Na escola, noto que Scott ficou de olho em mim. Bem, eu só desmaiei, comecei a gritar, corri pelada pra mata no meio da noite... Nada que eu já não tenha feito. Quando acordei na casa do Scott foi mesmo um alívio. Scott disse que ele que me achou, mas na escola descobri que na verdade foram Hayden e Liam, e logo chamaram o Scott. Scott disse que não me contou para evitar constrangimento. Eu o entendo, e de qualquer forma, ele já estava me procurando pela minha voz.

    A aula está proveitosa, eu adoro matemática, e como sempre, sou a melhor. Fiz vários e vários cálculos só hoje. Não, não estou ignorando tudo o que houve, apenas estou tentando manter a normalidade da minha vida. Aliás, estou aprendendo a conviver com esse meu dom.

    Hoje, depois da aula, concordei em ajudar a Malia. Ela parece bem enrolada nisso, mas eu não a culpo, ninguém pode ser uma Lydia Martin assim, de mão beijada. Ela era uma coiote, não sabia nem o que era um corpo humano, imagina matemática.

      Scott vai me levar na casa da Malia hoje, depois de tudo o que aconteceu, ele quer ficar por perto. Ele acha que estou escondendo algo.

— Lydia, vamos? - Scott me pergunta

— Um instante, vou ao banheiro.

            Me retiro. Meu carro já está no conserto, se é que há conserto para aquilo. Minha mãe deve saber de mim, já que havia roupas minhas pra vir para escola na casa do Scott. As roupas do Scott ficaram, de fato, gigantes em mim, mas nada que não seja confortável para uma noite de sono... se é que posso chamar aquilo de noite de sono.

         Quando noto, não estou no banheiro, e sim do lado de fora da escola, de frente pra um Jeep azul. Como vim parar aqui? Eu realmente devo parar de me fazer essas perguntas. Devo ligar pro Scott e é isso que faço.

— Scott?!

— Lydia, onde você está? - ele responde

— Estou do lado de fora da escola, perto de um Jeep, vem me pegar, por favor.

Desligo. Eu não estou me sentindo nada bem. Começo a olhar o interior do Jeep, apreensiva. De quem será esse Jeep? E o que tem a ver comigo? Volto-me ao meu lugar e logo chegam Scott e Malia por trás de mim.

— Lydia! - Scott exclama

— Eu não sei, eu não sei, apenas apareci aqui na frente dessa lata velha - aponto o Jeep e Scott começa a olhar o interior do carro

— De quem é? - Scott pergunta, virando-se para mim

Olho pra Malia

— Você sabe - digo

— Eu? - Malia se questiona - por que eu saberia?

— Eu não sei, eu não sei. - começo a ver que não faz sentido eu ter dito isso, na verdade nem queria ter dito - eu sinto. Você sabe.

— Não, Lydia, eu não sei.

— O que está havendo, pessoal? - Liam aparece com Hayden

— Lydia apareceu aqui - Scott diz

— E porque ela veio aqui?

— Queremos saber

Não dou atenção ao que continuam falando, apenas algo me leva a olhar para trás e eu vejo uma vaga vazia, onde outrora estava o carro de Malia, e a vejo entrar no carro com... sozinha?

— Você não quer um carro, Hayden? - ouço Liam falar - pegue este

— Não é o meu estilo - ele responde

— Estilo - digo em voz alta - Esti... Sti... estilo.

— Lydia? - Malia chama

Olho pra ela

— Onde está seu carro? - eu pergunto

— Está do outro lado - ela parece não compreender

          Corro e vou em busca do carro dela. Na verdade, não mais eu, mas o instinto de Banshee que toma conta do meu corpo. Escuto os outros me chamando e seus passos apressados atrás de mim. Encontro o carro da Malia e começo a procurar alguma coisa lá dentro, escuto cochichos, e a medida que vou apalpando o carro e me deslocando para o outro lado, vai aumentando. Chego na janela do carona, com as mãos no vidro e noto que estou tremendo. Vou devagar aproximando meu rosto do vidro e pressiono minha orelha pra ouvir melhor. Aos poucos as palavras vão se encaixando e eu as escuto:

desaparecer       desaparecer        desaparecer      desaparecer      desaparecer

desaparecer      desaparecer          desaparecer       desaparecer      desaparecer

desaparecer        desaparecer          desaparecer        desaparecer   desaparecer

Vou me distanciando aos poucos e Scott chega do meu lado

— Lydia?

Eu não o respondo, eu coloco a cabeça em seu peito e ele me abraça.

   Não consigo entender o que há de errado, o que eu fiz, o que há no jeep e no carro da Malia e todas aquelas vozes.

            Depois de tudo, Scott diz que eu deveria ir pra casa descansar e ver minha mãe, mas eu sei que será pior, então eu vou de carro com a Malia pra casa dela.

— Você está melhor? - Malia pergunta

— Apenas se concentre na estrada, Malia

— Como vai estudar se ainda está tocada com tudo que aconteceu?

— Não estou tocada, estou tentando não enlouquecer e descobrir o que está havendo. E Malia, olha pra frente.

— Eu sei dirigir, ta?! - ela se irrita

Olho pra ela

— Então dirija - digo

Ela olha pra mim e logo volta a dirigir com atenção.

      Quando chegamos na casa da Malia, vamos direto pro quarto e eu me sento na cama dela.

— Pega o material - digo

— Está na bolsa, pode pegar.

— Onde você vai?

— Vou pegar comida, Scott disse que você não comeu nada.

— Não estou com fome, viemos aqui pra estudar

Ela já havia ido

         Reviro os olhos e abro a bolsa dela. Pego cadernos e livros... ela está realmente se dedicando a isso. Pego lápis, canetas e vejo marca textos de cores diferentes. Verde, amarelo, vermelho.

Verde, amarelo, vermelho?

Verde, amarelo, vermelho

Solucionado, em andamento, sem solução.

Sim. Solucionado. Em andamento. Sem solução.

— Lydia! - Malia grita e eu olho pra ela - o que você está fazendo? Estou falando com você e você fica cochichando sozinha.

— Eu não estou fazendo nada, estava te esperando.

— Não, você está rabiscando meu caderno.

Olho pro caderno dela e vejo que eu estava fazendo alguma coisa

— O que merda é isso? - Malia se aproxima - isso não é matemática.

— Isso... Isso... eu não sei o que isso é.

Parece não haver forma. Eu não consigo identificar nada nesse rabisco.

— Isso é um rosto? - Malia pergunta

Puxo o caderno dela e olho. O caderno cai da minha mão.

— Lydia, você está bem? - Malia pergunta

— Eu...

— Senta aqui - ela me senta na cama - toma um pouco de água

Eu bebo a água que ela me dá.

— Vamos estudar - digo

— Mas você...

— Eu estou bem

Ela fica me olhando e, por fim, respira fundo

— Okay, mas escreva coisas que eu entenda - ela diz

— Achei que não entendesse matemática, achei que por isso eu estava aqui - dou um sorrisinho debochado pra ela e ela retribui

— Apenas vamos estudar, porque ontem você me deixou estudando sozinha

Sinto algo dar uma pontada dentro de mim

— Sozinha? - digo

— Sim, sozinha. Você negou e eu me ferrei aqui pra entender.

— Mas... Mas você pediu ao...

— Ao...? A quem, Lydia? Não conheço ninguém inteligente como você que eu não, praticamente, o expulse de perto de mim... E a Kira está no deserto.

— Mas eu vi você entrar no carro com alguém.

— Não, Lydia. Eu vim pra casa sozinha.

Respiro fundo, pois já não respirava mais.

— E-Eu tenho que ir - me levanto

— Mas e matemática?

— Eu... - não consigo falar

— Lydia, se sente - ela me coloca sentada - relaxe um pouco e depois nós estudamos, há muito tempo ainda.

Respiro fundo

— Ta certo - digo

O celular dela toca e ela se afasta pra atender.

— Oi, Scott - escuto ela dizer - ela está aqui, está bem. Quer dizer, mais ou menos... Ah, ela desenhou algo no meu caderno e se sentiu um pouco mal, agora ela afirma que eu vim pra casa com alguém... Ela desenhou um rosto, eu lhe mostrarei depois. E não, eu não sei o que está acontecendo. Ela está aqui, vamos estudar e depois deixo ela em casa, não se preocupe... Não me peça pra dormir com ela, Scott. Imagina eu e Lydia Martin de conchinha? Hã? Não tem graça. Agora vou até ela, antes que ela suma. Tchau.

Malia volta e dá um sorrisinho pra mim

— Nada contra você, Malia, mas não será hoje que você dormirá de conchinha comigo - ela abre a boca pra falar - e mesmo se você conseguir isso um dia, você me abraçará.

Ela ergue as sobrancelhas

— Tome isso, deve estar delirando - ela se agacha na minha frente e me dá um pedaço de chocolate

Pego e mordo um pedaço

— Como é ser um coiote? - Pergunto.

— Quê?

— Como é ser um coiote? Digo, sem vozes te atormentando, sem gritos, pesadelos, sonambulismo, corpos mortos diante de você...?

Vejo que ela não sabe o que responder

— Deve ser bom, e ainda é capaz de se defender.

— Lydia - ela começa - esse é o seu dom. Não se sinta mal com ele. Você se acostumará, desenvolverá e crescerá. Você vai ver. Se não fosse você e seu dom, estaríamos perdidos hoje, e quem sabe, mortos... E o Mason, ele não viveria mais. Você salvou Beacon Hills.

Dou um leve sorriso pra ela

— Mas isso custa tanto - digo

— Vai melhorar

— Quando eu acostumar, não serei mais eu e sim uma garota fria, adaptada a tanta morte e dor.

Ela não sabe o que responder

— Vamos estudar - digo

     Ensino a ela tudo o que eu sei... ou tento. Ela é tão sem jeito pra matemática, não sabe coisa básica, mas eu a ensino. Faço questões, ensino fórmulas e métodos.

       Já de noite, Malia me leva em casa. Tomo um banho e me deito. Não quis falar com minha mãe hoje depois do que aconteceu. O dia foi proveitoso. Estudei com a Malia, rimos e comemos. Ela é um brutamontes, mas no fundo é uma pessoa carinhosa que gosta de amar... ela só não mostra... ou precisa se acostumar com esses sentimentos.

   Tomo remédio pra dormir e logo durmo, mas não há alívio nenhum para mim esta noite.

Sabe o melhor de alguém que desaparece? Ninguém sente sua falta se você realmente partir... Acho que é isso mesmo que acontecerá. Você não existe mais.

   Acordo num salto à medida que ouço tais palavras sussurradas:

Lydia... Você pode me ouvir?