Beca

Acordei com um peso em cima de mim, não precisei olhar para saber quem era, aquele aroma de cereja já denunciava a presença incontestável da mulher que eu amava, percebi que todas haviam dormido pela sala, Chloe nem havia esperado o filme terminar. Olhar todas ali me aquecia de uma forma que eu não sabia explicar, nossa família estava reunida novamente e mesmo sabendo que aquilo não seria por muito tempo me deixava feliz.

Olhei no relógio e já passava das dez horas, infelizmente Amy havia confirmado que eu me encontraria com o carrasco, justo no sábado, dia que a ruiva estaria em casa o dia todo, porém eu sabia que tinha que terminar logo com isso e contar para a mulher que eu amava o que estava acontecendo, sem segredos, sem mentiras, eu sabia que se queria ter um relacionamento duradouro tinha que parar com as “burradas” que eu sempre fazia. Me levantei com dificuldade para não acordar nenhuma delas, tomei um banho demorado e por mais que soubesse que o restaurante que ele queria me encontrar era o melhor da cidade não me importei, vesti uma roupa casual que significava no meu dialeto calça jeans e uma camiseta velha, e claro um All star.

Terminei e percebi que todas ainda dormiam, Chloe agora agarrava o travesseiro como se sua vida dependesse daquilo, provavelmente achava que era eu ali, não pude deixar de sorrir com essa constatação, eu era uma pessoa de sorte por ter aquela mulher para mim. Abaixei e capturei seus lábios em um beijo delicado para que ela não acordasse, escrevi um bilhete dizendo que fui resolver um assunto de trabalho, mas que assim que voltasse eu conversaria com ela algo importante, e por fim disse o óbvio que eu amava com todo o coração.

Cheguei no restaurante no horário marcado o que era um milagre, falei meu nome e me guiaram para uma mesa na área vip do local, com certeza tudo aquilo estava muito estranho, para que me levar ali para acertar as coisas da minha demissão, não fazia sentido nenhum, quando eu o avistei ele se levantou com um sorriso ao me ver, okay agora que eu não estava entendendo nada.

—Minha menina de ouro, que bom revê- lá. Meu ex chefe falou e só consegui ficar boquiaberta com tudo aquilo apenas apertando sua mão e esperando que continuasse. -Por favor sente-se hoje você é minha convidada então não tenha cerimônias.

—Eu não estou entendendo o que o senh...

Antes que eu terminasse ele me interrompeu.

—Por favor sem formalidades, pelo menos não para você, minha querida. Falou me dando um sorriso que parecia que rasgaria seu rosto. – Me chame apenas de Carlos.

Algo ali estava muito errado, ele nunca havia deixado nenhum funcionário chama-lo pelo primeiro nome, e agora eu que havia sido demitida pelo próprio estava sendo tratada daquele jeito, aquele homem não fazia nada que não o fizesse ganhar algo com isso, e agora que eu não era mais sua funcionaria nada me impediria de saber o que estava acontecendo.

— Com todo o respeito Senhor. Percebi ele arquear as sobrancelhas. -Digo Carlos. Completei e ele assentiu sorrindo. – Me perdoe por ser direta, mas não sei o que estou fazendo aqui, pelo que eu sei eu fui demitida pelo senh...por você, de uma forma bem humilhante, diga-se de passagem, e agora está me tratando como sua menina de ouro, por favor quero saber, o que está acontecendo?

 Falei e percebi ele vacilar em sua expressão demonstrando, medo?  Nada daquilo parecia fazer sentido, cruzei os braços impacientemente afinal eu não tinha o dia todo, e a cada minuto que eu estava ali era um minuto a menos com a minha ruiva e as meninas. Ele pareceu perceber o meu desconforto.

—Primeiro Mitchel. Começou a falar e agora sim ele parecia estar sendo sincero. – Eu lhe devo um pedido de desculpas. Ele disse aquilo e me encarou, eu estava incrédula por que nada havia me preparado para aquilo.

—Me deve desculpas? Perguntei confusa.

—Sim o arranjo que você fez ficou muito bom e eu julguei antes de escuta-lo, seu antigo chefe tinha razão você um diamante bruto e ao invés de lapida-la  te joguei fora. Eu o encarava e até me esforcei a dizer algo, mas nenhum som saia da minha boca. – Isso me lembra a segunda coisa, quero que você volte a trabalhar para mim.

Por mais surpresa que eu estivesse com tudo aquilo, algo dentro de mim me dizia que ainda havia mais coisas naquela história, e eu não poderia aceitar nenhuma proposta sem antes saber tudo que estava acontecendo.

— Muito obrigada por reconhecer o meu esforço, mas eu não aceito voltar a trabalhar para você. Ele ficou boquiaberto, provavelmente achou que eu voltaria correndo agradecendo a proposta. – Agradeço por ter vindo atrás de mim, mas quando eu comecei a trabalhar para você eu o admirava, queria aprender, mas ao invés disso você me pôs como um simples estagiaria me fazendo realizar itens de uma lista ridícula todos os dias. Falei ficando com raiva ao me lembrar do quão absurdo era na época. – E além do mais impediu que outras gravadoras me contratassem, então ao menos que tenha uma explicação para tudo isso, eu vou voltar para minha casa.

Não sabia dizer de onde havia vindo toda aquela coragem, mas estava agradecida, não podia aceitar aquilo, e se ele estava atrás de mim alguma vantagem eu tinha. Percebi que ele não falava nada então fiz menção de levantar, mas antes que eu o fizesse ele segurou meu braço.

—Beca eu errei com você. Ele suspirou antes de continuar. – Nesse meio acabamos ficando fúteis sem ao menos perceber. Arqueei a sobrancelha. – Eu sei que não é desculpa, mas é a verdade, eu não quero perde-la então contarei por que preciso de você na gravadora.

E assim seguiram as horas, ele me explicou que David Gueta havia marcado uma reunião pessoal com ele, mas diferente do que ele imaginava não era para romper o contrato e sim para dizer que queria saber quem havia feito aquele arranjo, pois havia amado aquilo e queria ajuda para colocar itens como aquele em seu novo álbum, eu ficava atônita com tudo que escutava, eu era fã incontestável dele e saber que havia o agradado me deixava definitivamente nas nuvens, despertei quando percebi que meu ex chefe, que talvez seria atual novamente, terminava de falar

— Por isso preciso de você, ele não continuará conosco se eu não leva-la para conhece-lo e não posso mas enrola-lo, sei que errei, porém era o que você queria não era, trabalhar com grandes artistas? Ele me perguntou e eu assenti. – Mas agora Beca será diferente você terá liberdade criativa, será o meu braço direito. Continuei com uma expressão séria. -Terá um aumento. Permaneci estática. – E não trabalhara fora do expediente a não ser que seja de sua vontade. Falou derrotado e eu assenti com um sorriso no rosto, fingi pensar um pouco e por fim falei:

—Se for assim eu aceito voltar a trabalhar para você. Falei sendo sincera, a verdade é que eu não poderia perder aquela oportunidade.

—Isso é ótimo. Falou dando tapinhas no ar. – Agora que já acertamos isso, marquei com Gueta que você iria na casa dele amanhã, tudo bem? Perguntou tranquilamente e eu o encarei sem acreditar.

— E se eu não tivesse aceitado? Perguntei franzindo o cenho para o abuso daquele homem.

—Você vai aprender pequena que nesse mundo da música muitas vezes a única coisa que precisamos é ter fé. Falou sorrindo e no fim eu sorri junto, eu estava empregada novamente e não decepcionei a mulher que eu amo.

Chloe

Acordei sentindo um gosto conhecido nos meus lábios, olhei para os lados, mas as meninas ainda dormiam, exceto Beca que não estava ao meu lado, o que era muito estranho pois ela não trabalhava de sábado, toquei nos meus lábios e no fundo eu sabia que ela tinha me dado um beijo antes de levantar para ir não sei aonde, aquela sensação era inconfundível, a procurei pela casa e não a encontrei, fui na cozinha e tinha um bilhete dela dizendo que ia trabalhar e que depois conversaria comigo.

—Ah Mitchel eu odeio ficar curiosa, você me paga. Falei para o papel e ri da minha loucura. -E eu também te amo meu amor. Completei dando um beijo no mesmo antes de colocá-lo novamente no balcão.

Enquanto eu preparava o café notei que não tinha comida pronta, ou seja, Beca não havia levado nada para comer, e devia ter saído cedo de casa, decidi que faria uma surpresa para ela no trabalho. Preparei uma salada verde, um estrogonofe de frango, e um suco natural de morango, coloquei tudo arrumadinho numa bolsa, escutei um barulho e por pouco não derrubo o que eu havia feito.

—Pelo amor de Deus Amy quer me matar do coração? Falei colocando a mão no peito e respirando com dificuldade.

—Sinto cheiro de comida. Ela disse meio dormindo meio acordada, não pude deixar de rir daquilo.

—Definitivamente você tem que ser estudada por que esse seu faro não é normal. Falei ainda rindo. - Tem comida sim, eu vou ir no trabalho de Beca levar o almoço para ela, e depois eu volto, acorde as meninas e podem almoçar sem mim, volto rápido. Falei e Amy concordou ainda sonolenta acenando para mim.

Fui o mais rápido que eu pude, olhei para hora e a minha pequena já devia estar morrendo de fome, quando cheguei perto do prédio que ela trabalhava avistei Richard e fui até ele cumprimenta-lo.

—Richard que coincidência. Falei tocando em seu braço e ele me retribuiu com um sorriso. – Cansou de pegar os últimos itens do mercado na frente das pessoas que realmente precisam?

—Já disse só faço com pessoas ruivas. Ele respondeu rindo. – Mas me fala o que faz aqui Chloe?

—Vim encontrar a minha namorada, ela trabalha aqui. Falei sorrindo, estava animada.

Ele riu possivelmente da minha animação, não o culpava sabia que estava parecendo uma criança.

— Qual o nome dela? Ele me perguntou. -Talvez eu a conheça, o escritório que eu trabalho também é nesse prédio. Ele explicou e eu assenti.

— Ela se chama Beca Mitchel. Falei e ele fez uma expressão confusa. – Ela é pequena, mas é linda.

Ele sorriu para mim mas parecia preocupado, eu não entendia o porquê daquela reação, será que ele a conhecia?

—Chloe hoje não é sábado? Ele perguntou e eu fiz que sim com a cabeça. – Ela trabalha hoje? Eu só vim mesmo para pegar uns papeis.

— Ela precisou vim hoje. Respondi e comecei a adentra o prédio, Richard me seguia e parecia apreensivo.

—Eu te acompanho até lá. Ele falou e eu concordei, apesar de achar aquilo muito estranho.

Cheguei no andar que a pequena trabalhava e tinha poucas pessoas trabalhando, mas eu entendia afinal era sábado.

—Por gentileza eu gostaria de falar com Beca Mitchel. Pedi e a recepcionista me encarou com cara de poucos amigos.

— A senhorita Mitchel não trabalha mais aqui. Ela disse e voltou a mexer no computador, senti alguém encostar no meu braço.

—Vamos Chloe eu te acompanho. Richard falou me dando um olhar solidário, mas que porra estava acontecendo. Chamei a moça mais uma vez, mas ela me ignorou, até que eu bati no balcão assustando ela e todos que estavam ao redor.

—Como assim ela não trabalha aqui? Perguntei brava, é claro que a pequena trabalhava lá, eu já tinha a deixado no prédio eu só não entendia por que aquela mulher estava mentindo para mim. A moça respirou, parecia não estar brava comigo e sim cansada, por fim ela falou:

— Ela não trabalha mais aqui faz duas semanas, ela foi demitida. A moça terminou a fala e voltou a se concentrar no que estava fazendo, e naquele momento eu senti o meu chão desabar.