Lullaby escrita por Jude Melody


Capítulo 1
Capítulo único




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O céu rugia sobre o pequeno vilarejo, como se criaturas sobrenaturais travassem uma guerra nos ares. O raio cortou o azul escuro, seguido do retumbar de um estrondoso trovão. O grito não tardou a vir, forte, alto e assustado.

A Kuruta moveu-se na cama, levemente despertada. Uma mão masculina encontrou a sua e o movimento do outro lado da cama sugeriu que ela não era a única que fora retirada do mundo dos sonhos pelo grito estridente.

— É sua vez, querida — disse uma voz sonolenta.

Com um suspiro, a Kuruta apertou de leve a mão de seu marido e se sentou sobre o colchão, esfregando os olhos cansados. Sob a luz frágil dos raios que penetrava o vidro da janela, calçou suas pantufas e se arrastou até o quarto ao lado. Abriu a porta devagar.

O cobertor azul tremia sobre a pequena cama e parecia emitir soluços de desespero. A claridade dos raios recaía sobre ele, dando-lhe um ar mágico e ao mesmo tempo assustador.

A Kuruta sentou-se sobre a cama e com sua mão suave puxou o cobertor, revelando uma pequena criança que piscava olhos assustados.

— Meu bem. — Ela sussurrou, acariciando seus cabelos louros. — Está tudo bem. É só uma tempestade.

A criança virou o rosto, revelando suas faces apavoradas. A respiração acelerada fazia o peito subir e descer e causava pequenos ruídos de pavor. Ela tinha apenas três anos e nunca vira uma tempestade.

— Está tudo bem. — repetiu a Kuruta. — Estou aqui com você.

Entre soluços, a criança encarou a mãe. As lágrimas desciam quentes por suas bochechas, dando-lhes uma coloração avermelhada. Mas o rubor que elas continham não se comparava ao vermelho de seus olhos.

— Você quer que eu cante uma música para você dormir? — perguntou a mãe com gentileza.

A criança assentiu levemente, os lábios tremendo do esforço de conter o choro. Apesar de ser pequena, tinha vergonha de chorar na frente dos adultos. Já era um menininho e queria agir como tal, mesmo que isso significasse engolir o choro na frente da mãe.

— Bem. — Ela alisou seus cabelos mais uma vez. — Então, vamos lá.

A Kuruta inspirou fundo, os olhos fechados, como sempre fazia antes de cantar. Quando libertou sua voz, ela preencheu o quarto, serena e pura como um livre passarinho.

.

Little child, be not afraid.

The rain pounds harsh against the glass

like an unwanted stranger.

There is no danger,

I am here tonight.

.

Pequena criança, não tenha medo.

A chuva bate fortemente contra a janela

como um estranho indesejável,

mas não há perigo,

eu estou aqui esta noite.

.

Ela abriu um sorriso doce para seu pequeno filho e observou as lágrimas remanescentes escorrerem por aquele rosto que tanto amava.

.

Little child, be not afraid.

Though thunder explodes

and lightning flash

iluminates

.

Pequena criança, não tenha medo.

Por mais que trovões explodam

e que a luz do raio

ilumine

.

Um raio cortou o céu, jogando sua luz sobrenatural sobre a criança, criando um contraste entre o tom azul da noite e o vermelho daqueles olhos assustados.

.

your tearstained face,

I am here tonight.

.

seu rosto marcado por lágrimas,

eu estou aqui esta noite.

.

Embalada por aquela voz, a criança aproximou-se da mãe, aconchegando-se em seu colo. Inspirou fundo seu perfume, encontrando ali a força de que precisava para encarar a brutal tempestade que destruía o mundo lá fora.

.

And someday you'll know

that nature is so.

.

E algum dia você irá saber

que a natureza é assim.

.

O menino levantou o rosto, encontrando o olhar de sua mãe.

.

This same rain that draws you near me

falls on rivers and land

and forests and sand,

.

A mesma chuva que te traz para perto de mim

cai nos rios e na terra,

nas florestas e na areia,

.

Ela olhou pela janela, e ele a imitou, mas viu apenas os raios que quebravam o céu como ele fosse feito de cerâmica.

.

makes the beautiful world that you see

in the morning!

.

criando o belo mundo que você vê

de manhã!

.

O menino inspirou fundo, desconfiado. Ele apenas via o caos, os ventos ferozes que abraçavam as árvores, as gotas que golpeavam o vidro da janela sem compaixão.

.

Little child, be not afraid.

.

Pequena criança, não tenha medo.

.

Ela o pegou no colo, e ele se deixou levar, mas apenas porque estava com medo. Já era grandinho demais para ser carregado por aí.

Quando a mãe se aproximou da janela, os olhos vermelhos da criança se arregalaram de terror. O som da chuva era mais forte assim tão próximo da janela, e a escuridão engolia tudo lá fora, transfigurando sombriamente o vilarejo que ele tanto amava. O vilarejo que era seu mundo.

.

The storm clouds mask your beloved moon

and its candlelight beams

still keep pleasant dreams...

I am here tonight.

.

As nuvens da tempestade mascaram nossa amada lua

e suas luzes de vela

ainda guardam sonhos desagradáveis...

Eu estou aqui esta noite.

.

Ele encostou a cabeça em seu ombro, buscando desesperadamente a magia que sua mãe via naquele cenário tão assustador. Os soluços martelavam sua garganta, fazendo seus lábios tremerem cada vez mais.

.

Little child, be not afraid.

The wind makes creatures of our trees

and the branches to hands...

.

Pequena criança, não tenha medo.

O vento transforma nossas árvores em criaturas

e nossos galhos, em mãos...

.

A criança escondeu o rosto no ombro de sua mãe. As árvores que tanto amava viravam monstros durante a tempestade. As árvores em que gostava de subir com a ajuda dos meninos mais velhos.

Sua mãe roçou o queixo em seus cabelos, cantando perto de seu ouvido. Mesmo o trovão lá fora não era suficiente para abalar aquela voz que aos poucos se infiltrava no coração do pequeno Kuruta.

.

They're not real, understand.

And I am here tonight.

.

Mas, entenda, eles não são reais.

E eu estou aqui esta noite.

.

Ela voltou para a cama e depositou o filho suavemente sobre o colchão, recebendo um olhar tristonho como resposta. Acariciou seus cabelos louros, demorando-se na região perto das orelhas, o local de carícias favorito da bela criança. Depois desceu para sua bochecha, deslizando os dedos pela pele rosada. O toque até parecia ser de veludo.

.

And someday you'll know

that nature is so.

This same rain that draws you near me

falls on rivers and land

and forest and sand,

.

E algum dia você irá saber

que a natureza é assim.

A mesma chuva que te traz para perto de mim

cai nos rios e na terra,

nas florestas e na areia,

.

O menino imaginou a chuva caindo sobre aqueles lugares distantes e se surpreendeu pensando no quão fantásticas seriam as aventuras em terras para ele desconhecidas. Seu mundo sempre se resumira ao vilarejo, mas o que haveria além dele?

.

makes the beautiful world that you see

in the morning!

.

criando o belo mundo que você vê

de manhã!

.

Ele pensou na grama verdejante e no orvalho deixado pela noite, e seu coração encheu-se de alegria. Pensar que a chuva alimentava aquela paisagem que ele tanto amava ajudava-o a gostar dela. Um pouquinho.

.

For you know,

.

Saiba que

.

A criança abriu os olhos, não se recordando de quando os fechara. Encontrou os olhos castanhos de sua mãe e encontrou ali o medo que sentia, o pavor infantil diante dos clarões e dos estrondos da tempestade.

.

once even I was a

little child...

.

uma vez eu fui

uma pequena criança...

.

Aquela revelação o surpreendeu. Não conseguia imaginar que sua mãe um dia fora uma criança como ele.

.

And I was afraid...

.

E sentia medo...

.

Essa parte era mais fácil de compreender. O Kuruta concentrou-se com todas as forças naqueles olhos castanhos assustados... E os viu se transformar.

.

But a gentle someone always came

to dry all my tears,

.

Mas alguém gentil sempre vinha

para secar todas as minhas lágrimas,

.

A Kuruta secou as últimas lágrimas com seu toque de veludo e abriu aquele sorriso que dispersava todas as trevas que tentavam dominar o coração do menino.

.

trade sweet sleep the fears

and to give a kiss goodnight!

.

trocar meus medos por doces sonhos

e me dar um beijo de boa noite!

.

Ela beijou seu testa com doçura, e o calor de seus lábios ficou marcado ali.

.

Well, now I am grown

and these days have shown

.

Bem, agora eu cresci

e esses dias me mostraram

.

Ela olhou pela janela, e ele a acompanhou, mas não sentiu medo desta vez. Por trás da tempestade, conseguia enxergar o mundo que tanto amava.

.

rain's a part of how life goes.

But it's dark and it's late,

so I'll hold you and wait

.

que a chuva faz parte da vida.

Mas está escuro e bem tarde,

então eu vou te abraçar e esperar

.

Ela cobriu o corpo de seu pequenino com o cobertor azul e alisou o tecido com carinho. O menino recostou-se no travesseiro, sentindo o sono pesar em suas pálpebras. Bocejou gostosamente quando sua mãe acariciou suas orelhas.

.

'til your frightened eyes do close.

.

até seus olhos assustados fecharem.

.

Ele piscou devagar e se obrigou a abrir os olhos de novo. Não queria dormir. Queria ouvir o resto da canção. Ele nunca se cansava de ouvir a voz da Kuruta que tanto amava.

.

And I hope that you'll know

that nature is so.

This same rain that draws you near me

falls on rivers and land

and forests and sand,

makes the beautiful world that you see...

.

Eu espero que você descubra

que a natureza é assim.

A mesma chuva que te traz para perto de mim

cai nos rios e na terra,

nas florestas e na areia,

criando o belo mundo que você vê...

.

Ele se viu correndo pelo vilarejo enquanto os pais observavam-no abraçados. Gostava de andar descalço pelo gramado, saltando e rodopiando com os braços abertos, sentindo o calor do sol em seu rosto.

.

in the morning!

.

de manhã!

.

O sono levou o pequeno Kuruta para um mundo distante onde a noite jamais chegava e ele podia brincar com seus pais e seus amigos até suas pernas tremerem de cansaço. O sorriso iluminava seu rosto.

Mas agora ele estava sozinho e encarava os destroços do que antes fora sua casa. Caminhando por entre as cinzas do vilarejo, o Kuruta já não tão criança perdia-se em lembranças.

Contornou uma das poucas estruturas que sobrevivera ao fogo. Era a janela da cozinha, pela qual ele costumava observar as crianças mais velhas enquanto sua mãe servia o almoço.

A dor preencheu seu peito. Seus olhos arderam. Sua garganta ficou apertada de repente.

Era apenas isso que elas eram. Lembranças. Lembranças de um passado distante.

Olhando pela janela, ele pensou naquela noite. Pensou na canção que sempre ouvia dos lábios de sua mãe nas noites chuvosas em que o vento fazia das árvores que amava criaturas horripilantes.

Uma lágrima desceu quente por seu rosto ao se lembrar da voz tão pura que nunca mais ia ouvir. Se ele ao menos pudesse voltar no tempo... Não se importaria de os dias acabarem cedo demais. Não se importaria com as chuvas que castigavam os vidros das janelas durante as noites e com os raios que cortavam o céu, jogando luz sobre seu rosto assustado. Não se importaria de chorar na frente de sua mãe, pedindo para ser mimado.

Ele entoou os versos finais da música, mas sua voz parecia errada. Ela não tinha a pureza e a leveza que sempre aqueciam seu coração.

.

Everything's fine in the morning.

.

Tudo está bem de manhã.

.

Ela não era a voz de sua mãe.

.

The rain will be gone in the morning.

.

A chuva terá ido embora pela manhã.

.

O Kuruta ergueu o rosto e deixou a luz do sol banhar suas faces. Seu peito doía muito, mas ele conteve os soluços a todo custo, deixando apenas as lágrimas escaparem por seus olhos fechados.

Cerrando os punhos, tentando conter o tremor dos lábios, tentando não pensar naqueles doces olhos castanhos, naquele toque de veludo, naquelas carícias em seus cabelos louros, naquele perfume inebriante, naquele calor que os beijos carinhosos deixavam em sua testa, ele cantou o último verso. O verso que mais doía.

.

But you'll still be here...

.

Mas eu ainda estarei aqui...

.

As lágrimas desceram livres por seu rosto, umedecendo o tabardo. Ele cessou a tensão em seus punhos, deixando os dedos livres, e abriu os olhos vermelhos.

.

in the morning...

.

pela manhã...


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