Desde que eu falei à Sara aquelas coisas, não a vi mais. Ela se trancou no quarto dela e não saiu mais de lá pra nada. Nem me importei! Que ela ficasse lá se quisesse. Era melhor mesmo!

Enquanto isso, eu fiquei na sala sozinho e tentando me distrair com a TV, mas sem conseguir ser bem sucedido nisso. Pouco tempo depois do ocorrido, a minha mãe entrou em casa e me encontrou largado no sofá - ainda todo arrumado por conta da saída com Heather - e olhando pra TV de cara amarrada, ainda por conta daquela história de topar com Nick e Sara sozinhos aqui.

Minha mãe que não sabia da razão de eu estar daquele jeito, questionou-me a respeito do quê tinha acontecido pra eu estar com aquela cara. Eu não pensei duas vezes em começar à lhe despejar com a mesma indignação e raiva, o que falei a Sara.

E, em meio ao que eu lhe contava, a minha mãe começou a rir. Então, interrompi o que estava lhe dizendo e questionei-a o motivo pelo qual ela ria. Quando ela me respondeu, quem riu fui eu pelo que ela disse. Mas meu riso era uma mistura louca de nervoso e espanto.

Simplesmente, minha mãe falou que eu estava com ciúmes da Sara!

—Eu com ciúmes dela?

—Exatamente!

Sorrindo, ela me confirmou com a maior naturalidade possível. Acho que a minha mãe perdeu a lucidez do que diz. Ou talvez, ela não esteja tão longe da verdade!

Não! Que isso?!

Eu estava apenas indignado e com raiva por aquela garota ter trago alguém pra cá quando nem minha mãe e nem eu estávamos aqui. Isso não quer dizer, que eu estava com ciúmes de Sara. Ou será que estava?... Não! Claro que não!

Por que eu teria ciúmes dela?

Inclusive, foi essa mesma pergunta que fiz a minha mãe e sabe qual foi a resposta dela pra isso?

Ela simplesmente disse que "Eu gosto da Sara e por isso estava com ciúmes dela!".

—A gente só sente ciúmes de quem gosta... e muito!

Minha mãe endossou seu argumento com essas palavras, quando eu neguei o que ela disse.

—Eu não gosto dela desse jeito!

Mais uma vez neguei, mas sem a menor convicção e minha mãe percebeu isso, pois sorriu e ainda me lançou a questão:

—Será que não gosta mesmo? - E sem me dar tempo de respondê-la, ela mesma respondeu a própria pergunta. _Eu acho que sim. Mas você ainda não se deu conta disso. Ou do contrário, por que esse ciúme todo dela com Nick?

—Não é ciúme, mãe. Já disse! - Eu negava pra tentar convencer a mim mesmo disso e não propriamente a minha mãe. Mesmo não querendo admitir, eu sabia que estava com ciúmes. Agora o por quê disso, é que era a grande questão pra mim. Ou nem tanto assim!

—Filho... você pode negar, mas está evidente pra mim que é ciúmes isso. Você tá gostando da Sara e quer saber de uma coisa? Pelo que eu percebi dela, ela também tá gostando de você!
Quê??? Eu não escutei isso, escutei?

—Eu acho que a senhora está vendo coisa que não existe. Eu gosto da Heather. E Sara gosta do Nick, ou do contrário, por que estaria com ele?

Minha mãe veio até mim e tocando meu ombro, disse com um sorriso indisfarçável:

—Talvez, Sara goste da companhia do Nick. Ele é bom rapaz. Mas, algo me diz que Sara gosta de você, Gil!... Sente ciúmes de você com a Heather assim como você sente ciúmes dela com o Nick. Acho bom, vocês resolverem isso!

Tão logo minha mãe me falou isso, ela se afastou, dizendo que precisava tomar um banho. E seguiu em direção às escadas, me deixando sozinho na sala e sem ter a chance de contra-argumentar aquelas suas palavras. 

E assim que ela sumiu da minha vista uma única pergunta me veio a cabeça. O que ela quis dizer com aquilo de: "resolverem isso"?

...

Meus olhos encaravam os pontos luminosos em formato de estrelas no teto do quarto, que eram decorrentes da luminária que meu pai havia me dado no último Natal dele com a gente. Eu adorava aquela luminária e guardava-a com muito carinho. O efeito dela no quarto era espetacular, me fazia sentir como se estivesse no espaço cercado de estrelas brilhantes.

Suspirei e mais uma vez, virei-me um pouco na cama e apanhei o celular que se encontrava na mesinha ao lado. Era a sete ou oitava vez que fazia isso na última uma hora.

Passando o dedo sobre a tela do aparelho pra destravá-la, vi então às horas: 01h07m da madrugada. Eu não estava conseguindo dormir desde que me acomodei ali há um tempo bastante razoável.

Essa falta de sono era por culpa da minha mãe. A minha cabeça só maquinava a conversa que tive com ela. Cada palavra que dona Beth me disse, martelava e martelava em minha mente me deixando mais confuso acerca daquilo tudo.

Ok! Embora eu tenha negado à ela que não estava com ciúmes da Sara, mas era óbvio que eu tava. Só não quis admitir a minha mãe.

A verdade é que Sara tem me confundido de uns dias pra cá. E as coisas que a minha mãe disse só fizeram mais confusão ainda.

"... Mas algo me diz que Sara gosta de você, Gil!... Sente ciúmes de você com a Heather assim como você sente ciúmes dela com o Nick. "

Será que isso é verdade?

Será que ela gosta de mim mesmo e sente ciúmes?

Droga!

Por que eu tinha que começar a me dar bem com ela? Só pra ficar assim confuso com meus sentimentos!

Há uns dias eu era totalmente apaixonado pela Heather, só pensava nela e agora, eu já não tenho tanta certeza dos meu sentimentos por ela e ainda de quebra, fico pensando na Sara quando estou com Heather.

Eu ainda gosto da minha vizinha, mas também... acho que tô gostando daquela insuportável!

Como isso é possível?

Como foi que isso aconteceu se somos tão diferentes?

—Eu acho que preciso de um chá pra vê se assim me dá sono e eu durmo de uma vez.

Levantei da cama, calcei meus chinelos e saí do quarto tomando o devido cuidado pra não fazer barulho e acordar minha mãe. Ela tem o sono leve.

Desci as escadas na ponta do pé e segui em direção a cozinha. Ao me aproximar da porta ouço uma música num tom baixo vinda de dentro do cômodo. A melodia da canção era boa, só não fazia ideia de quem cantava ou como se chamava a música. E a julgar pelo estilo dela, não podia ser a minha mãe quem a ouvia e sim, Sara.

—Boa música!

A minha hóspede me olhou no mesmo instante em que disse tais palavras enquanto adentrava na cozinha.

—"Surprise Youself", Jack Garratt.

Foi tudo o que ela me disse antes de levar a xícara a boca.

—Nunca tinha ouvido antes, até agora é claro - Acomodei-me na cadeira de frente a Sara. A minha "insatisfação" com a garota acomodada diante de mim, já havia passado. Apesar de eu ainda não ter engolido o fato dela e Nick terem ficado sozinhos aqui, por sabe-se lá por quanto tempo. _Pensei que só tivesse rock nesse seu celular e não essas... baladinhas pop.

—Pra você vê. Eu tenho um gosto eclético! Apesar de não aparentar.

Apenas estiquei os lábios em um discreto sorriso enquanto observava Sara levar a xícara outra vez aos lábios.

—O que faz acordada à essa hora?

—Perdi o sono e vim tomar chá. Mas... já acabei e vou subir pro meu quarto.

Ela parou a música, guardou o celular no bolso da calça moletom que usava e se levantou da cadeira dela, levando sua xícara até a pia pra lavá-la.

—Você tá indo por que já acabou mesmo, ou... só por que eu cheguei?

Algo me dizia que a minha presença era a responsável por aquilo.

Com certeza, ela estava querendo evitar minha companhia em virtude do que houve.

—Quer que eu diga a verdade ou  minta?

Ela me questionou de costas pra mim enquanto lavava a sua louça suja.

—Acho que depois dessa sua pergunta, eu já faço ideia da resposta verdadeira.

Ela estava chateada comigo, isso pra não dizer coisa pior. E a verdade é que Sara tinha toda a razão pra isso.

Sem me dizer mais nada, vi Sara desligar a torneira, enxugar a xícara que lavou e guardar a mesma no armário. Depois, a minha hóspede passou por mim sem me olhar e apenas me dirigiu um seco "boa noite".

—Desculpa! - Pedi inesperadamente e vi Sara parar há poucos passos da porta. _Eu não devia ter falado aquilo e nem daquele jeito com você.

—Não devia mesmo!

Ela me retrucou alguns segundos depois de ficar parada e virando-se logo em seguida, pra me olhar.

—Foi mal!

—Foi péssimo isso sim! Só que você tinha razão. Essa casa não é minha pra ficar trazendo outras pessoas pra cá, quando você e sua mãe não estão. Mas pode ficar despreocupado que isso não vai acontecer de novo e por dois bons motivos. O primeiro, é que o Nick viajou com os pais para casa do avô dele no Texas e ficará por lá uma semana.

Achei uma ótima isso.

—E o segundo motivo?

—Eu vou passar uns dias na casa da minha tia. Falei com as minhas primas pelo celular e elas toparam arranjar uma brecha no quarto delas pra mim. Então, eu vou amanhã pra lá. Pela manhã falo com sua mãe e peço pra ela me deixar lá na casa da minha tia antes de ir pro trabalho dela.

—Você vai por causa do que houve, não é?... Se for, olha... eu tô te pedindo desculpa. Não precisa ir.

Ela já estava sendo radical, pra não dizer, dramática demais fazendo aquilo. Tudo bem, ela tinha sua razão de ficar chateada, mas não era pra tanto.

—Eu só quero passar uns dias com as minhas primas. O que houve mais cedo não tem nada a ver com isso.

—Por que será que eu não consigo acreditar nisso?

—Isso aí é problema seu. Mas devia estar feliz com a notícia, pois você vai se livrar da minha desagradável companhia por uns dias, quatro olhos. Sem contar, que terá de novo, a casa só pra você. O silêncio que tanto gosta e ninguém te perturbando! Quer coisa melhor?!

Antes, talvez, logo quando ela chegou ali e me desse aquela mesma notícia, sem sombra de dúvida, eu ficaria exultante em saber que me livraria por uns dias de sua companhia. Mas agora, as coisas mudaram nos últimos dias. E, por mais que eu até quisesse, não conseguia ficar feliz sabendo que ela iria passar dias longe daqui.

—Boa noite, quatro olhos!

Socando o meu braço como já virou seu costume, ela me dirigiu tais palavras após ficarmos em silêncio depois do que ela havia me dito. Em seguida, Sara saiu da cozinha e eu fiquei sozinho ali, me sentindo o único responsável por tudo aquilo.

—Eu sou um idiota!