Hello escrita por Lisbeth


Capítulo 1
Capítulo Unico


Notas iniciais do capítulo

Conteúdo desenvolvido para o desafio do projeto: TDG de Escrita do blog Perfect Design http://www.perfectdesign-pd.com/2016/03/tdg-de-escrita-que-comecem-os-jogos.html



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“Olá... Sou eu.”

 

Solto um leve suspiro, eu sabia que não deveria começar essa ligação assim. Mas já foram inúmeras, que o modo como eu começo essa ligação já não faz tanta diferença, era apenas mais uma.

Meu coração palpita, com as possibilidades da ligação. Eu sei que é mera ilusão minha, que dessa vez será diferente. Mas eu não sou de desistir, então eu tentarei até o fim da minha vida.

Tento conter as lágrimas que mais uma vez queriam descer, não queria parecer fraca, por mais que eu esteja. Não queria a sua piedade, eu queria o seu perdão sincero. Mas é sempre assim, toda vez que eu pego o telefone para tentar falar com ela, acontecia a mesma sequência de fatos. Eu me seguro, por toda a ligação e quando acaba, choro por horas seguidas. É a única forma de aplacar a dor que me consome por todos esses anos.

“Eu estava imaginando se

Após todos esses anos,

Você gostaria que nos encontrássemos

 Para superar tudo.”

 

Sempre era tomada por uma enxurrada de recordações, e isso fazia meu peito pesar ainda mais a cada ligação. Talvez seja masoquismo meu, mas cada ligação por mais frustrante que fosse, valia a pena.

Olhei para foto que fica na porta retrato, ao lado da base do telefone. Nós duas... Os sorrisos estampados nos nossos rostos eram completamente diferentes da minha última memória sobre nós, que por mais que eu tentasse apagar da minha memória, era completamente impossível.

Eu sempre a dor nos seus olhos, ao me ver entrando naquele carro, o desespero na sua voz, gritando e chamando meu nome. Eu ao menos olhei para trás, porque eu era uma covarde.

Éramos tão unidas, porque eu tinha que ter sido tola há dez anos?

Um impulso por uma vida melhor, um amor correspondido e finalmente sair daquela pacata cidade, me fizeram cometer o maior erro da minha vida. E eu pago as consequências até hoje, por tê-la abandonado.

“Dizem que o tempo

Supostamente lhe cura,

Mas eu ainda não fui

Completamente curada.”

 

Eu era muito nova quando a tive, quatorze anos. Era apenas uma menina, que vivia numa pacata cidade, onde se você espirrasse a cidade toda te desejava saúde.

Também não ajudou muito que naquela época e com a mente que eu tinha, ter sido fadada a ter filha a essa idade e ser obrigada a casar sem amor. Era algo até comum, se você perguntar a qualquer um dessa cidade, eles vão te dizer isso.

 Porém é um doce engano. Porque oito anos depois, eu estava destruída e querendo me livrar de todo o mau que me rondava. Eu estava farta da vida mesquinha que eu levava, queria mais, precisava de mais.

Foi quando eu o conheci, um homem mais velho que eu, que se encantou por mim. Uma mera garçonete desengonçada prestes a ser mais uma vez demitida.

Ele foi a minha salvação, foi a pessoa que me deu à luz novamente. Uma luz que eu deixei de ver por não ter o amor de seu pai. Por tantas as vezes que fui julgada com o olhar pelas pessoas na rua.

Ele me fez promessas de uma vida melhor. Ahh as promessas... É impossível não conter um suspiro apaixonado e de alegria com as boas lembranças.

Eu me deslumbrei e não era atoa, ele é um homem magnífico, se você o conhecesse melhor, aposto que ele também te conquistaria. Ele ainda me faz sentir as mesmas coisas, mas algo em mim está quebrado, uma peça que caiu pelo meio do caminho.

Não demorou muito para todo o deslumbre perder um pouco do sentido. Mesmo nas nuvens eu me sentia infeliz, sentia que só ele não me bastava. Foi aí que vi que eu deixei a parte mais importante de mim para trás.

Você!

 

“Olá... Você pode me ouvir?

Estou na Califórnia sonhando

 Com quem costumávamos ser,

Quando éramos mais

 Jovens e livres.”

 

Fecho meus olhos e posso ver seu rostinho, contorcido numa careta, enquanto eu te fazia cocegas. Isso me faz sorrir amplamente, é uma das lembranças que eu mais gosto nossa. Também vejo seu rosto com um sorriso de orelha a orelha, das vezes que eu conseguia te dar algum presente.

Meu peito aperta, tirando o sorriso que agora pouco estava em meu rosto. Lembrar de todos os presentes que mandei e que você devolveu, não é algo que me agrade.

Eu era uma boa mãe, me pergunto se tudo isso é só porque eu te abandonei ou se seu pai colocou alguma coisa na sua cabeça. Não ter essas respostas, faz minha mente pensar várias coisas, umas boas e outras horríveis, que prefiro não focar.

Talvez... Só talvez você nunca os recebeu, nunca soube das minhas ligações ou que eu te procurei dois anos após ter partido. Essa é uma das minhas maiores ilusões, que penso para amenizar dor.

O nó na garganta aumentou mais e eu senti meu corpo começar a tremer. E logo veio tosse, a maldita tosse.

“Eu esqueci como

Era antes do mundo cair

 Aos meus pés.”

 

O sangue no pano que eu levei a boca, fez escorrer uma única lágrima. Ela nunca saberá o quão estou doente, não quero que ela pense que estou a procurando por perdão para morrer em paz.

Não! Eu quero que minha filha me perdoe e que saiba que eu sempre a amei, eu só quero ouvir um: “mãe, eu te perdoo”. Será que eu estou pedindo muito? Será que ela nunca irá compreender os motivos que me levaram a abandona-la?

Com o passar do tempo, pensei que a cabeça dela mudaria, como a minha foi mudando. Não só com a chegada da doença, mas com tudo que eu vi e aprendi aqui.

 

“Há uma baita

Diferença entre nós

E um milhão de milhas.”

 

Fico me perguntando como você está agora. Que altura está seu cabelo, se continua parecida comigo e do que você gosta atualmente. Eu queria ter estado presente na sua vida, eu juro que eu queria.

Eu faria tudo diferente se tivesse oportunidade. Eu não me importaria de ter ficado na cidade que eu sempre odiei, ao lado de um homem que não me amava, e sob o olhar julgador de todos... Eu só queria poder te ter de volta. Ter a minha menina em meus braços novamente.

“Olá, há alguém do outro

Lado da linha?”

 

O silencio como resposta é perturbador. Eu tenho ouvido isso há bastante tempo, mas eu preferia que estivesse gritando comigo. Pelo menos eu saberia como isso te atinge.

“Devo ter ligado

 Umas mil vezes,

Para lhe dizer que sinto muito

 Por tudo que fiz.

Mas quando eu ligo

Você parece nunca

Estar em casa.”

 

Nas primeiras ligações eu ainda conseguia falar com seu pai, era estranho ouvir a voz dele. Ele sempre tentou passar certa indiferença por eu ter abandoná-lo, mas eu sentia o rancor e a dor na sua voz, toda vez que nos falávamos.

Sempre tinha a expectativa dele falar que você chegou ou que estava ansiosa esperando que eu voltasse a ligar. Mas isso nunca aconteceu e eu não consigo entender ao certo o porquê.

“Olá, há alguém do

Outro lado da linha?”

 

Mas algo em mim, sempre sente a sua presença do outro lado da linha. Porque você atende o telefone e não fala nada? Porque me deixa aqui falando sozinha e sofrendo com essa dor? Você ao menos trocou o número de casa, esse número que eu nunca esquecerei.

Eu só queria entender o porquê.

Você acredita que eu não lembro o som da sua voz? Se eu a ouvisse nesse mesmo instante, nunca saberia se realmente é você. Eu tenho medo de que isso ocorra se eu te ver.

Passar por você e não te conhecer, seria a dor mais cruel que eu poderia sentir. E não penso isso por besteira, mas de todas as crueldades que eu já vivi. Nada seria mais cruel comigo, de eu não reconhecer a minha própria filha, que eu abandonei. Aliás, esse seria um castigo perfeito não é? Eu louca aqui querendo que você fale comigo e quando isso acontecer, eu nem ao menos saber que é você.

“Pelo menos eu posso

Dizer que eu tentei,

Para lhe dizer que sinto muito,

Por partir o seu coração.”

 

Eu não faço ideia de quantas vezes eu já te liguei. Quantas horas já passei apenas contando algo supérfluo sobre mim ou pedindo o seu perdão. Você já deve estar cansada de ouvir o mesmo discurso sempre.

“Mas não importa,

Isso claramente não lhe deixa

 Mais em pedaços.”

 

É engraçado, que ao mesmo tempo que você parece se importar com a minha ida, não parece. Outras pessoas já teriam gritado e xingado, você apenas ignora a minha existência. Me fere ao ficar aí calada.

Entretanto é irônico eu falar da dor que você me causa, quando eu causei dores ainda piores em você, e você tinha o que? Oito anos de idade quando lhe deixei?

Eu sei... Eu sou um monstro.

 

“Olá, como você vai?

 É tão típico falar sobre mim mesmo.

Me desculpe, espero que esteja bem!”

 

Talvez eu deva pensar como você um pouco. Eu sei que fui egoísta, na verdade ainda estou sendo. Porque tudo aqui está se tratando de mim e não de você ou de nós.

É eu comigo mesma, tentando exorcizar os demônios das minhas escolhas. Eu vivo num inferno pessoal, no qual só eu mesma posso lutar e vencer a batalha.

“Você conseguiu sair daquela cidade,

Onde nada nunca aconteceu?”

 

Me atormenta todos os dias, sempre que alguém pergunta de onde eu vim. Como pude largar tudo e vir com um homem desconhecido para um lugar novo. Eu... Sorrio com o nervoso e fecho meus olhos. É engraçado eu não saber responder isso?

Eu não mereço o seu perdão e só agora compreendo isso.

“Não é segredo que nós dois

Estamos correndo contra o tempo”

 

A tosse volta mais forte e eu corro para o banheiro, me debruçando sobre o vaso e vomitando um bolo de catarro com sangue.

Dizem que está à beira da morte nos traz sabedoria, eu nunca acreditei nisso. Contudo é óbvio que só quem passa por isso sabe e minha mão tremendo segurando esse maldito telefone me fez ver que apesar de tudo, de todas as coisas, eu morrerei aqui sozinha.

Sozinha fisicamente. Porque eu sei que do outro lado da linha, minha filha escuta atentamente tudo o que eu digo e meu mari... do.

Um grito de dor saí estrangulado da minha garganta, enquanto me curvo vomitando mais sangue. Perdendo completamente qualquer pensamento que estava tendo. Minha visão vai ficando turva e eu mal consigo segurar o celular, a única coisa que faço antes de deixar o celular cair no chão e pôr no viva-voz.

E mais uma vez eu estava sendo egoísta e cruel, eu queria que ela fizesse parte do meu último minuto. Eu tento não gemer e gritar alto, mas as dores começaram a ficar insuportáveis e eu acabo tossindo cada vez mais sangue.

Como em flashbacks, imagens de nós duas começaram a vir em minha cabeça. Atormentando mais meu fim. Eu já não sabia o que era as coisas que saiam da minha boca, se eram gritos de dor e desespero ou pedidos de ajuda, talvez eu me despedindo.

Eu me sentia cada vez mais fraca.

Hello

It's me

I was wondering if after all these years

You'd like to meet

To go over

Everything

— Mãe???

Será que eu estava alucinando? Tinha alguém falando do outro lado da linha? Desesperada eu tentei pegar o telefone, mas eu mal conseguia me mexer. As lágrimas voltaram com mais força.

Talvez fosse coisa da minha cabeça, minha mente tentando me dar um final feliz. Estranho não?

— Mãe, sou eu.

Aquela voz novamente tomou conta dos meus ouvidos, e já não parecia tanto, coisa da minha cabeça. Tentei falar alguma coisa, mas minha voz foi consumida, não saía nenhum barulho, só gemidos de dores. Dor esta que me consumiu e cansada de lutar contra, eu a deixei ganhar. Eu sabia que já estava na minha hora, não adiantava eu fazer mais nada, eu só tinha que aceitar e foi isso que fiz. Fechei meus olhos, esperando dar meu último suspiro.

— Eu...

A voz foi ficando cada vez mais longe e toda a dor parecia está dando lugar ao nada. Eu não sentia mais nada, eu não via mais nada, eu agora era um nada. Havia virado um imenso vazio, um vazio que meu coração conhecia muito bem. Um vazio, que antes era destinado à minha filha, tomou posse de todo o meu corpo, me deixando oca. Só a carcaça para que a morte me levasse.

Eu havia aceitado que era meu destino, sofrer até o último segundo, de não ter o perdão da minha filha. Mas, mais uma vez eu estava enganada. Porque antes de dar meu último suspiro, eu ouvi... Ouvi aquela maravilhosa frase que eu tanto esperei nesses dez anos.

— Mãe... eu te perdoo.

 

 


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Notas finais do capítulo

História desenvolvida como primeiro desafio do projeto TDG de Escrita.



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