— Rainha para B-6. Xeque mate – a cega disse, com uma expressão marota no rosto – e com isso tenho a vigésima quarta vitória consecutiva!

— Não! – a outra queixou-se, inconformada – Olha, tem como eu mover o cavalo para B-5 e...

— Olha o bispo, Katara, o bispo! – Toph sorria triunfante – admita que eu sou a melhor jogadora de xadrez que você já conheceu!

As duas mulheres estavam sentadas no jardim em bancos de terra, um tabuleiro de pedra estava entre elas. Peças vermelhas e pretas estavam dispostas na superfície lisa e brilhante.

— São as peças vermelhas! Você sempre escolhe elas! Sempre ganha com a rainha! – a mulher jogou o argumento irracional apenas para não admitir o quão boa a namorada era naquele jogo.

Poderiam já se conhecer há dez anos, sendo oito de relacionamento, mas a antiga rivalidade infantil entre elas permanecia. Era bem comum terem aquelas partidas ao fim da tarde, no jardim da casa de praia, como uma escapatória das responsabilidades da vida adulta.

— Katara, não sei se você se lembra, mas eu sou cega, não tenho a mínima ideia de como são as cores – Toph, através da dominação de terra, elevou o monte em que estava sentada para parecer superior – Se venço sempre é porque sou mais inteligente que você!

— Não é minha culpa se eu não tive um instrutor profissional de Gungi me ensinando desde os três anos de idade – Katara falou em deboche, não pôde mais aguentar e começou a rir.

Sempre acabava assim. Era um ritual. Um momento tão íntimo e belo quanto as noites sob lençóis. Tão prazeroso e precioso quanto os orgasmos que dividiam. Tão infantil e puro quanto o primeiro beijo que tiveram há pouco menos de dez anos, sob o sigilo das silenciosas ruas de Ba Sing Se.

O lindo tom alaranjado que recaia sobre o jardim florido foi logo desaparecendo, dando lugar à densa escuridão noturna. Se não tivesse começado a chover, era bem provável que passassem mais uma noite em claro jogando com as frágeis peças vermelhas e pretas.

Enquanto Katara cuidava de mantê-las secas, Toph guardou o jogo, deixando por último, de propósito, a bela rainha vermelha.