso, tio Natan entra em cena.

- Falando de mim?

- Ah, tio - assustou-se Renata, quase pulando pra trás - Não quis ofender, só..

- É...eu sei que sou um pouquinho bagunceiro...

 "Um pouquinho?", pensou Renata.

- Mas vejam só esse lugar - falou ele - Está um brinco. Tudo brilhando. É fantástico!

- Acho que ele não tá muito acostumado a ver lugares limpinhos assim - falou Renata baixinho para Júlio. Nisso, Thiago finalmente chega da faculdade quase colocando os pulmões para fora.

- Ufa! Cheguei a tempo! Arf..arf... - disse ele.

- Calma, Thiago - disse Renata - Você veio correndo ou algo assim?

- É claro - respondeu ele - Tenho que assinar meu ponto exatamente às 13 horas e minhas aulas na faculdade acabam onze e quarenta. É um sufoco chegar aqui. E olha que nem é tão longe.

- Heh! A vida não é fácil mesmo - falou Júlio - Temos que nos esforçar, Thiago. 

- Muita moral de alguém que estava dormindo até agora - lembrou Renata.

- Cochilando enquanto não tínhamos clientes. É diferente! - reclamou Júlio.

- Mas comparado com o quiosque antigo até que tá bem vazio, né? - reparou Thiago, enquanto deixava sua mochila nos fundos - Será que vamos vingar aqui?

- Pode apostar que vamos - falou tio Natan - Estou confiante! No melhor hotel de uma cidade turística, é claro que isso aqui vai bombar.

- Bem, é verdade que só gente rica se hospeda aqui - falou Renata - Mas eles não aparecem o tempo todo. Até lá, o que a gente faz?

- Tem baralho aí? Podemos tirar uma partida de truco - sugeriu Júlio.

- Se a Katia ver isso, estamos todos despedidos - falou Thiago - Vocês não conhecem aquela figura...ela pode ser bem malvada quando quer e..

 Os outros ficaram em silêncio de repente, quando Thiago levanta a cabeça e vê a própria Katia diante deles.

- Ah! Senhorita Katia! O que deseja? - disse ele.

- Não diria malvada, mas rigorosa - falou a japonesinha - Escutem, tenho pedidos desse quiosque para um quarto do hotel.

- Pedidos? - estranhou Thiago - Normalmente as pessoas não vem comer aqui?

- Trabalhamos com serviço de quarto - disse Katia - Achei que tivesse avisado vocês. Vão precisar de um entregador? Podemos arranjar um se não tiverem...claro que terão que dividir os ganhos com ele.

- Não precisa! O Thiago faz isso! - falou tio Natan.

- Eu? 

- É, o que tem demais em entregar pedidos em um quarto. Qualquer imbecil pode fazer isso?

- Isso mesmo - concordou Renata - Até o Thiago pode fazer isso.

- Vou considerar isso como elogio - murmurou o rapaz.

- Certo - falou Katia - Duas porções de camarão e dois sucos de laranja para o quarto 402. 

- Não é meio estranho a dona do hotel vir dar essa ordem de serviço? - perguntou Renata.

- Bem, todos os outros funcionários estão ocupados - disse ela - Nosso hotel está bem cheio.

- Cheio? Mas acabou de abrir! - estranhou Júlio - Além disso, se estivesse cheio não acha que deveríamos ter clientes?

- É que a maioria está no outro quiosque - disse Katia, apontando para o quiosque japonês onde Kate e Raquel atendiam vários clientes.

- Q-Que é isso? Tá cheio de gente lá! - comentou Thiago.

- Acho que a maioria das pessoas prefere comida japonesa - falou Renata.

- Se quiserem manter esse quiosque, tratem de pensar em como melhorá-lo - falou Katia, sem mudar sua expressão rigorosa - E mandem rápido esse pedido. Esses clientes não parecem gostar muito de esperar.

- Droga - falou tio Natan - Vamos ter que nos preocupar com marketing agora.

- Marketing, é? Já ouvi falar disso aí - disse Júlio - Não é mercado em inglês. Se for, eu já preparo a lista de compras e..

- Não, imbecil. Marketing tem a ver com propaganda. Precisamos de algum meio de mostrar que nosso quiosque é tão bom quanto o das meninas aí da frente.

- Ah, entendi.

- Bem, vou preparar o pedido para o Thiago levar. Acho que mostrar que temos um serviço de entregas de qualidade já é um ótimo de divulgar nosso negócio, não?

- Verdade. Thiago, não falhe nessa missão!

- Ora, eu só preciso entregar um pedido. O que pode dar errado?

 E lá estava nosso amigo Thiago, diante da porta do quarto 402, pronto para entregar duas porções de camarão e dois sucos de laranja. Que tipo de pessoa pediria isso? Ele bate na porta e fala:

- Serviço de quarto

- Oh, sim, deve ter chegado o pedido - disse uma voz familiar de dentro do quarto. Ao ver quem abriu a porta, Thiago quase cai para trás.

- Ah, é a senhora - disse ele.

- Você! - disse ela - O que está fazendo aqui?

- Eu que pergunto isso, dona Sara!

 Sara Sarina era uma estilista de moda bastante conceituada (e rica). Além disso, foi a patroa mais infernal que Thiago teve na vida, além de ter um poodle que não gostava muito de Thiago. O garoto logo protege as pernas, mas parece que Pompom (o tal poodle) não estava lá.

- Bem, tenho uma reunião com uma estilista francesa aqui nesse hotel. Precisamos trabalhar num novo projeto para ontem e resolvi passar a noite de hoje para amanhã aqui. E, ei, isso não é da sua conta.

 Ela continuava um poço de gentileza como sempre.

- Tudo bem..só vim entregar os pedidos - falou Thiago - Espero que goste e...

- Não é para mim, é para a Marie.

- Marie? - Thiago olha para o lado e vê outra mulher deslumbrante, cabelos castanhos, nariz bem-feito e magra (mesmo assim, muito bonita).

- Sarra? - disse ela, em sotaque francês - Algum prroblema?

- Nada, só o seu pedido que chegou.

- Oh, camarrões? Adorro! - disse a francesinha, carregando nos "erres" de forma até irritante.

- Então..a senhorita também é estilista? - perguntou Thiago, ainda bastante deslumbrado com a beleza da mulher que, no máximo, deveria estar na casa dos trinta.

- Oh, oui, oui (*). Sou Marie Belle, estilista frrancesa - respondeu ela - Estamos trrabalhando em novos modelos de lingerrie!

- L-Lingerie - Thiago gaguejou, imaginando as modelos que poderiam usar o que estava sendo planejado ali.

- Não precisa perder tempo com ele, Marie - falou Sara - Ele não entende nada de moda!

- Ei, também não é assim!

- Acha que não lembro das roupas que você vestia, querido - reclamou Sara - Lembro das roupas de todo mundo. É um dom para poucos.

- Bom, então nunca vai contarr nada parra a concorrência, né? - disse Marie - É imporrtante ter uma opinion dos mais ignorrantes...

- Ei, eu entendi isso, heim? - reclamou Thiago.

- Aqui...veja o que acha - Marie mostrou um dos desenhos para Thiago com um sorriso simpático (é, ela era bem mais simpática que Sara). O rapaz, claro, adorou imaginar aqueles projetos sendo usados por lindas modelos, talvez até mesmo pela sua própria namorada.

* Imaginação de Thiago *

- Thiago - chamou Mariana em voz angelical enquanto ele ouvia música em seu quarto - Quer ver uma coisa que acabei de comprar..

- Que você acabou de comprar? O que é? - perguntou ele curioso e, ao voltar-se para o lado, vê Mariana vestindo uma das lingeries provocantes de Marie.

- É uma lingerie desenhada pela Marie Belle em parceria com a Sara Sarina. Gostou?

- Uau - Thiago não conseguia disfarçar sua baba.

- Olha bem, porque eu já vou tirar logo..hihi - disse ela, deixando-o babando mais ainda e fazendo-o babar algo que passava do limite da imaginação.

* Fim da imaginação de Thiago *

- O que está fazendo, idiota! - bronqueou Sara, ao ver sua baba escorrendo nos papeis - Está babando nos nossos desenhos!

- Oh, desculpe, não foi minha intenção - disse ele - Eu já limpo isso e..

 O problema é que ele ficou tão nervoso e envergonhado que acabou esfregando demais com o lenço que carregava. E, por consequência, o papel acabou rasgando.

- Nooo! Meus desenhos! - chorou Marie.

- Imbecil. - Sara estava furiosa - Demorou dias para pensarmos nesse modelo!

- Olhem pelo lado bom..pelo menos deve estar fresquinho na memória, né? - disse Thiago, tentando uma desculpa, mas Sara não parecia estar nem um pouco bem-humorada.

- Fora daqui! - Sara o expulsou, mas Thiago ainda tentava se desculpar.

- Calma, calma, não querem que eu sirva o suco de laranja para se acalmarem.

- Não quero suco de laranja nenhum! - gritou Sara. É uma pena que ela fez isso de repente, fazendo Thiago se assustar e mandar o copo direto para o chão.

- E agora! Molhou todo o assoalho... - reclamou Marie.

- E eu fiquei sem suco - disse Sara - Esse serviço de quarto é péssimo! Você sempre foi uma péssima empregada!

- Não me lembre daqueles dias - reclamou Thiago.

- Saia já daqui! - Sara expulsou de novo.

- Esperem! Eu só vou pegar uma vassoura para limpar os cacos e...

 Mas quando Thiago caminha, acaba escorregando no suco derramado (ele ainda não havia se acostumado com os sapatos novos que estava usando) e acaba se apoiando na mesa onde Sara e Marie trabalhavam. Não só isso, ele se segura na toalha da mesa, levando todo os desenhos ali em cima no chão.

- Grrrr! Eu te mato! - disse Sara, indo na direção de Thiago para pegá-lo, mas ele consegue se levantar e fugir. É uma pena que ele perde o equilíbrio e acabe indo parar na janela. Sara estava furiosa atrás dele e a única solução foi saltar.

- Ei, esperre, estamos no quarto andar! - gritou Marie, mas Thiago já havia pulado.

- Que louco - disse Sara.

- E se ele morrer? - Marie parecia desesperada.

- Não se preocupe. Tem uma piscina lá embaixo - falou Sara. E, de fato, Thiago cai com tudo na piscina, assustando a todos em volta com a queda. Mas pelo menos ele sobreviveu.

- Mamãe, o moço morreu? - perguntou uma garotinha que andava ali por perto segurando a mão de sua mãe rica.

- Não olhe, querida - disse a mãe.

 De qualquer forma, a primeira entrega do quiosque não foi nada bem recebida pela direção do hotel.

- Sabe que posso demiti-lo por justa causa por isso, não sabe? - disse Katia, na reunião com Thiago (ainda um pouco molhado), poucas horas depois daquele ocorrido, ali mesmo no quiosque.

- Desculpe - falou ele.

- E também posso tirar o quiosque de vocês daqui por causa desses problemas - continuou ela.

- Ei, ei, calma, também não precisa ser tão drástica - falou tio Natan - Demita apenas o Thiago, mas deixe nosso quiosque aqui.

- Tio - reclamou Thiago.

- A sua sorte é que Sara Sarina do quarto 402 conhece Thiago e, segundo ela, já tinha ideia de que ele tem problemas mentais. Mas que isso nunca mais se repita ouviram - falou Katia, sempre rigorosa.

- Sim senhora! - disseram todos.

- E Thiago Correios - falou Katia em suas últimas palavras - Nunca mais tente se matar pulando da janela.

- É que eu perdi o equilíbrio e...

- Além de causar uma má impressão no nosso hotel, eu prometi que iria matá-lo em batalha, então mantenha-se vivo até lá.

 "Ela não esquece disso", pensou Thiago.

 No fim, Katia contratou um garoto especial para fazer entregas nos quartos. Claro que Tio Natan não fica muito satisfeito.

- Podíamos ganhar mais se o Thiago fizesse entregas, mas não...ele tinha que estragar tudo, não é? - reclamou ele.

- O que podia dar errado, né? - falou Renata.

- É...o que podia dar errado - repetiu Thiago, inconformado. Novo local, mas...sempre com confusões.

(*) = Sim em francês