Apenas mais uma de amor escrita por PostModernGirl


Capítulo 9
Silhuetas




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O clima de determinação na força tarefa estava paulatinamente sendo substituído por frustração e descrença. A equipe toda estava prostrada diante dos telões com expressões de cansaço. Há alguns dias, desde que Light mudou de comportamento, uma suspeita que parecia que iria se concretizar acabou se esvaindo completamente. Mesmo com Light e Misa presos, as mortes voltaram a acontecer e não havia possibilidade de que os dois estivessem envolvidos nessas mortes. O Sr. Yagami continuava em sua reclusão voluntária, visivelmente abatido e mais magro. O restante dos homens da equipe já começava a questionar a prisão dos supostos Kiras.

— Ryuzaki, não pode mantê-los presos. Já sabemos que as mortes retornaram a acontecer mesmo depois da prisão deles! – Havia um apelo na fala de Aizawa.

— Ainda não é hora... – L limitou-se a responder.

O detetive não entendia o que estava acontecendo. Ele tinha certeza de que o casal que estava em custódia era mesmo culpado, entretanto, não conseguiria prová-lo. Além disso, eles mudaram completamente de comportamento, o que pode sugerir que talvez eles tivessem sido usados por Kira. Mas Light tinha que ser o Kira original, ele tinha os requisitos que L estabelecera anteriormente, e o detetive recusava-se a acreditar que uma pessoa inteligente como Light estivesse sendo controlado. Ele tinha que ser o cabeça. L começou a pensar na história de Chiara. No fundo, ele começou a considerar que talvez ela fosse real. “Eu tenho que estar preparado para encarar o fato de que talvez estejamos lidando com algo sobrenatural”, pensou.

Chiara, por outro lado, apenas observava os telões. O que não estava claro era o motivo de ela não ver mais o Shinigami, além da mudança de comportamento dos suspeitos. Quanto às mortes continuarem, para ela isso era fácil de explicar: o caderno estava com outra pessoa. Mas quem seria esse novo Kira?

Watari entrou discretamente na sala e falou à ruiva.

— Vai tomar chá comigo novamente hoje, Chiara? – perguntou, enquanto se curvava discretamente em direção a mulher.

— Pontualmente às 5! – respondeu ela sorridente.

Watari correspondeu o sorriso e saiu.

— Parece que o Watari gosta mesmo de você, Chiara – comentou Matsuda.

— Eu também gosto dele. É gentil e agradável o tempo todo – respondeu a moça. Todos notaram ela um pouco mais sorridente que o habitual

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Sentados em uma pequena mesa montada com um aparelho de chá inglês, alguns biscoitos e flores, Chiara e Watari pareciam velhos amigos a conversar.

— Eu tenho percebido que você e Ryuzaki têm se aproximado, Chiara – disse o velho enquanto dava um gole na xícara quente de chá.

— É verdade. Ele tem me ajudado a me sentir melhor com tudo o que vem acontecendo. – Ela assoprava a fumaça que saía da sua xícara. – Se importa se eu fizer uma pergunta indiscreta?

— De forma alguma. – Watari assentiu com a cabeça.

— O senhor cuida do L com muita dedicação... Por acaso ele seria seu filho?

Watari deu um sorriso tímido.

— Não, Chiara, ele não é meu filho. – Fez uma pausa. – Eu encontrei Ryuzaki quando ele ainda era pequeno e o levei a um orfanato que mantenho na Inglaterra.

— Você mantém um orfanato? Mas isso é incrível. Você ajuda crianças que não teriam muitas perspectivas! – Ela parecia admirada.

— Não se engane minha jovem. – Ele parou de sorrir, parecia amargurado. – No começo a minha intenção era realmente essa, mas nem sempre a consequência dos nossos atos está relacionada às nossas intenções. Depois que conheci Ryuzaki e seu incrível talento, passei a acreditar que o mundo precisaria sempre de alguém como ele, então, decidi criar um orfanato só de crianças superdotadas que um dia pudessem substituí-lo. Não deu muito certo. Alguns não aguentaram a pressão e desistiram de viver, outros enlouqueceram. – Seus olhos tinham grande pesar. – Eu cometi muitos erros imperdoáveis na vida, menina.

Chiara estava surpresa com o que acabara de ouvir. Parecia-lhe realmente muita loucura um lar com crianças disputando para substituir alguém. Como seria a vida dessas crianças? Por outro lado, ela podia ver nos olhos de Watari a culpa e o arrependimento pelo que acontecera. Ele realmente não tinha essa intenção.

— Não existe erro que não possa ser perdoado, Watari – disse, por fim, a ruiva, com um sorriso amistoso.

— Você é muito gentil, senhorita! – respondeu o velho, recompondo o seu sorriso cortês habitual.

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Novamente, L e Chiara estavam lado a lado no sofá tomando sorvete de madrugada. Desde a primeira vez em que o detetive apareceu repentinamente no quarto da ruiva, ele passou a visitá-la sempre que ouvia os gritos da moça através do áudio que captava do apartamento dela. A rotina era sempre a mesma. Conversar enquanto tomavam sorvete até Chiara dormir. No outro dia, ela sempre acordava sozinha coberta por um lençol. Nessa noite, já não estava mais usando as roupas de Sam. Usava uma camisola preta de mangas curtas e tecido leve. L parecia mais à vontade ao observá-la falar, olhando-a diretamente nos olhos sem desconforto.

— Tem algo que eu queria que você soubesse – disse a ruiva com um pote de sorvete no colo.

— O que é?

— Sobre os meus pesadelos. Não tem a ver com a morte do Sam. Na verdade, eu tenho esses pesadelos desde antes de conhecê-lo. Só que com bem menos frequência.

“Finalmente ela resolveu dar pistas para que eu possa descobrir com o que ela sonha”, pensou L. Ele dedicava parte do seu tempo para pensar nesse mistério.

— Mas você não vai me contar com o que são os pesadelos, não é?

— Não consigo. – Chiara suspirou.

— O Sam sabia?

— Sabia, mas ele descobriu sozinho.

Essa era uma pista importante. L iria pedir para Watari pesquisar a vida de Chiara em busca de algum acidente ou trauma que justificassem aqueles pesadelos terríveis.

— E o que o Sam fazia quando você acordava aos gritos? – L arregalou os olhos. Ele costumava fazer isso quando estava curioso.

— Ele me abraçava até eu dormir de novo. – Chiara sussurrou, como uma indireta sutil.

O silêncio se instaurou por alguns momentos.

— O seu noivo devia ser uma boa pessoa... – L pôs o polegar na boca por um instante, mas tirou em seguida. – Tenho inveja de quem consegue ser assim.

Chiara contraiu o rosto de espanto. Ele finalmente decidiu se abrir um pouco e falar do que sente.

— Por que você diz isso?

— Por que na verdade eu tenho medo. Sabe os criminosos que eu combato? Normalmente eles parecem normais. Mas eles são monstros que comem, mesmo sem ter fome, que dormem, sem jamais ter conseguido sonhar, que parecem humanos mas nunca conseguiram compreender o coração alheio e que mentem o tempo todo. Eu tenho medo porque também sou assim.

A ruiva estava chocada com a imagem que o detetive tinha dele mesmo. Ainda assim, manteve uma expressão firme, como quem está pronto para confrontar alguém.

— Watari me contou a sua história. E sabe, eu tenho uma teoria.

— Um teoria?

— Sim. É sobre um homem que começou a enfrentar adversidades desde cedo. Ele recebeu ajuda de uma pessoa bondosa e teve tudo o que foi necessário para crescer, mas nunca recebeu afeto de verdade, consequentemente, ele não aprendeu a amar e a ser amado. Então, ele embotou seus sentimentos de maneira tão profunda que nem ele mesmo se conhece. Ele acha que não se importa com ninguém, mas na verdade ele usa seu talento para salvar muitas vidas. Ele não se permite dormir direito, se divertir ou ter uma vida normal por que acha que tem a missão de fazer justiça e proteger os outros. Ele nunca percebeu que essa foi a forma que encontrou de mostrar que se importa com as pessoas, sacrificando a si próprio em benefício delas.

Chiara ficou encarando L esperando uma resposta. Ele silenciou por um momento. Sua alma estava desnuda, ele não saberia responder imediatamente.

— Você me enxerga de uma forma muito melhor do que eu sou, Chiara – Disse por fim, mansa e pausadamente.

— É você que se deprecia. Embora não goste do fato de você se sacrificar tanto pelos seus ideais, eu admiro muito você por isso. Eu não sou assim.

— Agora é você que está se depreciando. Está há meses lutando para pegar Kira, e está colocando a sua vida em risco.

— Mas a minha motivação é diferente. Enquanto você arrisca a vida por achar que Kira é um mal para a humanidade, eu estou aqui pra vingar a morte do Sam. Eu não concordo com Kira, mas não arriscaria minha vida para pegá-lo. Pra mim o mais importante é proteger quem eu amo. Mas você não, você se importa com a humanidade e se arrisca por isso, o que pra mim é muito nobre.

L nunca havia pensado em si mesmo daquela forma.

— Mas apesar disso – continuou a ruiva – eu não acho que você precisa se sacrificar dessa forma para salvar o mundo. A humanidade sempre encontra um jeito de tentar se destruir. Você, assim como Kira, não percebe isso, mas prender ou matar criminosos não vai resolver os problemas do mundo. Há fome, frio, exploração, conglomerados econômicos, aquecimento global... E por mais que a gente lute pra mudar pra melhor, eu acho que nós apenas estamos equilibrando o jogo. E tem mais. Não pode se tornar escravo do seu talento. Foi por isso que recusei o convite da Orquestra de Londres. Se o seu talento se torna obrigação, isso suga a sua vida.

O detetive a admirava enquanto ela falava. Estava mostrando agora um lado diferente. A mulher alegre e cheia de amigos também tinha uma espécie de desilusão com o mundo. Ainda assim ela parecia feliz a maior parte do tempo, mesmo depois da morte do noivo. “Como ela é encantadora!”, pensou.

— Você é muito bonita para ser tão pessimista – disse o detetive, sem aparentar estar envergonhado.

Chiara não respondeu, apenas sorriu enquanto ainda olhava pra ele.

— Com a vida que eu levo – ele prosseguiu -, mesmo que eu queira não é bom ter laços afetivos. Eu estaria arriscando a vida da pessoa que estivesse comigo.

— Talvez essa pessoa não se importe em arriscar a vida para estar com você.

— Não dá pra ficar em paz sabendo que alguém que você gosta está correndo risco de vida. Eu tenho muitos inimigos. A minha vantagem está no fato de que, fora Watari, eu não tenho nada a perder.

— Quando você gosta de alguém, você vive sob o risco iminente de perder essa pessoa. Não dá para evitar isso.

— E vale a pena amar alguém, se a dor de perder essa pessoa parece ser tão grande?

— Eu perdi alguém que eu amava, mas ainda assim pareço mais feliz do que você.

Ele ficou em silêncio. Ela chegou à conclusão que estava na hora de parar. Eram muitas reflexões difíceis para uma noite só. Ela decidiu descontrair.

— Eu escrevi uma música sobre uma história de amor. Quer ouvir?

L assentiu.

— Vem comigo.

Os dois se levantaram. Chiara se sentou em um banquinho comprido na frente do piano e deixou um espaço para que o detetive fizesse o mesmo, de modo que eles ficassem lado a lado. Estava relativamente escuro, havia apenas uma luz acesa atrás deles, de uma forma que eles podiam ver a própria sombra mais à frente, contornando suas silhuetas. Chiara olhou brevemente para L, depois levantou a tampa que protegia as teclas e começou a tocar e cantar. Era uma canção* doce e lenta.

O detetive observava enquanto ela dedilhava graciosamente o piano e cantava. Estava linda. Apesar do escuro, reparou nos cabelos caídos todos para o mesmo lado, o que lhe permitiu ver a tatuagem que ela tinha na nuca: um filtro de sonhos. Observou também os lábios dela se movendo delicadamente enquanto executava as notas com perfeição. Ele sentiu um frio na barriga que jamais sentira antes. Ela mexia com ele de uma forma que não era possível negar. Talvez ela estivesse certa. Talvez ele não fosse uma pessoa tão vazia quanto imaginava. Talvez poderia se permitir gostar de alguém.

Assim que Chiara tocou a última nota, virou-se para o detetive. Qual não foi a sua surpresa quando ele de repente, como que num impulso, encostou seus lábios nos dela com a urgência de quem tinha de fazê-lo antes de se arrepender. Chiara recuperou-se do susto e ainda com os lábios juntos dos dele, retribuiu o beijo, segurando-o pela nuca e deslizando o polegar delicadamente sobre a face pálida do detetive.

Na parede, a sombra dos dois tornou-se uma só.


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Notas finais do capítulo

*A quem interessar, a música que Chiara tocou hoje foi essa aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=p62rfWxs6a8

Os dois cederam aos sentimentos, por fim.
Cenas para os próximos capítulos...



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