Conhecimento Adquirido e Não Confesso escrita por Tai Bluerose


Capítulo 2
Uma Mulher Forte e Um Garoto de Ouro


Notas iniciais do capítulo

Avisos:
— Essa fic estará cheia de referências ao livro e a série.
— No livro, o filho de Molly se chama Willy, o que torna a leitura um tanto confusa com tantos Will e Willy, optei por usar o Walter da série, ficou melhor.
— BAU: para aqueles que não sabem, essa é a sigla em inglês para Unidade de Análise Comportamental. É a parte do FBI responsável por analisar e caçar criminosos e assassinos sociopata e psicóticos. O trabalho do Will e da turminha do Jack.
Obrigada a todos que leram o capítulo anterior.
Desculpem qualquer erro.
Espero que gostem. Boa leitura.



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Uma Mulher Forte e Um Garoto de Ouro

 

 

 

Um mês depois de sair de Wolf Trap, Virgínia.

Minha viagem terminou na Flórida, nas ilhas Keys. Em pouco tempo, arranjei trabalho como mecânico diesel no estaleiro de Marathon. Era um trabalho e um ambiente com o qual eu estava bem familiarizado. Talvez por isso eu tenha ido parar ali, onde meus primórdios começaram, quando a vida era mais simples.

Foi num lugar como aquele que cresci, vendo meu pai executar o mesmo trabalho. Não era uma vida muito boa para uma criança, mas eu gostava, estávamos sempre juntos. Meu pai, assim como eu, não era de falar muito, mas nós nos entendíamos no nosso silêncio. Ele me ensinou tudo o que sabia, embora fosse pouco, e acho que, às vezes, ele se sentia culpado por não poder me oferecer tudo o que os outros pais ofereciam a seus filhos.

 Eu tive uma infância pobre, seguindo meu pai pelas docas em Biloxi, e de Greenville até as docas no lago Eirie. Eu era sempre o garoto novo na escola, o estranho, meu passatempo era ajudar meu pai a consertar motores de barcos. Em consequência, acabei criando um ressentimento contra os ricos, que olhavam para o meu pai como se ele fosse menor; aqueles barcos luxuosos não percorreriam meio metro se não fosse meu pai para consertá-los.

Apesar de tudo, eu gostava daquela vida. Além de ser a única que eu conhecia, a presença constante do meu pai era uma prova de amor para mim, diferente da minha mãe que nos abandonou. Para ser sincero, nem mesmo lembro-me dela. Todas as minhas lembranças são com meu pai. Ele foi um bom pai. Sempre me ajudou com os estudos e me deu apoio quando disse que queria fazer faculdade. Eu gostava de consertar motores, mas não havia futuro naquilo.

Quem diria que eu, nessa altura da vida, estaria de volta a um estaleiro, morando numa caravana, consertando barcos. Pelo menos tenho a certeza de que meu pai lidaria melhor com isso do que com o fato do filho ter virado um assassino procurado pela polícia. Talvez eu tivesse tomado a decisão certa.

Vi um homem preparando as velas de seu barco, havia caixas de mantimentos no deck. Ele devia estar saindo para uma longa viagem. As lembranças de quando viajei de barco até a Europa vieram subitamente. Dias e noites acompanhado pelo fantasma de Abigail e pelos sonhos de como teria sido uma vida com ela e Hannibal. Uma época em que eu o perseguia com todas as forças, e agora, eu fugia dele com a força que me restava.

Hannibal deve estar em sua cela no Hospital Penitenciário agora. Em quê ele estará pensando?

“Se eu for preso, Will, sempre terei meu palácio da memória. Eu viverei nele.”

 

“Você seria feliz lá?”

 

“Nem todos os aposentos são agradáveis, iluminados e claros. Nas paredes de nossos corações e cérebros, o perigo espreita. Há buracos no chão da mente.”

 – HEY! GRAHAM! O QUE ESTÁ FAZENDO AÍ PARADO OLHANDO PARA O VENTO? ESTAMOS PRECISANDO DE VOCÊ AQUI.

Balancei a cabeça, espantando o pensamento. Um dos estivadores me chamou. Eles tinham o costume de gritar sempre, mas pelo menos não se importavam se você falava ou não, contanto que fizesse sua parte no serviço. Joguei as lembranças num canto escuro da mente e voltei ao trabalho. Quanto mais trabalhava, menos tempo eu tinha para ficar pensando no que não devia.

Cinco meses.

Eu sempre o via rondando os trailers e os carros, revirando as latas de lixo. Era um cachorro grande e mal cuidado. Senti vontade de pegá-lo, mas dizia a mim mesmo que minha vida atual não me permitiria cuidar de um cachorro. Nem espaço eu tinha pra isso.

Talvez eu não pudesse dar a ele toda a atenção, mas pelo menos comida e banho ele teria. Decide apanhá-lo na próxima vez que ele aparecesse, mas ele ficou sumido umas duas semanas. Pensei até que tivesse morrido por aí. Mas na terceira semana, lá estava ele novamente, perambulando. Estava um pouco diferente, seu pelo estava brilhando. O atraí para perto do meu trailer e lhe coloquei uma coleira.

 – Com licença, moço! Esse cachorro é meu!

Uma mulher loira veio correndo em minha direção. Tinha as bochechas vermelhas, uma coleira nas mãos.

 – Ah... Desculpe, eu... Eu não sabia que ele tinha dona – entreguei o cachorro a ela. – Eu sempre o via rondando por aqui sujo e faminto, pensei que...

Eu fechei a boca quando me dei conta de que poderia estar insinuando que a mulher era uma péssima dona. O que parecia ser.

 – Eu sei. Eu também o via perambulando pela minha rua. Pra ser justa com você, devo dizer que eu o peguei para ser meu somente há duas semanas. Mas hoje ele se soltou da coleira.

Ela ainda estava ofegante e suada. Tentava assentar os cabelos rebeldes.

 – Por isso o achei mais gordo hoje. Pelos brilhantes e limpos.

 – Pois é. Mas obrigada por apanhá-lo. Acho que ele gostou de você – ela sorria com facilidade. Parecia ser o tipo de pessoa que tinha facilidade para conversar com qualquer um, conhecesse a pessoa previamente ou não. – Bom, eu vou indo. Deixei meu filho sozinho em casa. Ele deve estar preocupado.

 – Claro.

 – Obrigada novamente, senhor...?

 – Graham. Will Graham.

 – Will?

 – Sim. – Ela pareceu surpresa ao saber meu nome. Será que tinha me reconhecido? Ninguém das docas tinha. Até porque minha aparência atual nem de longe lembrava a de qualquer policial, ainda mais do FBI. Mas se era para ser justo, minha aparência nunca foi das melhores.

A voz de Beverly Katz saiu de algum lugar esquecido da minha mente:

“Sabe Will, quando Jack nos falou sobre você a primeira vez, eu sabia que você não seria como esses policiais comuns, nem como esses outros tipos da BAU. Só não imaginei que você seria essa mistura bizarra de caçador com professor do secundário. O pessoal aqui estava esperando algum tipo de nerd excêntrico. Fica tranquilo, Will. Na boa, eu gosto de caras estranhos. Pode sentar comigo no refeitório se quiser.”

Beverly era uma piadista nata. Uma amiga de verdade. A única que me deu o benefício da dúvida quando ninguém mais o fez. Não fiquei surpreso ao constatar que sua morte ainda me causava dor. Se o tempo retrocedesse...

 – Ai, céus! Desculpe. Eu nem me apresentei. Molly Foster.

Ela fala rápido agora, estava nervosa. Tinha um aperto de mão forte. Uma mulher forte. Não, ela não tinha me reconhecido, era outra coisa. Ela se despediu e se afastou com o cachorro.

 – Senhora Foster! – eu a chamei.

 – Ah, por favor, me chame de Molly. Senhora é minha mãe. Pois não?

 – Que nome você deu a ele? Ao cão.

 – Oh! Sim. Big Joh. Foi ideia do meu filho. É o apelido de algum jogador do Cardinal. Ele gosta dessas coisas.

Assenti, e ela se foi.

Gostei de conversar com ela. Molly. Mas eu sabia que nunca mais a veria.

Eu estava enganado.

***

Apesar da boa casa, da água fresca e da comida quentinha, Big Joh gostava de liberdade. O bicho sempre dava um jeito de se soltar e dar uma volta pelas docas. Eu o encontrava e ficava com ele até sua dona descabelada e ofegante aparecer para busca-lo.

 – Ele deve achar divertido... me fazer correr desse jeito.

Molly colocava a mão sobre os quadris, curvada, respirando descompassadamente.

 – Saia para passear com ele de vez em quando. Ele vai perder a necessidade de fugir. Vai esperar que você mesma o traga.

 – Mesmo?

 – É. Eu já acolhi alguns cachorros de rua antes.

 – Que legal, Will. E o que aconteceu com eles?

 – Eu me mudei. Não pude trazê-los comigo. Arranjei novos donos pra eles.

 – Que pena. Ah, eu tenho uma lojinha de roupa. Nada muito grande, mas vendo roupas masculinas também. Olha só a propaganda descarada – ela gargalhou. – Fica em Sugarloaf Key. É perto da minha casa. Se quiser dar uma passadinha lá? Digo, na loja. Talvez tenha alguma coisa que você goste.

 – Ah... ok.

E foi assim que as conversas com Molly se tornaram frequentes. Era fácil conversar com ela, porque ela falava a maior parte do tempo e não se importava se você falava pouco ou respondia com monossílabas.

Fui a sua loja uma vez, para comprar uma camisa. Na verdade eu só estava curioso. Naquele dia ela perguntou se eu não gostaria de tomar um café, eu não vi por que não aceitar. De forma natural, nos tornamos próximos. Era bom estar com Molly. Ela tomava minha atenção por completo.

Algum tempo depois conheci seu filho, Walter, tinha oito anos. Um menino adorável.

 – Você tem filhos? – Ela me perguntou certa vez, quando conversávamos num bar.

 – Bom... eu... Quase tive uma vez – eu fui sincero.

 – Quase? – ela indagou confusa.

 – Ela... humm... perdeu o bebê – achei que não valia a pena horrorizar Molly detalhando as circunstâncias que levaram Margot Verger a “perder” o nosso bebê.

 – Eu sinto muito. As coisas não deram certo entre vocês depois disso? Desculpe, não quero me intrometer, é que você mora sozinho e...

 – Ah, não. Nós nunca fomos um casal, nem nada. Ela decidiu ter um filho e meio que me contou que tinha me escolhido como pai depois que já estava grávida.

Molly deu um gole bem grande em sua cerveja.

 – Que... merda.

 – Eu não me importei. Eu até gostei da ideia de ter um filho. Pena que não deu certo.

Molly me encarou com uma expressão que era uma mistura de pena e espanto.

 – Sua vida é muito complicada e trágica, Will Graham.

 – Você nem imagina.

 – E nunca mais pensou em tentar novamente? Ter uma família, quero dizer.

A imagem de Abigail se materializou na minha frente e aquela voz familiar invadiu minha mente.

“Nós somos os pais dela agora, Will.”

Decidi não contar sobre Abigail. Ela viveria apenas na minha mente e na de Hannibal. Ela pertencia somente a nós dois. Era estranho, eu sei, mas não me parecia correto compartilhar as memórias de Abigail com mais ninguém.

 – A vida quis que eu não tivesse.

Oito meses.

A companhia de Molly era animadora. A vida parecia ganhar um frescor e uma leveza que eu nunca havia experimentado antes. Molly era a alegria e o desprendimento. Ela era luz e vivacidade. E quando eu estava com ela, sentia vontade de ser igual. Talvez fosse apenas efeito da minha empatia, mas aqui não haveria consequência ruim em me deixar espelhar.

Com Molly tudo era mais simples, tudo era mais fácil. Eu não precisava me preocupar com o que eu ia dizer, nem precisava ficar procurando planos ou intenções ocultas por traz de cada atitude sua. Molly não seguia várias linhas de raciocínio ao mesmo tempo, era fácil prevê-la e agradá-la. Suas palavras não eram dúbias, e o único duplo sentido que ela poderia usar ou compreender numa conversação era o de conotação sexual.

Ela era uma pessoa normal, com suas qualidades e defeitos. Seus maiores crimes eram discutir com algum barbeiro no trânsito, ou com o caixa do supermercado quando achava que estava sendo enganada sobre algum produto.

Eu adorava isso em Molly, sua humanidade. Ela despertava o melhor em mim.

“Os espelhos da sua mente podem refletir o melhor de você, Will. Não o pior de outra pessoa.”

Aquela voz soou na minha cabeça, e eu tratei de ignorá-la.

Molly desperta o que há realmente de bom em mim.

Eu nunca soube muito bem o que afinal Molly tinha visto em mim. Mas acredito que meu nome tenha servido como algum tipo atrativo. Molly fora casada, ele também se chamava William.

O marido de Molly era jogador de beisebol e dos bons. Eles tiveram uma história maravilhosa. Conheceram-se no ônibus do colégio e se casaram na faculdade. Ele entrou para a Liga do Estado da Florida, levavam o Walter a todos os jogos. Passaram um tempo incrível juntos. Um dia veio a notícia, William estava com câncer. Ele morreu depois de cinco meses. Cinco meses! Walter tinha apenas seis anos.

Percebi que Molly estava tão quebrada quanto eu. Ela amara o marido de verdade. Eu sabia que a dor da perda era difícil para ela, e que ela ainda não tinha superado totalmente. Porque ela nunca pronunciava o nome do marido falecido, sempre o chama de “o pai do Walter”. Isso também explicava porque ela só me chama de Will e nunca de William. Eu não me importava, ninguém me chama de William mesmo.

Eu compreendia a dor de Molly e a confortava como podia. Da mesma forma, ela sabia que meu passado me machucava e evitava tocar no assunto. Éramos duas pessoas feridas e incompletas tentando seguir a vida. Tentando encontrar um no outro, algum complemento.

Dez meses.

No passado eu não teria me envolvido com alguém tão rápido assim, mas eu estava mudado. Eu não era mais tão antissocial, aquele alguém me mudara. Ele também criara em mim a necessidade de companhia humana. Mas era óbvio que essa companhia jamais poderia ser ele.

Eu gostava de Molly, confiava nela e ela confiava em mim. Quando o nosso relacionamento começou a tomar um rumo mais sério, percebi que tinha que contar a ela sobre meu passado.

Contei sobre o FBI, Jack, Alana, Garrett Jacob Hobbs, minha falsa acusação e prisão... Hannibal.

Molly sabia sobre Hannibal, dos noticiários, mas ficou surpresa ao descobrir que eu estava envolvido com a prisão dele. Que ele fora meu psiquiatra. Molly não era o tipo de pessoa que lê ou assiste jornal ou grava nome de policiais envolvidos em casos criminais e judiciais. Molly detesta violência, cenas de assassinato, sangue. É uma das coisas que eu adoro nela. É uma das coisas que me assusta também... se ela quisesse me deixar agora, eu entenderia.

Mostrei a ela minhas cicatrizes, feitas por Hannibal. A da testa, que eu costumava disfarçar com o cabelo, e a do abdome, em forma de sorriso. Expliquei como as consegui. Tentando apanhar Hannibal. Mais uma vez deixei de fora qualquer informação sobre Abigail e detalhes sobre o porquê Hannibal fez aquilo a mim. Explicar esses detalhes era adentrar espaços da minha mente e dos meus sentimentos que nem mesmo eu compreendia.

A sedução. A manipulação. A traição. A decepção. O sofrimento. A saudade. O perdão.

Eu despedaçado, mais uma vez.

Uma época em que eu estava dividido entre o que eu devia fazer e o que eu queria fazer, entre o que eu dizia e o que eu sentia. Eu simplesmente não conseguia decidir entre certo e errado. Nada era preto ou branco. Tudo era vermelho como sangue.

 – Ah, querido, deve ter sido horrível conviver com um louco desses. Nem consigo imaginar.

Ela me abraçou, e eu me deixei ser abraçado. Eu deixava Molly fazer muitas coisas comigo.

Suas palavras se fixavam na minha mente. Uma parte de mim queria refutar. Hannibal não era louco. Ele era perfeitamente sociável. Ele me ouvia, atendia minhas ligações desesperadas nas horas mais absurdas, me recebia em sua casa independente da hora em que eu aparecesse, mesmo sem avisar. Dirigia quilômetros na noite e na neve se eu pedia ajuda. Ele me protegia. Cozinhava divinamente, fazia desenhos incríveis e tocava como ninguém. “Louco” não se aplicava a Hannibal.

Mas por que eu o estava defendendo? Eu sabia que tipo de carne ele usava em sua culinária. Ele tentou abrir minha cabeça e me estripar, colocou minha vida em risco diversas vezes, me incriminou por assassinatos que ele mesmo cometeu e quase me levou a completa loucura. Hannibal podia não ser louco, mas era um sociopata sádico e inteligente. E eu não entendia porque eu continuava a justificar as atitudes dele e destacar suas partes boas, quando deveria me lembrar das ruins. Ele era perigoso.

E o quanto sofri? Essa parte de mim que deixei trancada ainda sofre.

Não sei te serve de consolo” a voz de Bedelia, ex-psiquiatra do Hannibal, ecoou na minha mente, “mas estou convencida de que, o Hannibal fez o que ele sinceramente acredita que é o melhor pra você. Ele sabe que você pode sobreviver ao que está te acontecendo.”

 – Eu não quero mais pensar sobre essas coisas.

 – Claro, Will. Eu compreendo.

Para minha surpresa, naquele dia, fizemos amor pela primeira vez. Molly e eu. Pouco tempo depois, ela me chamou para morarmos juntos. Depois de muito considerar, eu fui. E já que estávamos morando na mesma casa, três meses depois nos casamos.

Dois anos.

Quanto mais tempo eu passava com Molly e Walter, menos pensava no passado. Eu os amava de verdade. Aos sábados, saía com Walter para pescar, Molly nos acompanhava e ficava lendo suas revistas. Walter era um garoto esperto. Eu o ensinei a fazer iscas e escolher os anzóis adequados. Eu adorava ouvi-lo contar sobre o que ele tinha feito na escola.

 Um ano depois que eu casara com Molly, Walter acidentalmente me chamou de pai. Nós estávamos fazendo um piquenique a beira do mar. Molly e eu ficamos surpresos.

 – Desculpe, Will – Walter pediu sem jeito.

 – Você pode me chamar como quiser, Walter. Se sua mãe não se importar.

Molly levantou as mãos sujas de areia e gesticulou – Por mim tudo bem. Você decide como quer chamar o Will, filho.

E foi assim que passei a ser oficialmente chamado de pai.

Acho que nunca fui tão feliz. A vida era doce. Eu tinha a família que sempre desejei ter. Eu chegava do trabalho e era recebido com beijos de minha linda esposa. Molly tinha a mesma altura que eu, isso tornava os beijos agradáveis, ao mesmo nível, como os trocados na cama. Ela me ajudava a tirar o casaco e perguntava como foi meu dia, e ela respondia “Legal!” mesmo se eu dissesse que o dia tinha sido uma droga.

 – O que temos para o jantar? – eu perguntava, Walter vinha correndo na minha direção e saltava sobre mim. Tínhamos que trancar a porta para os cachorros não entrarem. Sim, porque possuíamos quatro deles agora. Não eram apenas aquisições minhas, Molly também era uma boba com cães abandonados. Outra coisa que eu amava nela.

 – Bife acebolado. Desculpe não tive tempo de preparar nada mais elaborado. Ah... e o arroz está um pouquinho queimado.

 – Adoro bife acebolado com arroz queimado – falei sorrindo. Molly era o tipo de pessoa que vai fazer outras tarefas com fones de ouvidos e esquece que deixou alguma coisa no fogão. Eu não me importava, adorava o jeito meio atrapalhado dela e como ela fechava os olhos e começava a dançar, esquecendo que estávamos olhando. Walter e eu caíamos na risada. – E como foi o seu dia?

 – Ótimo, chegou mercadoria nova. Ah, Will, vestidos lindos! Você precisa ver.

 – Não entendo nada disso. A não ser que você esteja vestida com eles, aí vou saber se são bonitos.

 – Bobo! – ela me acertou de leve com o pano de prato. A ajudei a colocar a mesa. – Denise vai mais cedo amanhã para me ajudar, por isso vou ter que ir mais cedo também. Você pode deixar o Walter na escola amanhã, amor?

 – Claro.

 – Quer que eu pegue alguma coisa para o senhor beber, pai? – Walter adorava buscar coisas para mim. Fazia isso como se não fosse nada, apenas pelo prazer de ser prestativo. Adorava isso nele. Era um garoto de ouro. – O que o senhor quer? Cerveja, água ou refrigerante?

 – Cerveja se tiver.

Walter correu para a geladeira.

 – Mãe, posso pegar um refrigerante?

 – Não tem mais refrigerante, nem suco.

 – Vou beber o quê?

 – Água – Molly respondeu com as mãos na cintura. Walter fez um bico.

 – Ei, pequeno – eu o chamei. – Tem suco de caixinha no armário. Coloca num copo e põe gelo.

Jantamos juntos como sempre fazíamos. Todos à mesa, falando sobre nossos dias.

 – Tommy Taylor ficou se gabando de que ele era o melhor, mas a professora disse que eu me saí muito bem.

 – Que bom filho.

Enquanto olhava para aqueles dois, percebi o quanto eu era feliz com minha pequena família. Eu poderia ficar ali com eles para sempre.

A vida nunca pareceu tão perfeita.

.

.

.

Três anos.

 

Eu fiquei na sala vendo TV, quando dei por mim, Molly estava me chamando. Eu tinha pegado no sono.

 – Amor, vem pra cama – Molly falou com uma voz manhosa.

 – Já estou indo.

Ela subiu as escadas e eu deixei a televisão ligada enquanto checava se a casa estava bem trancada. Voltei e peguei o controle para desligar a TV. Uma cena no noticiário da noite me fez congelar.

Família inteira é brutalmente assassinada em Birmingham, na madrugada de sábado, 28. A polícia ainda não divulgou informações sobre o caso e prefere manter sigilo sobre a investigação.

A empregada da casa, que foi a primeira a encontrar a família morta, relatou que parece ter sido ato de um monstro, a polícia não a autorizou a dar maiores detalhes. Vizinhos afirmam que a família Jacobi não tinha inimigos e que eles eram...

 – Will? Está tudo bem? – A voz de Molly voltou do alto da escada. Desliguei a televisão no susto.

 – Estou subindo.

Não sentia minhas pernas. Meu coração estava acelerado. Senti uma irritação no cérebro, como se algo martelasse na parte de trás da minha nuca. Minha garganta ficou seca e minhas mãos suavam.

Não é nada Will, deve ter sido algum crime cometido por causa de herança. Isso é comum. E se não for, a BAU está cheia de profillers competentes. Você não tem mais que lidar com isso.

Eu não tenho.

Tenho minha própria família para cuidar agora. E estou muito bem aqui.


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Notas finais do capítulo

Will tem uma boa vida aqui, e eu queria muito falar da relação dele com Molly e o enteado. Claro, a vida não poderia ser eternamente perfeita, não se pode manter o passado escondido, não pra sempre. Queria contar os detalhes que a série não teve tempo de contar, certo, algumas coisas eu inventei.
Espero que tenham apreciado a leitura.
Postarei um capítulo por semana, sempre aos sábados.
Se desejar, deixe um comentário dizendo o que achou. Façam essa Fannibal feliz



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