Um Sussurro nas Trevas escrita por Will, kveronezi


Capítulo 5
Vinicius - O Teurgo




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Era sábado. Vinicius acordou com o sol no rosto. Estava inteiro enrolado em lençóis quando percebeu. Ele sentou na cama e ficou na dúvida se aquilo fora um sonho ou não, lembrando de seu pulso marcado. Olhou para o pulso direito e a marca estava lá. Dessa vez não foi um pesadelo. O símbolo lembrava-o nada desse mundo. Precisava descobrir o que era.
— Vini, meu amor, não vai acordar? A missa de sábado é daqui a pouco.
Era um alívio estar realmente em casa, ou como Alastor chamou, O Mundo Decaído. Será que ele ainda conseguia repetir os feitos do sonho? Agora era um Desperto, afinal.
— Moleque! Não está me ouvindo!? - Janice, a mãe de Vinicius, abriu a porta duma só vez, o assustando. Dava pra ver de quem o garoto herdava os cabelos louros e olhos azuis. Janice era uma mulher na casa dos 40, as rugas começavam a acentuar, mas ainda não comprometiam a sua beleza madura.- Ta se fingindo de surdo, é?
— Desculpa, mãe, acho que acabei perdendo o horário. O que tem para o café? Não, não diz. Eu vou ficar com a surpresa.
Janice estranhou a energia do garoto, mas sorriu.
— Ta, tudo bem. Não demore. A sua irmã já está quase pronta, entendeu?
Ao dizer, Janice saiu do quarto e deixou o filho sozinho. Apressado, o garoto ajoelhou ao lado da caixa de papelão aonde dormia Ringo, tranquilo. Ele fez um carinho no vira-latas dorminhoco antes de roubar a tigela de água do animalzinho e mentalizou. Lembrou das palavras de Alastor: "Espaço é um mero detalhe.". Era praticamente intuitivo o uso daqueles poderes, ainda mais com sua empolgação.
A água mostrou o que ele queria ver: cozinha no andar inferior estava bagunçada. Sobre a mesa havia pão dormido, manteiga, o café fresco e uma salada de frutas, como a mãe as vezes preparava. Helena, a irmã de Vinicius estava sentada a mesa, alternando entre uma fatia de pão e a xícara de café morno. Helena era uma moça formada, aparentava ter seus 18 anos. Era diferente de Vinicius, com cabelos negros que cascateavam até a altura da cintura. Não era alta, mas o corpo era bem distribuído.
Vinicius largou a tigela e correu escadaria a baixo quase tropeçando ao meio do caminho. Quando atravessou a porta da cozinha avistou exatamente a mesma cena refletida na água: os mesmos pães, a mesma salada, o mesmo café e a mesma Helena, que fitou o garoto com desdém. Era incrível, ele não estava louco ou sonhando!
— Bom dia. -Cumprimentaram-se em uníssono ele num tom animado enquanto ela num tom retraído.
Vinicius sentou-se na cadeira diante da irmã e foi ajeitando o seu desjejum. Lembrou-se aos poucos de sua visita ao Reino Superno. "As mentes serão como livros abertos.". Dentro de sua mente, ele via Helena como um livro fechado. Ele lembrou de um dia de frio, há cinco anos, quando ele viu ela chorando e perguntou o que aconteceu. Ela, por sua vez, o tratou como um nada. A vontade de saber o que aconteceu nesse dia foi tão forte, que agora a única coisa que ele queria era descobrir o que sua irmão pensava. Ele tentou abrir o livro, mas não conseguia passar da primeira página. Ao redor da irmã, manifestava-se um brilho cinzento que fez com que Vinicius se distraísse. O livro que ele imaginavam sumiu. Ele não conseguia ler seus pensamentos, mas sabia o que ela sentia. Estava deprimida.
Os três estavam prontos.
— O pai não vem? -Perguntou o garoto segurando a porta aberta para a mãe e a irmã passarem.
— Não, querido. Seu pai disse que tem coisas a resolver.
Vinicius se contentou com aquela resposta, foi o último a sair. Trancou a porta e entrou no banco de trás do Meriva prata. Antes das mulheres entrarem no carro, Janice falou para a filha com um sorriso:
— Pode dirigir hoje se quiser, amor.
Helena não respondeu, apenas sentou-se no banco do carona. Janice desconcertada entrou no carro e dirigiu. Vinicius sentia mais do que qualquer um o péssimo clima sobre a família. Forçando um sorriso, olhou os olhos da mãe através do retrovisor.
— Já faz tempo que está prometendo me ensinar a dirigir, mãe...
— Eu? Não prometi nada! Não que me lembre.
— Tá, mas o pai prometeu. Se ele não ensinar, você me ensina, que tal?
Janice sorriu de volta pelo retrovisor.
— Ta bom, Vini, a gente pensa nisso.
Ali o assunto acabou. Helena estava completamente paralela ao irmão e a mãe, isso preocupava o garoto. Sem mais nada para dizer, ele seguiu a viagem quieto.
As vistas no caminho entre a fazenda e o centro de Nova Independência eram cênicas, com belas colinas, uma extensa lagoa e o morro, de onde dava pra ver a cidade vizinha, Cristalina, quase por completo. Foram quase 20 minutos na estrada de terra até o asfalto começar. Em poucos minutos, estavam estacionando diante da igreja matriz de Nova Independência.
O centro, para os padrões da cidade, era um prédio grande, com capacidade para abrigar até 500 pessoas durante uma missa, chegando facilmente a 1000 pessoas quando os fiéis não se importavam de assistir a missa de pé.
A missa começava as 9:00. Ainda eram 8:30, portanto haviam diversos lugares vazios. Vinicius, antes de entrar com a mãe, visualizou telhas do telhado da igreja esparramados na parte do lado da calçada. Helena decidirá ficar no carro, não estava com humor para isso. Depois de muita insistência, Janice a deixou.
Ele sempre se admirava com o remanescente da época colonial que aquela igreja tinha, seu interior era todo esculpido em madeira escura. Desde o chão e o teto até as pilastras e os bancos.
O padre Saulo conversava com uma senhora próximo ao púlpito. Vinicius estava acostumado com o padre, mas hoje ele estava diferente.
Saulo era um homem negro, alto e corpulento. Suas feições remetiam a sua genealogia africana. Era provável que estivesse na média entre os 30 e os 40. O cabelo crespo e cumprido era ajeitado em dreadlocks nada convencionais para um sacristão. A batina de padre só deixava os sapatos sociais a mostra. Quando Vinicius olhava Saulo, via como se um brilho dourado o circundasse. Sobre sua cabeça, uma auréola angelical se manifestava a medida que asas translúcidas pareciam se agitar levemente às suas costas.
O garoto se surpreendeu quando o Padre o encarou de volta... Ele falou algo para a senhora com quem conversava e veio na direção de Vinicius. O garoto gelou. O que foi aquilo? O que Saulo era de fato?
Saulo primeiramente cumprimentou Janice com um aperto de mãos.
— Bom dia, dona Janice. -Ele disse afagando a cabeça de Vinicius.- Onde está a sua menina e o seu Roberto?
— Bom dia, Padre Saulo. A Lena quis ficar no carro, está muito triste mas não quer falar porquê... O Roberto tinha coisas pra resolver, não pôde vir.
— Eu já até sei o que é. -O padre disse, despertando a atenção de Vinicius.- Frederico, o filho do seu Alcides e da Dona Marta, ele faleceu essa madrugada.
— Faleceu? Faleceu de que? Era um menino tão jovem.
— Um bicho pegou ele no estradão para Cristalina. Isso explica ela estar assim, a notícia já chegou nela. Pelo que lembro, eram bons amigos desde que eram pequenos. Traga ela hoje a noite . Será o velório dele. As 19:30.
Janice apenas assentiu fazendo o sinal da cruz. Era difícil de imaginar que o moleque que até pouco tempo ia em sua casa teve um destino cruel como esse.
Vinicius não tinha lembranças muito boas de Fred. Achava que o único objetivo do rapaz era seduzir sua irmã para fazer coisas erradas. Mas mesmo assim, era difícil não se compadecer com uma notícia dessas e, o que machucava era ver o estado de Helena. Vinicius era muito ligado a ela, apesar de não admitir.
O padre forçou um semblante mais afável e pôs a mão sobre o ombro do garoto.
— E você, Vinicius, fico feliz que tenha vindo. Você está diferente. -As palavras de Saulo o fizeram engolir em seco.- Se importaria de conversar comigo ao fim da missa?
Houve uma pausa mínima, que para Vinicius pareceu longa demais.
— Claro que não, Padre. Tudo bem.
— Ótimo. Espero que gostem do sermão de hoje.
Dito isso, Saulo voltou ao púlpito...

Vinicius entrou na antessala do altar, que era um misto de biblioteca, depósito de móveis quebrados e sala de jantar. Saulo o esperava de braços cruzados. O garoto entrou, inseguro e com medo, fechou a porta atrás de si e, assim que parou em sua frente, padre falou com a sua voz grave:
— Você é um Mago, não é, Vinicius? -o garoto gaguejou mas nada saiu, estava surpreso com a astucia de Saulo.- Era uma pergunta retórica, eu sei que é.
— Co-como sa-sabe? -o menino começou a soar frio.
— Você entrou na igreja tentando ler a aura de todo mundo... Seu nimbus se manifestou, garoto. Tem que ser mais cuidadoso.
— O-p meu o que. O que é esse nimbus?
— Garoto, você despertou ontem, por um acaso?
— Na verdade... Sim.
— Então está explicado. O nimbus se manifesta quando você usa sua magia... Pode ser visual, auditivo ou até tátil... Notei que é um Mastigos quando vi as coisas se distorcerem a sua volta. Pelo visto nem você percebeu... Aí, decidi te mostrar também o meu Nimbus.
— E o senhor... É o que exatamente?
— Sou um Obrimos, um Teurgo e despertei no reino do Éter. Escrevi meu nome na torre da Chave Dourada. Lá eu falei com Deus, garoto. Eu tinha muitas perguntas... Mas quando voltei, ainda não tinha respostas, pelo contrário. Eu achei que tinha morrido, mas ressuscitei.
— Então Deus existe?
— Existe. Pode ter certeza que existe. Esse poder que temos é um dom dado por ele para fazermos o bem e proteger os necessitados.
Vinicius se aquietou. O que Saulo faria se soubesse que seus poderes vinham de um lugar que ele mesmo descreveria como o inferno?
— Eu entendo...
— É bom que entenda, Vinicius... A propósito.. Daqui pra frente é melhor escolher bem para quem da o seu nome. É a porta para a sua alma. É a forma mais fácil de chegar a você e aquém você ama. Os mestres do espaço podem fazer isso. E além do mais...
Uma batida na porta interrompeu o padre.
— Padre Saulo. Preciso conversar com o senhor.
Era uma moça, uma das fiéis fervorosas da igreja.
— O resto dessa conversa fica pra outro dia, garoto. Não use seus poderes irresponsavelmente. Tudo o que você faz, volta para você.
Vinicius concordou, as palavras do mago punham medo no garoto...
— Tudo bem, obrigado padre...
— Não há de que. Hum... Hoje está complicado, já é o segundo anormal que me aparece...
Vinicius saiu e a moça entrou. Eram muitas coisas a se pensar... O que poderia dar errado com poderes maravilhosos como aqueles? Vinicius entrou naquela sala com dúvidas e apenas saiu com mais delas. Ele não imaginava que aquilo tudo era só o começo.


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