Doce Cheshire,

Cá entrego-te o corpo da menina. Talvez quando venha a ler minhas palavras já tenha deixado o conforto de Wonderland. Não mais sinto-me preso, as longas seis horas que prendiam-me por fim tenderam a passar. Avisei-lhe que jamais deveria ter sucumbido quão frágil ser aos meus cuidados duvidosos. Existia um motivo, afinal de contas, para que estivesse eternamente condenado a servir-lhes chá. Mas não mais precisas importastes-te com a minha condição: ainda é cedo, posso sentir adentrar-me as narinas o despertar silencioso do lugar. Não muito longe daqui a Rainha abre os portões do teu castelo, afligindo-lhes a todos com teus discursos intermináveis sobre as honras e os cortares de cabeças. És sempre tão cortês...

Sinto-lhe ser desagradável, mas este bilhete não tem de todo o intento de despedida. Ela ainda possui uma cabeça. Podes vê-lo? O sangue, tu vês? Talvez não mais sejamos tão loucos quanto outrora. É uma atitude inconcebível neste reino de Rainhas de Copas e soldados não tão audaciosos, e, por este motivo, sucumbi este serviço a ti. Corte-lhe a cabeça. Decepe-a! Eu pude contemplar o sorriso infante abandonar-lhe naturalmente a face ferida, dando total vazão para que tornassem-se explícitos os resquícios de dores passadas. Não mais poderá sofrer. Deixou-me possui-la, doce criança, diante do último eterno chá predestinado-me pelo Tempo, e servir-lhe as vísceras pelo cambiar do fim da tarde.

Aqui está, seu último presente. Talvez calhe em encontrar-me nos teus andares infindáveis. Sempre estarei disposto a sentar-me para um chá para com tão polido velho amigo. Antes da seis, enquanto o sol ainda é rei em teu posto. Faça bom uso desta doce criatura, dê-lhe um descanso digno antes que seja devidamente tarde.

Despeço-me com cortesia,
Seu velho amigo,
M. H.a279;