O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 41
Do Diário de Esther III


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu sei que o cap é pequeno e que vocês mereciam mais, mas acreditem, esse cap será revelador.

Boa leitura!



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Ecaterimburgo, Rússia. 22 de Janeiro de 1909


            Frustração e raiva me atingem agora.

            Já estou embarcada em um trem de volta à São Petersburgo, após passar alguns dias em Ecaterimburgo. Como pude ter sido tão tola?!

            Como eu planejei, fui até o jornal local de Ecaterimburgo em busca de detalhes a respeito do ataque à fazenda dos Morozov. Precisei “apertar” muito bem o jornalista, até que ele me contasse que, de fato, um menino sobreviveu ao ataque aos Morozov e foi levado a um orfanato. Pelo que entendi, ele foi pago para não contar sobre o caso, mas nada que uma boa dose de persuasão não resolva.

            Fui à delegacia, onde precisei adotar uma tática menos coercitiva que dedos quebrados com o delegado de lá. Afinal, tudo que não queria era chamar a atenção desnecessariamente. Coloquei metade do dinheiro que carregava sobre a mesa, e assim, por meio dessa generosa propina, ele me deu o nome do orfanato onde meu filho foi levado. Ao que tudo indicava, ele também foi pago para não mencionar o menino nos autos. Isso levanta cada vez mais minhas suspeitas e me atemoriza sobre o que pode ter acontecido

            Já era fim de tarde quando cheguei ao orfanato mencionado pelo delegado. Mas ao contrário de encontrar um local preenchido por risadas e vozes de crianças, tudo que ouvi ali foi silêncio. Havia naquele endereço nada mais que um monte de cinzas e entulhos [manchas de gotas d´água] Acredito ter perdido o chão quando soube que atearam fogo aquele local. Parecia que meu mundo havia desmoronado. Mil possibilidades, uma pior que a outra, se desenhavam à minha mente. Entrei em pânico. Não tenho certeza de quanto tempo fiquei ali, chorando e soluçando, mexendo naquelas cinzas esquecidas com minhas mãos, enegrecendo meus dedos. Mas por fim, procurei me acalmar, apesar de meu coração estar disparado. Não posso perder as esperanças. Não agora, quando meus instintos me dizem que estou muito perto da verdade – por mais dura que ela possa ser.

            Tendo recuperado a compostura, decidi que deveria fazer um breve reconhecimento do local. Conversei com comerciantes e moradores da região, tentando entender o que havia acontecido ali. Apesar de sentir que o incêndio ao orfanato era uma extensão da guerra dos Ivanov por sua herança maldita a alcançar meu filho, eu não poderia teorizar sem dados concretos. Sherlock havia me ensinado isso.

Para minha sorte, não tardou até que eu encontrasse uma senhora idosa bastante interessante em me atualizar quanto às fofocas locais. Entre ouvir sobre a traição da esposa do padeiro e o vício em jogos do filho do açougueiro, a idosa me contou sobre o incêndio ao orfanato, algo que ela chamou de “tragédia”, mas que senti em seu tom de voz que sua classificação era ali uma mera formalidade. Muitas crianças não sobreviveram no que foi parte de um conjunto de represálias e ataques a instituições que abrigavam judeus, há anos atrás. Lágrimas ainda me vêm, sempre que penso na desgraça e na crueldade da Humanidade. Por que nós, judeus, somos tão perseguidos assim? De onde vêm tamanho ódio e intolerância? E por que inocentes como meu filho precisavam pagar com sangue?


Ecaterimburgo, Rússia. 23 de Janeiro de 1909


            Só tive forças para voltar a investigar esta manhã. Lembro-me de ter passado mais uma noite em claro, em meio a lágrimas diante da possibilidade de minha buscar culminar em um corpo carbonizado ou um nome desaparecido. Mas de forma curiosa, o alívio diante da possibilidade do fim de minha busca ainda permanece, estando meu filho vivo ou não. Permanece, porque ao menos eu saberei do que foi feito o meu Jonathan, ao invés de ficar sentada confortavelmente em uma poltrona à beira da lareira em Baker Street dizendo a mim mesma que jamais terei respostas às minhas dúvidas.

            Neste aspecto, não consigo perdoar Sherlock. Não sei se o que sinto é mágoa, e vejo agora, inveja. Inveja porque ele conseguiu seguir com sua vida, carregando poucas marcas das desgraças provocadas por Daniel Jenkins e o Duque Ivanov. Eu não consegui. Certa vez, ele me disse que meu maior defeito era o rancor. E talvez, ele esteja certo disso, de certa forma. Mas não gosto de chamar de rancor, ou mágoa. Prefiro dizer que tenho, simplesmente, memória o bastante para não esquecer.

            Resolvi voltar mais uma vez ao jornal, e desta vez eu não fiz mais ameaças, porque o jornalista estava assustado o bastante com minha presença ali. Com clareza, perguntei sobre o incêndio ao orfanato, e tentei sondar a respeito dos sobreviventes. Notei o sujeito se gelar, até que ele preferiu se abrir, talvez porque temia que seus dedos restantes fossem quebrados também. Contou-me que, de fato, restaram sobreviventes, e que todos eles foram levados a uma fazenda ali mesmo, em Ecaterimburgo. Ele deu-me uma coordenada geográfica, mas me avisou a não se aproximar dali, pois nos últimos tempos o lugar estava cercado de vigilância e que qualquer aproximação minha culminaria em minha morte. Deu-me um nome para procurar, um tal de Vlad Sokolov, que eu logo reconheci imediatamente como sendo o jornalista sobrinho do químico Lev Sokolov. Isso encheu-me de esperanças, e pôs-me a certeza de que deveria voltar para São Petersburgo novamente e assim descobrir o que Vlad tinha a me dizer.


São Petersburgo, Rússia. 25 de Janeiro de 1909


            Foi o próprio Lev Sokolov quem me deu o endereço do jornal bolchevique onde seu sobrinho trabalha. Ele me perguntou o que eu desejava saber de seu sobrinho Vlad, mas decidi desconversar, dizendo que queria apenas ter acesso a notícias locais. Ele não pareceu muito satisfeito com minha resposta, mas dei pouca importância a isso. Senti que ele estava apreensivo com alguma coisa, decerto algo relacionado aos bolcheviques.

            E como sempre, basta que uma boa dama sorridente e bem-vestida chegue desacompanhada a um santuário de homens que as portas se abrem sem maiores perguntas. O próprio Vlad abriu a porta de sua sala para mim. Um típico rapaz russo, loiro com o cabelo curto e coberto de brilhantina, que chegava a brilhar. Seu rosto estava barbeado, havendo apenas um bigode fino. Não posso negar que seu sorriso era cativante, seus modos gentis. Típicos modos de um predador. Uma mulher de minha idade se sentiria desconfortável por se sentir rodeada por um homem que claramente deseja coisas carnais, mas minha convivência com o falecido Agente Morrison já me deixara prevenida.

Mesmo assim, não posso negar que a sensação de me sentir desejada por um jovem e cativante rapaz, estando eu no auge de meus 40 anos de idade, tem lá seu efeito. Por mais que eu estivesse na Rússia atrás de meu filho, era bom saber que eu, como mulher, ainda estava viva.

A gentileza paqueradora de Vlad acabou assim que comecei a mencionar Ecaterimburgo, a tal Fazenda onde os órfãos foram levados. Nem mesmo a menção a seu colega jornalista o fez acalmar os brios. De modo bastante grosseiro e usando um linguajar colorido demais para ser repetido por minha escrita, ele mandou que eu fosse embora. Não aguentei. Sim, vejo que errei por ter arremessado café quente no rosto dele e ter deslocado o braço dele sem a menor compaixão, mas no fim das contas, eu estava cansada de ter de gastar mais dinheiro com suborno. Afinal, minhas reservas estavam acabando. Só assim, ele cedeu. Contou-me que essa fazenda era alvo de sua investigação há anos, porque estava desconfiado de que alguém do Partido Bolchevique estava desviando dinheiro de sua “causa” para esta tal Fazenda, fazendo inclusive visitas ali. Isso me assombrou. Eu não tinha grande afinidade pelos bolcheviques, estando próxima apenas de Lev Sokolov, mas algo me dizia que eles estavam planejando algo funesto. Comecei a imaginar um campo de treinamento ou doutrinação. Mas onde as crianças se encaixariam nisto? Eram pequenas demais para serem soldados. Ou não? É verdade que em países como a Rússia, crianças estavam sujeitas a atividades maduras cedo demais. Desde a jornada de trabalho de doze horas por dia ou uma vida libidinosa, mas lutar? Atirar? MATAR? Se tal coisa fosse verdade, a Humanidade estava perdida.

Quando Vlad começou a mencionar que as crianças eram trazidas para lá com o intuito de alimentar cães, tive vontade imensa de rir. Gostaria de imaginar a reação de Sherlock se ele escutasse essa mesma dedução ridícula, mas tenho certeza de que isso seria impossível. Sherlock estaria ocupado demais resolvendo casos para desconhecidos em troca de dinheiro ou distração a sua mente, quando não enfrentando horas de estupor provocadas por sua solução 7%. Duvido muito que chegue o dia em que o Grande Detetive colocará seus pés na Rússia para procurar por seu próprio filho.

Percebo-me que, mais uma vez, estou pensando em Sherlock. É bem verdade que eu o amo, por mais que sinta raiva, talvez ódio dele. Mas no fim, não desejo seu mal. Só quero manter as boas – e poucas – lembranças e, é claro, distância dele e de sua frieza. Encontrarei meu filho e irei partir para longe. Quem sabe, o interior da França. Nada de Montpellier e Paris, pois seriam lugares óbvios para Sherlock me encontrar. De todos os idiomas que sei, o que mais gosto de colocar em prática é o Francês. Começo a imaginar minha vida, depois que minha busca terminar. Uma casa de campo, no interior da França, com dias ensolarados. Apesar das más notícias, sinto que Jonathan estará comigo. Torço para que ele goste de sol, apesar de ter, provavelmente, crescido acostumado ao rigoroso frio russo.

 Estarei indo para a Fazenda de Ecaterimburgo esta semana, graças às instruções que recebi de Vlad. Por precaução, comprei um pequeno revólver e munição no mercado negro de São Petersburgo, para evitar surpresas desagradáveis. Vlad não queria que eu fosse sozinha ali. Ignorei seus alertas, pois eu tinha certeza de que ele não fazia a menor ideia de quem eu era de verdade - apesar de seu braço ainda doer graças a mim.

E por mais que doa me admitir, minha busca está terminando e, ainda assim, tenho medo das respostas que a Fazenda de Ecaterimburgo poderá me entregar.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por acompanharem e até o próximo cap!

No próximo cap: chegar a Ecaterimburgo se tornou agora uma questão de honra para Holmes. Será que ele conseguirá se safar dos capangas?



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