O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 30
Bem-Vindo À Família


Notas iniciais do capítulo

Olá!!!


Mais um cap saindo do forno. Bom, não sei se estão satisfeitos com isso, mas outra vez teremos um tom mais cômico nesse cap - e nos próximos. É bom aproveitarem, pois haverá momentos em que a fanfic adotará um tom sombrio.

Boa leitura!



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Lyon, França. 17 de Junho de 1910.


            Irene Adler tinha marcado um encontro com os integrantes de sua Companhia de Teatro em um restaurante elegante, que ficava a algumas quadras do hotel onde ela, Grigori e Holmes ficaram hospedados. Era perto do jantar, e o estômago de Grigori roncava em expectativa – e pavor, ao mesmo tempo. Ele tinha escutado muitas histórias dos franceses, inclusive dos hábitos culinários estranhos, que incluíam caramujos e lesmas como refeições. Quando a bandeja de prata chegou à mesa, o menino tremeu em antecipação.

            -Não se preocupe. – tentou tranquilizar Holmes. – Não pedi nenhum prato exótico demais ao seu paladar. Iremos comer um tradicional Canard à L'Orange. Pato ao molho de laranja.

            O menino pareceu aliviado. Pato era, sem dúvida, melhor do que lesma.

            Quando suas porções já estavam dispostas em cada prato, Holmes fez uma pergunta à Adler.

            -Não deveríamos esperar por seus amigos para jantar?

            Adler deu uma garfada, antes de responder.

            -Eles são criaturas da noite, Mr. Holmes. Ainda é muito cedo para eles jantarem. E além de quê, o menino precisa ter um horário regular para se alimentar. Não é mesmo, Gregory?

            O menino fez uma careta.

            -É Grigori, senhora.

            -Nome estranho, esse seu. Deveria usar Gregory. Ou mesmo Greg. Greg é bonitinho... – ela disse, apertando as bochechas magras do menino, e deixando-o mais irritado.

            Holmes tomou uma garrafa e se serviu de vinho. Enquanto enchia a taça de Irene Adler, ele percebeu os olhos do menino brilharem de expectativa e desejo por alguns goles de bebida.

            Pobre garoto, já um verdadeiro alcoólatra...

            -Será que... Que... ?

            Adler se virou, horrorizada quando percebeu o que o menino estava prestes a pedir.

            -Nem pensar! – disse, brigando com Grigori. – Isso não é para alguém de sua idade, realmente! Contente-se com seu suco de laranja!

            Emburrado, o menino tomou o copo de laranja e o bebeu quase em um só gole, insatisfeito. Holmes observou a cena com diversão e surpresa: afinal, pelo estilo de vida de Irene Adler, ele estava até mesmo esperando que ela lhe incentivasse. Apesar de sua boemia, talvez ela tivesse ainda algum bom senso, escondido em algum lugar.

            Passado o episódio, os três conversaram sobre a cidade e as apresentações que estariam prestes a fazer. Já era perto das oito e meia quando terminaram a sobremesa. Grigori estava ainda maravilhado em provar uma exótica sobremesa chamada “sorvete”, que mais parecia “neve com gosto de chocolate”. Comeu cinco taças em sequência, para horror dos presentes à mesa, até se sentir empanzinado. Ao ver o menino com a barriga estufada e a batê-la com as palmas das mãos, Holmes tentou chamar sua atenção, mas um sonoro e indiscreto arroto o impediu de advertir o menino quanto aos seus modos. Tarde demais. O gesto grosseiro e incomum de um arroto emitido em um ambiente tão refinado como aquele restaurante francês fez a mesa do detetive se tornar a grande atração do lugar. Num piscar de olhos, todos ao redor abandonaram suas conversas e deixaram tilintar seus talheres, em perplexidade. Mesmo os atarefados garçons pareciam assombrados.

            Ao perceber cochichos de horror por todo o restaurante, o menino se desculpou, timidamente. Holmes trazia o semblante enfurecido, mas Adler cortou o clima péssimo da mesa deixando escapar uma risada. Com notável destreza, a mulher soube contornar a situação, tocando em outro assunto e assim, fazendo Grigori escapar de uma bronca. Ao menos por enquanto.

Perto das dez, seus olhos azuis já se encontravam ligeiramente cerrados, e antes que o menino desabasse sobre a mesa do hotel, tanto por cansaço quanto por tédio pela conversa dos adultos, Holmes decidiu leva-lo até seu quarto.

            -Tenha uma boa noite, Grigori. – disse Holmes, ajudando o menino, já sonolento, a arrumar a cama. Quando a cama já estava pronta, o menino simplesmente caiu, vestindo ainda o seu terno e sapatos.

            -Não, Grigori. Vá vestir o pijama, agora!

            Holmes tentou alertar o garoto, em vão. Ele dormia tal como uma pedra e tinha a incrível habilidade de dormir instantaneamente, quando bem quisesse. Assim como ele.

            Só o que pôde fazer foi tirar seus sapatos e a gravata, e lhe estender uma coberta sobre seu corpo. Amanhã ele ouviria uma bronca sobre sua falta de modos ao dormir. Certamente aquele era um vício de seus tempos de rua que seria difícil de ser tratado.

            -Pôs o menino para dormir, Mr. Holmes? – perguntou Adler, num misto de sarcasmo e preocupação que só ela sabia fazer.

            -Não foi difícil. Ele dorme como um urso no inverno.

            -Meninos na idade dele são assim mesmo. Quando meu filho Peter tinha dez anos, assim como Grigori, também era teimoso e sonolento. Deve ser o que eles chamam de metabolismo.

            -Meta o quê?

            -Metabolismo. Um raio que eu não sei explicar.

            Holmes riu levemente, enquanto estalava os dedos.

            -Quanto ao que disse ao Grigori, naquela hora... Obrigado.

            -O que é isso... – resmungava Adler. – Fiz o que qualquer pessoa sensata faria. Jamais deixaria um menino dessa idade beber.

            -Muitos não pensam assim, Adler. E fico contente que tenha uma postura... Sensata, como você bem disse. Ao menos em alguma coisa você é responsável.

            -Claro, de sua parte nenhum elogio vem completo.

            -Pare de resmungar. Isso é o mais próximo que alguém como você pode receber como um elogio, sim. Ah, me parece que seus amigos estão finalmente chegando. Olhe ali o cabriolé parado. – disse Holmes, virando seus olhos para a porta do restaurante. – Já não era sem tempo, afinal. E lembre-se do combinado...

            -Você se chama Sean Robinson. Um canadense de Toronto.

            -E Grigori se chama...?

            -Grigori Robinson. Mas o que dirá de seu sotaque russo?

            Holmes resmungou, um tanto incomodado, e mostrou o documento falso de Grigori. Ao ler, Adler segurou seu riso.

            -Seu filho com uma russa chamada Natasha Robinson?

            No entanto, Holmes estava sério.

            -Não foi idéia minha, mas de Mycroft. Ele adora me provocar.

            -Será mesmo? Ou o senhor está tentando esconder o jogo?

            Holmes ergueu uma sobrancelha. – Poderia ser mais clara?

            -Eu ainda acho que esse menino poderia muito bem ser o seu filho.

            -Não diga asneiras. – resmungou Holmes. – E se deseja saber, eu jamais levaria um filho meu a uma de minhas empreitadas.

            -Mas você se preocupa com ele.

            -Como qualquer ser humano com o mínimo de decência e humanidade se preocuparia com uma criança. Agora, vamos mudar de assunto. – ele disse, rapidamente enquanto se levantava e cumprimentava uma das mulheres. Holmes já vestia sua máscara de artista: galanteador, quase irresistível. Irene percebeu sua súbita mudança e sabia que não era sincera. No fundo, ele era um homem triste e amargurado – por um motivo que ela não sabia.

            -Olá, Miss...?

            -Sabrinne Moreau. – respondeu de maneira educada uma das moças, vestida de modo elegante e com as maçãs do rosto coradas, provavelmente por maquiagem.

            -Oh! Êtes-vous français?

            -Oui. – respondeu a moça, animadamente ao perceber que Holmes falava um francês impecável, quase nativo. Certamente ela não esperava isso de um canadense, embora uma parte dos canadenses falasse francês. – Mas o senhor pode falar comigo em Inglês, sir. – pediu Miss Moreau.

            -Tudo bem. Mas estou encantado em conhecê-la, mademoiselle. – disse Holmes, distribuindo aperto de mãos entre os artistas. Eram todos elegantes e bem vestido, mas apesar disso havia certos detalhes dentre eles que denunciava sua profissão. Seja a echarpe exótica vestida por um deles, seja as cores berrantes de terno optadas pelo outro, ou o fato das mulheres fumarem.

            -Então, o senhor é o Mr. Robinson que Irene comentou... – disse um deles, chamado Thompson, que era um dos coadjuvantes. – Ela disse que o senhor tem uma bela voz.

            -Oh, é mesmo? – perguntou Holmes, olhando de maneira sarcástica para Irene Adler, um tanto irritada por ser entregue naquele comentário.

            -Sim, ela disse que sua voz é belíssima e que tem um grande potencial. Mal posso esperar pelos ensaios para comprovar isso.

            Ao apertar a mão do homem, Holmes percebeu um nítido desconforto. Apesar de aparentar ansiedade, as palavras do homem denotavam certo desdém e desprezo. Como se ele duvidasse disso.

            A dúvida tornou-se certeza durante a rodada de champanhe. Após algumas taças, Holmes pôde verificar que Thompson tinha certo rancor por Irene Adler e algumas pessoas da Companhia. Afinal, pelas conversas, entendeu-se que ele era um dos homens mais antigos do local e ainda era um mero coadjuvante, enquanto ele – ou melhor, Sean Robinson – já adentrava à Companhia ocupando o papel principal.

            Certamente ele era um sujeito a se esperar de tudo.

            E ainda havia Miss Moreau. Durante metade do jantar, os olhos azuis espevitados daquela francesa cruzavam o de Holmes, do outro lado da mesa. Sem dúvida a moça era uma predadora – e eu sou a presa.

            O toque de um sapato feminino em sua canela, debaixo da mesa, comprovou isso.

            Holmes lembrou-se de imediato de Esther e suas provocações, quando seu casamento ainda era secreto. Depois que tudo se esclareceu e os dois puderam assumir sua relação, os tempos de romantismo e excitação simplesmente cessaram. Compartilhando a mesma cama na rotina de um casal normal, Holmes sentiu que não era a mesma coisa. Não era como suas visitas furtivas, a sensação de ser pego a qualquer momento. Oficialmente casados, poderiam se encontrar quando bem entendessem, bastava trancar a porta do quarto. Esther era tão ousada naquele tempo... Ele sentia falta disso.

            De repente, a moça subiu, para alívio de Holmes. Ele já estava cansado daquelas conversas fúteis a respeito da moda parisiense ou do quão complicado era encenar algumas peças de Shakespeare. Não tardou muito para que ele decidisse subir.

            -Vou subir, senhores. Amanhã teremos um longo dia.

            -Boa noite. – disseram todos. Com menos entusiasmo, Thompson.

            -Eu vou acompanha-lo. – disse Adler.

            Holmes e Adler estavam andando lado a lado no corredor do quarto. Os artistas estavam também hospedados no mesmo corredor, mas em quartos diferentes. Entretanto, nada poderia explicar o quê, exatamente, Miss Moreau fazia recostada à porta do quarto de Holmes.

            -Mas o quê ela faz ali?

            Holmes tentou perguntar a Adler, que no entanto o interrompeu com um beijo em seus lábios.

            Assustado, Holmes sequer correspondeu nos primeiros segundos.

            Claro. Irene Adler está marcando território. Talvez essa Miss Moreau esteja com outras intenções, nada decorosas. Ela está me tirando de uma encrenca, é isso. Bom, então não custa nada ajudar...

            Holmes passou, então, a corresponder o beijo.

            Pouco pôde fazer, pois Adler o interrompeu e o puxou, de maneira provocante, pela gravata, para dentro do quarto dela. Ao ser dragado para dentro do quarto de Adler, Holmes percebeu que Moreau estava frustrada, certamente porque não iria provar “carne fresca”.

            -O que foi isso, Miss Adler? – perguntou Holmes, enquanto ela fechava a porta.

            -Eu é que deveria perguntar “o que foi isso, Mr. Holmes”? Uau, estou impressionada! Confesso que subestimei o senhor.

            Holmes estava vermelho tal como uma das echarpes que Adler usava. Isso só a encorajava ainda mais a provoca-lo.

            -Er... Isso foi... Completamente desnecessário!

            -Uma ova! Se você prosseguisse para aquele quarto, seria o seu fim. Bom, posso ver que não sabe um terço do que acontece aqui na Companhia, não é? Enfim, a culpa é minha, por não ter te alertado. Na verdade, eu não esperava que o senhor fosse tão “amistoso” com Miss Moreau, isso certamente abriu a possibilidade. É que há uma espécie de “batismo” aqui, com os homens que não são comprometidos.

            -Batismo? Oh. – Holmes pareceu perceber que tipo de “batismo” seria aquele. – Mas isso inclui... To-todo mundo?

            Adler confirmou com a cabeça.

            -Me-me-me-mesmo os homens?! –Holmes parecia horrorizado com a possibilidade.

            -Principalmente os homens. – assinalou Adler. – Todos eles são adeptos da sodomia, é bom o senhor saber, e ficam com boas expectativas sempre que um homem entra na Companhia. Os únicos que não participam disso sou eu e Mr. Hamilton, o maestro, que é casado. Mas, quando um deles é comprometido seriamente com alguém da Companhia, ninguém pode tocar.

Holmes pareceu aliviado. Significava que aparentemente estar com Adler lhe faria escapar do “Ritual de Iniciação”. Adler continuou, ainda com o ar divertido.

—Bom, eu espero não ter interrompido algo que seria de seu agrado...

            -De maneira alguma! – exclamou Holmes, ainda pálido. – Céus, a senhorita me fez escapar de uma orgia mista! Eu deveria lhe agradecer e não te questionar. Meu sincero agradecimento, Miss Adler.

            -Não há de quê, Mr. Holmes. Agora, eu só espero que o senhor não ronque, e nem se incomode com o sofá.

            -Não terei muito tempo para sentir incômodo. Já passa das duas da manhã e nosso trem sairá às sete...

            Holmes engoliu suas palavras, ao perceber que Adler estava se trocando, aparentemente sem qualquer pudor, atrás do biombo. Apesar de ter mais de quarenta anos, Adler ainda era uma mulher atraente, com um corpo repleto de curvas que fariam inveja a uma jovem. Ao menos foi esta a conclusão que Holmes pôde tirar, ao ver sua sombra projetada pela escassa luz do quarto.

            Adler saiu do biombo trajando uma camisola bastante audaciosa, assim como ela. Havia uma fenda generosa em seu decote, que dava pouco espaço para a imaginação – ou melhor, um pouco de espaço bastante indecoroso para qualquer pensamento. Seus cabelos castanhos, bastante avermelhados e com poucos fios grisalhos, caíam sobre seus ombros, bem diferente do coque que ela costumava usar.

            Não à toa, eu a chamei de “A Mulher” durante tantos anos.

            -O senhor não irá se trocar?

            -Mi-minhas roupas estão em meu quarto. – disse Holmes, sem jeito.

            -Bom, então creio que terá de se desfazer de alguns apetrechos, caso queira dormir confortável. – disse Adler, com aparente indiferença, enquanto se sentava à cama.

            Passar uma noite com Irene Adler certamente não seria algo fácil, pensava Holmes, enquanto se desfazia da gravata e do colete, tentando se manter o mais decente possível naquela situação embaraçosa.


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Notas finais do capítulo

Hehehe é bom o Holmes não bobear porque a Adler gosta de provocar! #AdlerPredadora

E Grigori fazendo o Holmes passar vergonha!!! Pobre criança!!! Ninguém manda também o Mr. Holmes deixar o menino se entupir de sorvete...

Espero que tenham gostado e.. Como sempre, reviews são bem-vindos!

Até o próximo!



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