Cheiro de sangue.

 O meu, o deles.

  Aroma forte, repulsivo de sentir, apavorante de olhar, e eu estava coberto por ele.

  Subi nos telhados do Bureau e desci no escritório dele. O perfume de incenso impregnava o local mas não eliminava o fedor rubro de mim. Na mesa, muitos papéis. Mapas, rascunhos, estratégias, e anotações ainda tortas.

  Pobre homem, foi obrigado a aprender a escrever novamente, por minha culpa.

  Caminhei para um canto da sala de trabalho e vi uma aresta cheia de travesseiros de vários tamanhos e cores, iluminadas pela luz atravessando o teto vazado. Pingos vermelhos formavam um rastro na medida que eu andava até eles. Exausto, caí de joelhos e deitei estupidamente em todos.

  Sangue que não sai de mim e mancha todas as almofadas.

  Água viscosa e escarlate que abala os mais sensíveis, mas não passa de rotina para aquele que é um assassino veterano.

  Adormeci tão cansado que mal percebi meus olhos se fechando. E da mesma forma que deixei de notar os detalhes, veio à mente ele.

  Virou-me com todo cuidado do mundo para si. Olhou para mim e viu todas as perfurações de espadas e facas no meu corpo, ocultadas pelo sangue que vez ou outra jorrava.

  Pegou uma lâmina pequena, mas afiada como uma hidden blade e rasgou os restos de trapos do meu peito, chamados antes dos acontecimentos de “roupa”. Com um pano úmido, limpou as feridas e deixou mais fácil de distinguir onde começava uma e onde terminava outra, e feito isso, suturou friamente uma a uma.

  Claro que senti dor, mas nada que me fizesse mexer para pedir para parar ou xingá-lo. Não tinha mais forças para tal. Ele já fazia isso por mim.

— “Novato idiota. Depois não saberá como pôde se machucar tanto, ou morrer, quem sabe.”

 Terminado o trabalho, ficou um tempo com a mão pousada em meu peito. Permitiu que ela passasse por toda a extensão dele, depois para meu pescoço, meu queixo e então para minha boca, agora com as pontas dos dedos. Hesitou.

Mesmo de olhos fechados e braço fraco, peguei sua mão e beijei-a demoradamente, e ouvi suspiros.

  Seu rosto se aproximou do meu e eu senti o ar quente de sua boca em contato com a minha. Mais rápido do que pensei, ele uniu-os em um desesperado e faminto beijo.

Estava sim machucado, mas não pude evitar abraçá-lo, beijá-lo, deixar que o desespero de uma união tão sonhada morresse ali.

Beijo com gosto de sangue. Língua aflita ansiando por mais. Ele estava tão surpreso quanto eu.

  Durou uma noite. Nem facadas foram capazes de me fazer parar. Eu amava aquele homem e finalmente eu pude tê-lo nos meus braços que por sorte não foram quebrados momentos antes. Ouvi seus gemidos, sussurrando meu nome, sentia seu corpo livre sobre o meu. O cheiro de nossos corpos era mais forte que o sangue e se misturou com o incenso queimado, e o calor emanando deles tornou-se mais intenso que o frio da madrugada.

  Nesta manifestação de amor e desejo, chamou-me finalmente pelo meu nome: “Altaïr". Creio que será a última vez que ouvirei isso dele, e de forma tão intensa e verdadeira.

Manhã de sol. Muito quente logo cedo. Acordei com feixes de luz cobrindo meus olhos, e sozinho.

  Como fui estúpido. Óbvio que ele não despertaria ao meu lado. Não iria se entregar dessa maneira para mim, tampouco tornar isso evidente para nós dois.

  Quis procurá-lo e chamá-lo de covarde, mas no fundo, tento compreender. Jamais iriam entender, lá fora, o que somos. Amor não vale nada em um mundo onde conquistas e ambições valem mais que vidas. O desejo pela Maçã berra muito mais alto.

  Eu sei que ele me ama, mesmo (fingindo) me humilhar na frente até de Al Mualim.

  Malik me ama, e apenas eu sei e vi o quanto.

  Tudo é permitido, nosso amor também deveria ser.