Azul escrita por OmegaKim


Capítulo 4
Quatro - Alivio.


Notas iniciais do capítulo

Oi?



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Quatro – Alivio.

Will

— William, fique. – o professor disse depois que o seu tempo de aula acabou e todos já estavam guardando seus materiais. Guardei meu caderno na mochila e esperei que todos saíssem.

O professor Marcus era um homem alto, magro e que tinha os dentes amarelos de tanto fumar. Mas era inteligente e era um ótimo professor de gramatica apesar de ser um tanto exigente na maioria das vezes. Depois que todos saíram, coloquei a mochila nas costas e fui até sua mesa, onde ele ainda permanecia muito sério anotando alguma coisa em uma folha. Quando me viu parado à frente da sua mesa, levantou o olhar e me encarou.

— William, eu corrigi a sua redação. – falou e já esperei pelo pior. Não estava em um bom dia quando fiz aquela redação, era mais um dos dias em que estava preocupado com Noah.

— E então? – perguntei de uma vez, a ansiedade tomando conta de mim.

— Está ótimo. – elogiou e soltei o ar que não sabia que estava prendendo. – Seus argumentos são ótimos, a gramática muito boa. Alguns errinhos na hora de usar a crase e vírgulas, mas tirando isso... – me ofereceu um sorrisinho. – você foi muito bem.

— Obrigado. – acabei dizendo.

— E vendo o seu desempenho – continuou. – acho que você se daria muito bem em uma Redação.

— Não estou entendendo, senhor. – fiquei confuso.

— Tenho um contato em uma revista e posso conseguir uma vaga de estágio, se te interessar. – me encarou ao passo que me mostrava surpreso.

— Nossa, mas eu... eu nem cheguei no segundo semestre. – falei.

— Você é um dos melhores alunos da turma, sempre tira notas altas e realmente se esforça nas matérias.

— Está mesmo falando sério? – acabei perguntando, a empolgação tomando o lugar da ansiedade.

— Se eu estiver você vai dizer sim? – perguntou, notei uma notinha de diversão em sua voz.

— Mas... mas é claro.

— Então está feito. – falou e voltou a olhar para os papeis em sua mão. – Hoje à noite vai ter um evento dessa revista e meu amigo vai estar lá, irei apresentar você a ele. Ok? – assenti. – Depois acertamos os detalhes. Vá para a sua aula, antes que se atrase.

Pisquei, totalmente empolgado e assenti.

— Nos falamos depois. – falei sem saber o que dizer. – Er... até então.

— Até. – ecoou e sai da sua presença.

Havia um sorriso enorme no meu rosto. Conseguir um estágio ainda estando no segundo período era simplesmente incrível. Era o tipo de sorte que maioria não ia ter, pois eu bem sabia o quanto essas coisas eram concorridas. Mas eu estava a um passo de conseguir e se conseguisse mesmo, isso ia me ajudar tanto. Ia ganhar um dinheiro e ainda adquirir experiência, esse estágio ia ficar no meu currículo e depois que me formasse poderia conseguir um trabalho mais rápido. Ou talvez essa Revista que o senhor Marcus estava falando gostasse do meu trabalho e me contratassem. Uau, eram tantas coisas para se pensar...

Realmente era uma notícia ótima.

Peguei meu celular, louco para compartilhar isso com Noah. Procurei o seu contato e iniciei a chamada. Dava tempo de falar com ele sobre isso enquanto ia para a sala de aula, ainda tinha alguns minutos antes que a professora aparecesse. A ligação nem ao menos chamou, caiu direto na caixa postal. Tentei mais uma vez apenas para ver se não era o sinal, mas não era. Seu celular estava mesmo desligado. Talvez ele estivesse esquecido de carregar, era o tipo de coisa que Noah faria.

Suspirei e guardei o celular no bolso da minha calça, então entrei na sala de aula. Mas tarde tentaria ligar de novo.

777

Maya

— Do que Noah estava falando? – Mike perguntou depois de um tempo.

Meus avós já tinham subido para o seu quarto para, quem sabe, pensar no que tinha acontecido há alguns minutos. No entanto, Mike tinha ficado. Ele permaneceu na sala junto comigo, cada um sentado em um sofá e pensando no que Noah tinha dito. Ainda estava surpresa por meu irmão ter dito aquilo na frente de nossa família, mas parecia o tipo de coisa que ele faria. Noah era impulsivo o suficiente para isso.

Olhei para Mike. Parecia sério e confuso ao mesmo tempo, como se estivesse uma leve ideia sobre o que Noah estava falando mas não quisesse acreditar ao mesmo tempo que não entendia como aquilo podia ser grave. Suspirei.

— Sobre nada. – respondi. Realmente não queria entrar nesse assunto, ainda mais com ele. – Noah só estava com raiva.

Mike ainda me fitou, estreitou os olhos para cima de mim do mesmo jeito que fazia quando eu era pequena e tinha comido biscoito antes do jantar sem permissão. Não adianta, quis dizer a ele, não tenho mais seis anos de idade. Mas não disse, apenas fiquei calada enquanto ele avaliava minha expressão corporal.

— Maya, - começou, estava mais sério agora. Nada da confusão de antes no seu olhar. Pareceu-me que ele já tinha encontrado a resposta por si mesmo. Apoiou os cotovelos no joelho e meio que se inclinou na minha direção, era tão parecido com Noah que por um momento senti vergonha, porque agora meu irmão sabia sobre o quanto Will me afetava. – você sabe o quanto Will é importante para o seu irmão, não sabe?

Engoli em seco sob o seu olhar tão duro. Ele sabia, me dei conta. Ele também sabia e devia estar pensando que sou uma pessoa horrível, sem moral alguma por sentir algo como isso.

— Eu sei. – me ouvi responder.

Mas saber não anulava o sentimento, não me fazia parar de querer ou desejar. Na verdade, saber apenas me impedia de seguir em frente com isso. Apenas me fazia me sentir culpada. Esse saber apenas me impedia de fazer a maior besteira da minha vida inteira.

Mike me fitou e então se pôs de pé e por um momento pensei que ele começaria um discurso sobre moral e bons modos, como era errado o que eu estava fazendo, como eu tinha me tornado esse ser mesquinho. Mas não, ele apenas me deu as costas. Subiu para o seu quarto em silêncio. Acho que no fim ele sabia também como era. Não foi isso que aconteceu entre ele e mamãe? Não foi por isso que ela enlouqueceu, afinal? Mike também já esteve na mesma situação que a minha. Ele sabia como era desejar alguém que não era seu.

777

Will

Tinha falado com o professor Marcus depois que minhas aulas tinham terminado, já passava das seis quando acertamos os detalhes e então fui para meu apartamento. Ainda liguei para Noah quando cheguei lá, mas o seu celular ainda estava dando desligado. Uma parte minha estava começando a ficar preocupado. Noah não ficaria com o celular desligado por muito tempo, em algum momento ele iria notar. Entretanto, não havia notado. E isso estava me enchendo de uma preocupação incomoda, era como ter um mosquito zumbido no seu ouvido.

No entanto, escolhi não ficar preocupado. Talvez estivesse exagerando. Noah não era nenhuma criança e até onde eu sabia, ele tinha uma consulta com o psicólogo hoje e alguma coisa na escola, acho que era uma atividade extra envolvendo música, que ele odiava. Talvez não pudesse manter o celular ligado durante a aula de música ou talvez, ele só seja um esquecido mesmo e tenha deixado o celular descarregar e depois percebeu que deixou o carregador em casa.

Tomei um banho rápido e me vesti mais rápido ainda se queria chegar no tal evento há tempo. O trânsito estava agitado hoje, por isso demorei para chegar no local do evento e por isso recebi uma expressão mau humorada do meu professor de gramática. Ele me disse alguma coisa sobre ser pontual já que eu queria causar uma boa impressão, mas não prestei muito a atenção a isso, estava ocupado ficando impressionado com a toda decoração do lugar. Não era um salão como pensei que seria, na verdade era uma casa. Uma casa enorme, digna dos filmes hollywoodianos. E a festa estava acontecendo no jardim. Todos estavam lá, bem vestidos e com copos de bebidas nas mãos ou simplesmente rindo e conversando com alguém. Não conhecia nenhum deles, mas só pelo modo como se vestiam eu sabia o tanto de dinheiro que cada um tinha e não era pouco.

— Por aqui. – Marcus me guiou. – Meu amigo está ali. – olhei para onde ele estava olhando e avistei um homem alto em um terno, estava numa rodinha conversando com outros homens e todos tinham um copo de uísque na mão.

777

Maya

A chuva começou depois das oito e Noah ainda não tinha voltado.

Tinha observado Mike ligar para meu irmão repetidas vezes, mas nenhuma tentativa tinha dado certo. Noah estava com o celular desligado. Ele também tinha ligado para Will, mas a ligação caia direto na caixa postal. Ou os dois estavam juntos e nos evitado ou cada um estava ocupado fazendo uma coisa. Tinha uma leve intuição de que Noah não estava com Will e que Will devia, sim, estar ocupado com alguma coisa. Mas não culpava meu pai por pensar em Will quando não conseguiu falar com Noah. Os dois viviam juntos, era de se esperar que ao pensar em um pensássemos automaticamente em outro, como se eles fossem irmãos gêmeos.

Me perguntei se isso não poderia incomodar Will de alguma maneira. Pois até onde eu sabia, não era saudável que um namorado fosse tão dependente do outro como Noah era dele. Mas eu sabia porque Noah tinha se tornado tão dependente do loiro e saber disse me entristecia o suficiente para que eu me sentisse um pouco pior.

— Já tentou o número de Bianca? – perguntei a Mike.

Ele estava realmente preocupado com filho assim como meus avós. Tínhamos achado que ele volataria logo, que só ia dar uma volta pelo quarteirão para esfriar a cabeça e então voltar, mas ele não voltou. Não apareceu no almoço, não veio depois que o sol começou a se pôr e não apareceu quando a chuva começou.

— Eu ligo. – minha avó falou e segurou o telefone como se alguém fosse tira-lo de si. A vi discar o número e depois aproximar o telefone da orelha.

Me sentei no sofá enquanto via meu pai passear na minha frente, pra lá e pra cá. Estava nervoso. Ele procurava alguma coisa no seu celular e quando achou, colocou o celular na orelha e só então me dei conta de que ele estava procurando o contato de alguém.

— Oi, Kate. Aqui é o Mike. – ele falou quando Kate, que mais tarde lembrei que ser a amiguinha do Noah, atendeu.

Eles começaram a conversar ao passo que eu lembrava que tinha o número de Daniel, peguei meu celular e procurei o seu contato. Estava torcendo para que Noah estivesse com ele.

Por favor.

777

Will

Passava das duas da madrugada quando ele bateu na minha porta, mas antes disso eu tinha estado rolando na minha cama. Segurando o celular de vez em quando e tocando na tela para saber se não tinha nenhuma mensagem ou chamada perdida dele, coisa que não tinha. Era um maldito silêncio desde dez da manhã quando o deixei em casa até as duas da manhã quando ele apareceu na minha porta, molhado e tremendo por causa da chuva.

— Noah. – arfei e joguei meus braços a sua volta. Estava preocupado o suficiente para achar que todo o pesadelo do ano passado tinha recomeçado.

— Aí. – reclamou e me afastei para olha-lo melhor.

Estava com o capuz erguido, mas isso não adiantava em nada contra toda a chuva que estava caindo lá fora. O tecido das suas roupas se colavam no seu corpo e o seu rosto estava pálido o suficiente para que eu notasse o corte no lábio inferior e o corte sangrento na sobrancelha esquerda. Uma linha fina de sangue descia pela lateral do seu rosto delimitando sua face pálida.

— O que... o que aconteceu com você? – perguntei surpreso. Então ele abaixou o capuz. – Céus. O que fez com seu cabelo? – e notei uma pontinha de nervosismo na minha voz.

— E-eu... e-eu... – tentou dizer, mas então desistiu se explicar e começou a abrir o zíper do seu moletom e só então notei que havia um certo volume ali e aquilo não poderia ser sua barriga.

Observei desconfiado algo surgir dali, estava menos molhado que Noah, mas ainda assim estava bastante molhado. Tinha orelhinhas e os olhos fechados, era branco e cheio de manchas amarelas e estava tremendo tanto quanto o meu namorado.

— Oh. – fui capaz de dizer e estendi minhas mãos em direção a coisinha frágil que era aquele ser.

Noah o segurou nas mãos e o passou pra mim.

— Es-estava na chuva... sozinho... Na-não podia deixa-lo. – contou gaguejando de frio depois que o peguei nas mãos. Era um gatinho, tão pequeno...

Estava de olhos fechados e por um momento pensei que pudesse estar morto, mas notei que sua barriga estava descendo e subindo, provando que ele estava apenas dormindo. Comecei a nina-lo.

— Tem roupas suas no guarda-roupa. – avisei e o vi ir em direção ao meu quarto, deixando para trás suas roupas molhadas no chão. Revirei os olhos.

Noah assentiu enquanto tirava o moletom e logo depois os tênis e então a camisa.

Quando ele ia aprender que não se deve deixar roupas espalhadas pela casa?

Fui até o sofá e deixei o gatinho ali. Então fui recolher as roupas de Noah do chão. Depois de colocar as roupas no cesto de roupa, voltei até onde tinha deixado o gato. Tinha trazido uma toalha para enxuga-lo, coisa que fez com que acordasse e só então notei os seus olhos muito amarelos e desconfiados sobre mim. Mas depois que o alimentei com um pouco de leite que havia na geladeira, ele pareceu se sentir mais seguro com a minha presença. Ainda era um filhote, talvez com quatro meses de idade magro e assustado.

Noah me encontrou na sala, com o gatinho no meu colo. Ele tinha dormido sobre minhas coxas depois que ficou com a barriga cheia, parecia com frio e carente. Então só o deixei se aconchegar ali e fiz carinho nele até que dormisse.

— Parece que ele gostou de você. – o garoto disse se sentou do meu lado, levantei meu rosto para encara-lo.

Tinha limpado o corte na sobrancelha e no lábio, nenhum dos dois estava sangrando mais, estava usando uma das minhas camisas e uma calça de moletom. Tinha ignorado completamente o que eu tinha dito sobre haver roupas suas no guarda-roupa. E o cabelo estava úmido, mas Noah não estava mais tremendo. Parecia aquecido e relativamente bem, o castanho dos seus olhos denunciava o fato dele não ter tomado os seus remédios. Estaria em estado de mania?

— O que aconteceu com você? – perguntei novamente, desejando que dessa vez ele me respondesse.

— Está falando disso? – apontou para o cabelo. – ou disso? – e apontou para os ferimentos no seu rosto, então sorriu como que para amenizar minha expressão irritada.

— Estou falando de tudo isso. – apontei para ele em si.

— Certo. – assentiu ainda meio sorrindo, então suspirou. – Vou começar pelo cabelo, ok? – assenti. – Eu só pintei. – confessou o obvio e eu revirei os olhos.

— Não diga. – resmunguei e com cuidado retirei o gato do meu colo e o coloquei sobre o sofá, então me pus de pé. – Me diga algo que não seja obvio, Noah. – cruzei os braços.

— Ok. Ok. – ele olhou para o teto. – Eu só estava desanimado com meu visual e então passei na frente desse salão e pensei “por que não?”, e a moça foi muito simpática comigo. – contou, desviou os olhos de volta para os meus. – Está tão ruim assim? – perguntou e agora parecia arrependido.  

Descruzei os braços e suspirei. Era o tipo de coisa que acontecia quando ele não tomava os remédios, todas as suas emoções eram multiplicadas por mil e tudo para ele ficava mais intenso. Era nesses momentos que as coisas podiam começar a dar errado, qualquer palavra mal colocada em uma frase era imediatamente levada para o lado pessoal e ele tendia a ficar irritado com coisas bobas ou então, ficava desanimado por motivos que não sabia explicar, ou, como agora, agia por impulso. Ficava alegre demais e gastava demais em coisas que não precisa ou pintava o cabelo de azul, como agora. O que eu precisava saber, era o que havia de errado, precisava saber o que tinha acontecido para que ele apertasse o foda-se mais uma vez.

Me abaixei a sua frente e segurei suas mãos.

— Ei. – ele olhou pra mim. – Eu gostei. – confessei. – Ficou bem em você.

Não estava mentindo. Tinha gostado do tom de azul que agora coloria suas madeixas, mas tinha estado surpreso demais no começo para admitir qualquer coisa.

— Mesmo? – e deu um sorriso mínimo.

— Mesmo. – concordei então ele se inclinou e me beijou, devagar e muito delicado.

Mas então me afastei, precisava perguntar uma coisa:

— O que aconteceu com seu rosto? – ele riu e deitou a cabeça no meu ombro.

— Eu caí.

— Essa é a sua desculpa? – me indignei e ele riu mais um pouco.

— Briguei com alguém. – confessou a verdade. – O cara me acertou com uma garrafa.

— O que? Como assim? Por que? – o afastei para poder olhá-lo nos olhos.

— Ele achou que eu estava dando em cima da sua namorada. Mas ficou tudo bem depois. – me tranquilizou. – Ele pediu desculpas quando percebeu que estava errado.

Continuei o encarando.

— Onde isso aconteceu?

— Numa festa. – e quando viu olhar sobre si, se explicou. – E antes que venha me dar um sermão, eu quero dizer que não estava bebendo. Juro que não tomei nada daquele lugar.

Estreitei meus olhos para cima dele enquanto me punha de pé.

— Vamos dormir. – falei por fim. Não queria brigar com ele à essa hora da manhã.

E já tinha percebido que Noah estava cansado. Seria melhor que fossemos todos dormir. Amanhã conversaríamos sobre tudo isso. Lhe dei as costas e segui para o quarto, Noah me seguiu. Me deitei do lado esquerdo e ele do direito, mas logo estávamos aconchegados um no outro, minha cabeça deitada sobre o seu peito enquanto ele passava os braços a minha volta.

— Você acha que ele vai ficar bem? – perguntou depois que apaguei a luz do abajur e fomos mergulhados em escuridão.

— Quem? – soltei confuso, meus olhos fechados. Noah estava cheirando a sabonete e chuva. Era uma combinação estranha e confortante.

— O gato. – respondeu.

— Acho que sim. – falei mais baixo, o sono vindo mais rápido do que esperava. – Vai sim. – falei por fim e dormir.

777

Noah

Acordei num rompante, mas rápido do que pensava ser possível. Estava suado e sentia como se o oxigênio não estivesse chegando até meus pulmões. Empurrei o cobertor para o lado e me sentei na beira da cama, meus pés tocando no chão frio. Estava sentindo como se alguém estivesse segurando meu pescoço e me impedindo de respirar, era tão desesperador que a única coisa que eu podia fazer era segurar meu pescoço e puxar o ar com força. Sabia que não tinha nada de errado comigo, que não tinha nada impedindo minha respiração mas a dor estava ali, queimando meus pulmões e todo o meu corpo estava tremendo.

— Noah. – escutei Will chamar, mas não consegui prestar atenção nele.

Apenas conseguia pensar que se eu não respirasse logo, iria morrer. Podia sentir meu coração parando de bater aos poucos e o sangue parando de correr nas minhas veias. Vou morrer, me dei conta. Já estou morrendo.

— Noah. – Will apareceu no meu campo de visão e segurou o meu rosto. – Olhe para mim. – ele mandou.

Tentei encara-lo, mas o medo frio e desesperador estava subindo por meus músculos e anuviando minha visão. Não conseguia focar o rosto de Will, por mais que piscasse. Estava ocupado puxando o ar, muito forte e apressado como se o oxigênio pudesse se extinguir a qualquer momento.

O loiro segurou o meu rosto e retirou minhas mãos do meu pescoço, ele olhou bem nos meus olhos e simplesmente me beijou. Duro e do nada, seus lábios se chocaram contra os meus. O afastei mais por não entender o porquê dele ter feito algo como aquilo enquanto eu estava tendo um ataque de ansiedade. Será que ele não percebeu que não era hora de beijar? No entanto, Will passou a mão por minha nuca e me trouxe para perto mais uma vez. Ainda muito surpreso me vi passar os braços a sua volta e o trazer para mais perto, enquanto o sentia sorrir contra meus lábios. Então ele se afastou e eu deitei minha cabeça no seu ombro e só então entendi o porquê dele ter feito aquilo. Estava conseguindo respirar, estava com meus batimentos cardíacos normais e nada do suor frio estava me afligindo mais. O ataque de ansiedade estava passando, devagar, indo embora aos poucos enquanto eu conseguia normalizar minha respiração.

William tinha feito algo parecido com que Maya costumava fazer quando esses ataques aconteciam, mas enquanto Maya me fazia contar números em diferentes línguas, Will me beijava. Mas ambos distraiam o meu cérebro ao ponto de que ele esquecesse que estava no meio de um ataque de ansiedade. Eram métodos válidos, no entanto devo admitir que prefiro o método do loiro do que a contagem de números de minha irmã.

— Obrigado. – sussurrei contra a sua pele, de olhos fechados, meus braços ainda em volta de si.

Era bom tê-lo perto, sentir o seu cheiro e apreciar o calor do corpo.

— Tudo bem. – seus braços a minha volta, a ponta do dedo brincando com meu cabelo. – O que aconteceu?

— Foi só um ataque de ansiedade. – respondi.

— Noah. – repreendeu, ele sabia que tinha sido mais do que isso. Mas não era como se eu quisesse contar, no entanto se eu não podia contar para Will que era a pessoa que eu mais confiava no mundo, para quem mais contaria?

— Eu só tive um pesadelo. – confessei o abraçando mais forte.

Era o suficiente. Não tinha chance de que eu contasse mais sobre isso. Se eu começasse a falar as imagens iam voltar assim como toda a dor e fazia mais de vinte quatro horas que eu não tomava meus medicamentos, não era como se eu quisesse surtar na frente dele. Não. Eu não ia falar mais nada. Will era esperto o suficiente para saber com o que eu estava tendo pesadelo.

Como em resposta ao que eu disse, ele me abraçou mais forte. Fiz o mesmo consigo. Capturei o seu cheiro de olhos fechados.

— Podemos voltar a dormir agora? – perguntei e bocejei contra a sua pele, o senti rir contra o meu pescoço e isso fez com que me arrepiasse.

— Podemos, docinho. – pronunciou meu apelido ridículo. Fazia bastante tempo desde a última vez que o escutei, assim como fazia bastante tempo desde várias outras coisas.

E você de repente me perguntei se Will sentia alguma daquela coisa, pois veja bem já faz bastante tempo desde que nos comportamos como um casal normal de namorados adolescentes. Mas eu sabia que o loiro era compressível o suficiente para entender o meu lado e aceitar minhas limitações, eu ainda não podia dar esse passo.

— Will. – chamei depois que nos deitamos.

— Hum. – resmungou e eu apostava que já estava de olhos fechados, quase dormido.

Devia estar cansado e eu não podia culpado, a faculdade era difícil e ele ainda tinha que se manter aqui em Los Angeles, já que tinha que pagar o aluguel do apartamento e até onde sabia, Will estava atrás de um emprego de meio período para poder ao menos não viver só da mesada dos pais, que sempre lhe mandavam todo mês para arcar com as despesas. E então havia eu, o namorado problemático que sempre o estava procurando quando as coisas ficavam ruins e causando preocupação desnecessária em si. Talvez minha avó tivesse razão, talvez fosse melhor se me internassem. Ao menos lá eu não estaria prejudicando ninguém e nem sendo um peso, como estava sendo para minha família e para Will.

— Eu te amo. – acabei dizendo. Era a única verdade no fim das contas, era a única coisa que continuava igual depois de tudo que já tínhamos passado e ao contrário do que todos pensavam e principalmente do que minha avó pensava, parecia ser o tipo de coisa que não mudaria tão cedo.

Senti quando ele me puxou para perto.

— Também te amo. – e beijou meus lábios, tão delicado que pensei que pudesse estar imaginando coisas.

Mas não, eram realmente seus lábios sobre os meus. Segurei a gola da sua camisa e o puxei para mais perto, precisava de mais contato. E como que entendendo o que eu queria, seus lábios desceram pelo meu rosto e foram parar no pescoço, deixou beijos ali fazendo com que um arrepio subisse por meu corpo e um suspiro saísse dos meus lábios. Em um movimento rápido, Will ficou por cima de mim na cama, nossos quadris se pressionando e a boca dele na minha mais uma vez. Era tão bom tê-lo tão perto de novo... Mas então as suas mãos começaram a descer por meu corpo, senti a ponta dos seus dedos escorregar por baixo da minha camisa e tocar minha barriga. Suas mãos logo estavam segurando minha cintura e me puxando para perto, sua boca estava outra vez no meu pescoço e seu o hálito estava batendo contra a minha pele.

Fechei os olhos, muito apertados. Queria me concentrar nele, em Will e em como aquilo era bom. Mas minha mente continuava me puxando para os pesadelos, continuava mostrando imagens que eu não queria ver. Então não pude mais me conter e simplesmente o afastei, minha mão no seu peito e o empurrando para longe.

O loiro me encarou surpreso e confuso. Retirei minha mão do seu peito e abaixei minha camisa cobrindo a pele exposta, então me pus sentado na cama.

— Desculpe. – meio falei meio sussurrei. Me sentia tão envergonhado por isso ter acontecido que nem ao menos consegui olhá-lo. – me desculpe. – repeti e sai da cama, estava abraçando a mim mesmo quando entrei no banheiro.

Sentia meu estômago revirar e estava começando a tremer. Tranquei a porta do banheiro e então me ajoelhei na frente do vaso sanitário e vomitei. Não tinha comido nada desde a sopa que Will tinha me dado mais cedo, então não havia muita coisa para botar para fora. No entanto vomitar parecia ter me trazido algum alivio mesmo que as imagens continuassem na minha cabeça e eu estivesse chorando.

Será que isso nunca vai passar? Será que esse vazio doloroso nunca vai embora?

— Noah. – Will chamou depois de bater na porta.

Limpei minhas lágrimas com a costa da mão direita e engoli o choro. Não queria que ele soubesse disso, não queria que ele tivesse que carregar os meus problemas também. Will merecia um namorado normal, não alguém como eu, cheio de fantasmas e que nem ao menos pode suportar um toque mais íntimo sem surtar.

— Está tudo bem. – menti e fechei os olhos enquanto me encolhia no canto do banheiro, minhas costas encostadas na parede de azulejo. Abracei meus joelhos e chorei baixinho.

“Você é meu agora, Noah”. Escutei em minha mente, a voz daquele homem.

— Não. – sussurrei em meio ao choro. Não pode ser verdade.

— Noah, me deixe entrar. – Will pediu.

Engoli o choro mais uma vez enquanto limpava meu rosto, não queria que ele me visse assim. Isso só aumentaria minha vergonha.

— Está tudo bem, Will. – menti de novo. – Eu só preciso ficar sozinho.

O loiro ficou em silêncio na medida que eu me punha de pé. Fui até o pequeno armário-espelho que havia em cima da pia do banheiro, o abri e procurei alguma coisa. Will guardava seus artigos de higiene ali. Loção pós barba, pasta de dente, escovas – incluindo a minha -, espuma de barbear e lâminas. As lâminas que ele usava para se barbear. Eu segurei uma, percebi que o metal estava gelado nas minhas mãos.

Retirei minhas roupas e fui até o chuveiro com a lâmina em mãos. Liguei o mesmo e me enfiei ali embaixo, precisava me limpar. Precisava que esse latejar angustiante saísse do meu peito. Eu queria parar de sentir tanta dor, queria que tudo isso parasse de uma vez. Aproximei a lâmina da pele da minha barriga e fiz o primeiro corte, a água lavando meu sangue e a dor se aliviando minimamente.  

777

Liz

— Você sabe que está sendo um idiota, ne? – falei enquanto o via arrumar as malas. Ele revirou os olhos. É, ele sabia.

— Isso não é pelo Will, se é isso que está pensando. – respondeu mal humorado.

Rolei na cama ficando de barriga para cima.

— Sim, é. E você sabe que sim, então não venha com essa baboseira de “estou indo para Los Angeles porque passei na faculdade”, porque não engana ninguém muito menos você, Matt.

O garoto suspirou e parou de guardar as roupas na mala e me encarou. Parecia irritado, ofereci a ele um sorriso amarelo. Mas então suspirei.

— Por que está indo para lá? Deixe Will em paz. – acabei dizendo. – Ele está feliz com Noah.

— Já disse que isso não é por Will. – falou de novo. – Viu? Era por isso que não queria ter contar que tinha passado na faculdade de LA. – cruzou os braços, parecia realmente chateado.

Olhei para teto.

— Tudo bem. Tudo bem. – disse. – Não vou mais dizer nada.

Mais porque não adiantaria coisa nenhuma. Matt era teimoso o suficiente para continuar insistindo em algo que não vale a pena. Eu sabia que enquanto ele não quebrasse a cara de vez, ele não iria desistir e eu bem que estava tentando o proteger da dor e tudo mais, no entanto o garoto tinha essa ideia fixa de ter um final feliz com Will. Era o tipo de coisa boba que o amor fazia com as pessoas: as tornava trouxas.

— Promete ao menos que não vai fazer nenhuma besteira? – o encarei.

— Preocupada comigo? – ergueu uma sobrancelha e eu ri.

— Sempre estou.

Ele sorriu.

— Nada de besteiras da minha parte. – e me sentei na cama e cruzei os braços. – Prometo. – disse por fim e sorri para ele.

Era um idiota apaixonado pela pessoa errada.

Eu sabia que ele quebraria a cara, mas esperava ao menos que não doesse tanto. Matt era um cara legal, o seu problema estava em gostar de alguém que já pertencia a outro alguém.

— Vamos. – falei depois que me pus de pé, segurei sua mão e o puxei em direção a saída do seu quarto.

— Espera... o que?

— Sua festa de despedida. – expliquei e ele sorriu pra mim enquanto eu sorria de volta.

 


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Notas finais do capítulo

Mil desculpas a todos!!! Sei que dei uma desaparecida, mas não foi exatamente minha culpa apesar de grande parte ter sido...
Mas estou aqui de novo e prometo não ser tão ausente. Sei também que estou sendo uma autora desleixada com vcs já que ainda não respondi os comentários, mas quero que saibam que vou organizar meu tempo e dar mais atenção a você. Então por favor perdoem minha demora e minha preguiça rsrs...
Comentem e é isso.
xoxo



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