Diário de Uma Vela escrita por Mila Karenina


Capítulo 4
Uma Nova Mayara


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá, olá! Prometi que não demoraria e aqui estou ♥
O número de comentários caiu tanto :(, isso me deixa desanimada demais da conta.
Enfim, beijos e boa leitura.



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O que te faz completo?

Desde que me entendia por gente, escrevia uma espécie de discurso interessante caso ganhasse o prêmio Nobel alguma vez e ele começava com a pergunta: o que te faz completo? Daí eu começava a explicar o que me fazia completa e praticamente acabava com as pessoas de onde moro, mostrando o quanto sua estupidez fez com que sentisse vontade de não ser como uma delas.

Por mais que me julgasse mais inteligente que algumas daquelas pessoas, no momento estava deliberando sobre a identidade do misterioso loiro. Ele havia dito que seríamos apresentados formalmente e deu a entender que conhecia meu pai, quem ele seria? Tinha alguns palpites, mas eles envolviam a sexualidade de meu pai e uma suposta nova esposa. Era melhor perguntar diretamente.

Meu pai saía do seu trabalho e costumava beber algumas cervejas, sentado na mesa da cozinha, enquanto escutava as terríveis notícias sobre nosso país e reclamava da situação atual. Ele costumava ser um petista de coração, mas ficou chateado com alguns acontecimentos e simplesmente desligou-se do partido, em contrapartida, odiava o PSDB e acreditava que sua sigla deveria ser PDBF, ou partido dos bandidos falsos. Eu bem que concordava.

O senhor José Carlos era um homem de meia idade; cabelos grisalhos brincavam sobre sua careca e seu sorriso ainda parecia ter algum brilho de juventude. Seus olhos eram escuros como os de sua família e sua pele lembrava-me um pouco a dos índios, mesmo que não conhecesse nenhum careca. Era um homem baixo, pouco maior que eu e curtia um pouco de tudo: amava forró, sertanejo, moda de viola, axé e até arriscava uns passos de funk. Era uma pessoa expressiva.

Nós nos dávamos bem, mas às vezes me irritava com a sua bondade. Por ser um homem bom demais, as pessoas costumavam abusar da sua boa vontade. Pegavam dinheiro emprestado — e ele nem tinha tanto para emprestar — e quase nunca devolviam, pediam favores e favores e até almoçavam em minha casa. Aquilo me tirava do sério, mas ele sempre respondia que a culpa não era dele por ter um bom coração e sim das pessoas por se aproveitarem. De um jeito ou de outro, precisava logo perguntar sobre o loirinho bonito, ou melhor, o senhor Daniel vindo do céu.

— Oi pai! — cumprimentei. — Curtindo uma loira gelada?

Ele dei um leve sorriso e levantou o copo.

— Ainda espero pelo dia que me acompanhará! — ele respondeu, com os olhos na TV. Estava vendo aquele jornal que só passa notícia ruim.

— Dou valor ao meu fígado, obrigada.

— Bebendo ou não, todos morreremos um dia — ele argumentou. — Estou te achando triste, aconteceu algo?

Sabia que se comentasse sobre Artur, meu pai ia ameaçar o garoto de morte, então preferi ficar em silêncio. Meu pai tinha um coração bom, como havia dito, mas tratando-se de sua única filha, o cara se transformava em um monstro. Não dava lá muito valor para a triste e dramática vida do cobra, mas preferia que ele continuasse vivo para que algum dia, eu mesmo o assassinasse de forma brutal.

— Não, nada de novo na fabulosa vida de Mayara de Souza.

— Já disse que deveria arranjar um namorado! Na sua idade já tinha tido umas quinze namoradas…

— Talvez não tenha herdado o seu charme — debochei. — Pai, um tal de Daniel mandou um abraço.

Esperava que meu pai ficasse indiferente à minha fala e que dissesse não conhecer nenhum cara com esse nome, mas ele não o fez. Na verdade, abriu o maior sorriso do mundo e levantou-se da cadeira. Ou ele conhecia o cara e o achava o máximo ou minha suposição sobre ele ser amante do meu pai estava correta.

— Onde conheceu o Daniel? — ele questionou.

Por Deus, que meu pai não esteja namorando o cara mais gostoso da cidade.

— Não o conheci, só cruzei com ele na rua e ele pareceu me conhecer de longe! Andou mostrando fotos minhas para as pessoas?

O senhor José Carlos riu.

— Quando se tem uma filha linda assim, temos que mostrar fotos sempre!

— Que piada ridícula! — Enruguei a testa. — Da onde veio esse gostoso, digo, garoto?

Ele não perdeu a oportunidade e caiu na gargalhada. Por que tinha dito aquilo? Agora teria de aguentar boas chatices.

— Então minha filhinha finalmente está balançada por um garoto! — ele exclamou. — Sabia que no fundo não era lésbica.

— Ei! Eu não estou balançada por ninguém, por sinal, balançada é uma palavra muito… hã… primitiva! Só estou perguntando porque é meio estranho um cara diferente te parar na rua e falar do seu pai como se fossem amigos.

— O Daniel é filho do meu chefe, o Arlindo, é um garoto muito esperto e até eu admito, é um cara bonito — meu pai foi falando. — O Arlindo quer que te apresente para ele, o que acha?

Não. Aquilo não podia estar acontecendo. Quando foi que minha vida se tornou uma história onde misteriosamente a mocinha se encontra com o mocinho? Não podia ser comigo, aquilo era mais a vibe da Laís.

— Acho uma péssima ideia! — respondi firmemente.

Sempre tento fugir dos clichês, mas eles acabam acontecendo sem que eu perceba. Era muita sorte/azar ter uma espécie de encontro pré marcado com o bonitinho do trailer. Além do mais, ele já tinha até oferecido uma mão para me segurar quando caí. Romance colegial americano, oi? Não era nada disso, nem podia ser. Primeiro porque morava no Amazonas, alô alô, floresta! Segundo porque não tinha uma aparência legal e por último, por eu ser a boca virjona do terceiro ano. A boca virjona do terceiro ano não tem sorte com essas coisas e eu não colocaria na minha cabeça que poderia conquistá-lo com meu senso de humor maravilhoso. Pera aí, eu queria conquistá-lo?

Minha cabeça estava girando. Era muita informação para um dia só. Laís me mataria para estar no meu lugar, mas eu não queria nada daquilo. Queria apenas continuar levando minha vida, mas pera aí, por que já estou tão nervosa com isso? A ansiedade estava chamando minha atenção.

— Que foi, filha? — Meu pai me jogou de volta no mundo real.

— Nada não — menti. — Vou para meu quarto.

Não tive de subir escadas para chegar ao meu quarto, minha casa tinha apenas um andar e ele nem era grande coisa.

*/*

Minutos haviam passado. Eu não acreditava em amor à primeira vista, na verdade ninguém com mais de quinze anos acreditava. Poderia então descartar essa possibilidade, não estava apaixonada pelo estranho de cabelo maravilhoso. Só estava impressionada com sua beleza, não víamos muitos garotos bonitos por aqui. Era só isso e ponto.

Sentia falta do cheiro de cigarro, logo eu que sempre odiei. O seu parecia ter um cheiro diferente, como se fosse feito de outro material e ele tivesse um cheiro hipnotizante. Talvez fosse maconha e eu já estivesse viciada, no fim aquilo teria uma resposta lógica e ela não teria nada a ver com paixão ou amor. Tira isso da sua cabeça, querida!

As palavras de Artur ainda estavam na minha cabeça, ele havia dito que era incapaz de ficar com qualquer pessoa. Minha mente voou até o loiro novamente, se algum dia conseguisse ficar com alguém, que fosse com alguém do mesmo nível dele. Bonito, sexy e aparentemente inteligente. O único problema era que bem, eu era eu.

Levantei-me e me olhei no espelho.

Eu era uma garota de altura mediana, não era alta como uma modelo, tampouco baixinha. Meus seios eram pequenos, não pequenos e redondos ou algo assim, eram pequenos do tipo adolescente antes da puberdade. Eles eram tão inexpressivos que poderia andar sem sutiã por aí sem problema algum. Minha cintura era levemente marcada, mas não era tão curvilínea assim. Meus quadris eram médios, proporcionais aos meus ombros e seus ossinhos estavam ali mostrando-se ao mundo.

Meu rosto era aparentemente comum, mas olhando-se direito, notava-se minha herança judia. Meus olhos eram verdes escuros, tão escuros que às vezes pareciam castanhos e meu nariz era médio, não era grande; minha boca era bonita, carnuda e bem desenhada. No fundo, não era feia, mas também não era nada bonita.

     

       Meus cabelos eram cortados bem curtos, na altura do queixo. O corte era feito por mim mesma e os adorava assim, mas minha opinião sobre mim mesma estava mudando. Estava me sentindo feia e sem graça.

Estava desejando cabelos mais longos, pernas mais grossas, peitos maiores. Estava desejando ser um pouco mais desejável, mesmo sabendo que isso era idiotice e que padrões de beleza são feitos para serem quebrados. Defender uma ideia é muito mais fácil do que vivê-la, sempre defendi que ser diferente é bonito, mas a verdade é que desejava incessantemente ser um pouco mais igual.

É errado querer mudar às vezes? Pois bem, eu queria.

Depois de ponderar sobre minha atual situação, decidi que mudaria o meu estilo de roupa. Precisava usar roupas que valorizassem mais meus “atributos” e quem sabe assim me sentiria melhor. Sua sanidade mental é sempre o mais importante e a minha parecia estar dependendo daquilo.

Saí do meu quarto e logo dei de cara com meu pai, que ainda tinha sua bebida em mãos. Olhei disfarçadamente para seus pés descalços e em seguida sorri.

— Pai, me dá dinheiro para comprar roupa? — perguntei.

Ele arregalou os olhos escuros, parecia estar muito surpreso.

Em meus dezessete anos eu nunca pedi um só real para comprar roupa. Ele sempre comprava as minhas e eu as aceitava de bom grado. Ele trabalhava em uma loja de roupas, o que facilitava ainda mais a sua função. Particularmente não curtia muito as roupas de lá, mas essa é a vida.

— Você quer dinheiro para comprar roupa? — Ele riu. — Quem é você e o que fez com minha filha?

— Tô falando sério…

— De quanto precisa, querida? — Meu pai adorava imitar o Donald Trump. Isso me irritava, já que o odiava.

— Não sei, quanto puder me dar.

Ele então tirou duas notas de cem do bolso e me deu. Fiquei assustada. Achava que não precisaria de tanto.

Saí de casa com meu dinheiro no bolso e determinação em minha mente. Compraria roupas bonitas e aumentaria minha baixa auto-estima e isso aconteceria hoje. Bem, assim eu achava.

O início de uma música do BTS começou e logo procurei, precisava saber de onde vinha o hino. Foi então que me dei conta que era meu celular tocando. Atendi na quarta chamada e ouvi a estridente voz de Laís do outro lado da linha.

— May! Como você está? — ela perguntou, parecia preocupada.

— Estou bem e você?

— Sei que não está bem, o Artur foi um idiota com você.

— É, ele foi — afirmei. — Mas ele sempre foi um idiota.

— Então, quer sair comigo hoje? Tenho um encontro com o Natan e acho que você ia gostar…

Ali estava tudo novamente. Precisa servir de vela mais uma vez? Essa era minha única utilidade? Não, não era e não seria dessa vez. Eu tinha uma vida e a viveria, chega de ser vela por agora…

— Eu te pago um X-bacon — Laís falou.

Tudo bem, tudo bem, lanches eram coisas abençoadas. Como conseguiria negar um lanche? Não poderia negar, mas pera aí… Eu ia negar. Só precisava arranjar forças o suficiente para dizer: chega e sair dessa vida de vela.

— Não vai dar não, Laís — respondi, estava tremendo.

— Como assim? — Ela pareceu chateada. — Poxa, May, precisava tanto de você.

— Eu vou hã… Eu vou ter um compromisso e não poderei ir.

— O que você vai fazer? — perguntou desconfiada.

— Vou hã… Eu vou fazer compras.

— Legal! Posso ir com você? — Senti sua animação.

Não precisei pensar muito para responder. Aquele era um momento meu, só meu e não queria Laís por perto. Amava minha amiga como uma irmã, mas sabia que ela me influenciaria.

— Acho melhor não — respondi. — Preciso ser um pouco independente.

— Independente? — ela praticamente gritou. — O que você anda fumando, Mayara?

— Nada, tchau! — Desliguei o telefone.

Fui caminhando até a melhor loja da cidade. Precisava de roupas apropriadas, a nova Mayara se vestiria bem e compraria roupas na Charme Amazônico.

A loja não era grande, na verdade era até bem pequena. Esqueci de mencionar, eles não gostavam de serem chamados de loja, eles eram uma boutique fina. De fina só a atendente que era magra como eu, as roupas dali não pareciam nada interessantes. Vestidos cheios de renda, calças muito decoradas e blusas muito decotadas, nada daquilo parecia me valorizar.

Estava dando uma “olhada” em algumas blusinhas, quando observei a presença de alguém. Luana estava ali.

Luana era uma garota da escola, diferente das outras, não era uma completa imbecil. Na verdade, até gostava dela. Era da minha altura, tinha um corpo bonito e uma pele brilhante.

— Oi Mayara! Não sabia que você comprava roupas aqui! — Ela tinha algumas sacolas na mão. — Já terminou as compras?

Abaixei a cabeça. Nem havia começado.

— Não, eu hã… Nem comecei.

— Então me faz um favor? — ela perguntou, claramente atuando.

— Diga.

— É que eu tenho um encontro e gostaria que você fosse comigo, é rapidinho e é ali.

Quis chorar, gritar ou até correr. Por mais que eu tentasse não ser vela, aquilo parecia me perseguir e bem, lá estava eu  indo com Luana em direção à praça.


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Notas finais do capítulo

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