Sky full of Stars escrita por AnaTheresaC


Capítulo 2
Capítulo 2




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Capítulo 2

—E depois, o que aconteceu? Vocês encontraram-se…

—Oh, não, ele encontrou-me.

***

As duas aulas seguidas não faziam sentido. Olhava para os professores, depois para a matéria, depois para o meu caderno, mas nada fazia sentido, como se a matéria não me estivesse a entrar no cérebro. A única coisa que via eram aqueles olhos, e aquele sorriso e aquele momento em que vi que ele pensava que eu era maluca. E dali a quatro horas, eu ia sair com um completo estranho. Tão estranho era que eu nem sabia o nome dele. Não associava nada a ele, simplesmente ele mesmo.

A caneta que estava na minha mão escrevia, como se por algum piloto automático, ela conseguisse saber o que anotar e escrever, sem o meu consentimento. Não a julgava, sabia que quando tudo aquilo passasse, agradeceria ao piloto automático (e à minha caneta) por estarem atentos à aula quando eu não estava.

E então, o momento. O professor dispensou-nos e eu comecei a arrumar as minhas coisas dentro da mala, com expectativa e com receio. Fui mais lenta que todos os outros, deixando-me ficar na sala. O professor olhou para mim, mas eu desviei o olhar imediatamente, tendo a possibilidade de perceber a sua questão nos seus olhos, uma que eu não conseguia responder. Sempre fui aplicada, sempre perguntava coisas na aula, mas nesta aula tinha ficado calada. A voz não me tinha fugido, simplesmente não tinha nada para dizer. Como é que eu podia perguntar sobre alguma coisa, se eu não sei o que é que o professor estava a falar?

—Até quinta, Clara.

—Até quinta, professor – disse, vendo-o sair da sala.

Tinha que me despachar. Apesar de já ser noite lá fora, a faculdade também tinha aulas bem mais tarde, talvez alguém quisesse entrar na sala. Coloquei o meu caderno abruptamente na mala quando percebi que alguém estava do outro lado da porta, de certeza que ansioso por poder entrar.

Fechei a mala e levantei-me. A cadeira arrastou-se para trás, sobressaltando-me com o seu som furioso. Estava assustada, ansiosa, sobressaltada e talvez quisesse desatar a correr e esquecer aquilo tudo. Nem sequer sabia quem ele era, talvez ele já não se lembrasse de mim, e talvez até tivesse esquecido tudo. Sim, decisão tomada, eu não voltaria àquela sala de computadores. Não hoje, para ir ter com ele, nem nunca. Nunca mais.

Arrumei a cadeira e saí da sala.

Olhos, sorriso.

Não, não, não!

Eu tinha acabado de tomar uma decisão! Isto não é justo!

—Hey! – disse ele.

—Oi! – coloquei um sorriso na minha cara. – O que estás a fazer aqui? A perseguir-me?

A coisa tinha saído mal. O seu sorriso desapareceu por um instante, quase impercetível, para voltar outra vez, mas agora menos intenso. A luz dos seus olhos desapareceu, e foi colocada uma barreira impenetrável.

—Desculpa – disse. – Agora fui rude.

Ele negou com a cabeça, embaraçado, tanto como eu.

—Disseste onde é que eram as tuas aulas. Pensei que talvez fosse mais rápido se nós nos encontrássemos agora, do que ir para a sala de computadores e depois sair da faculdade.

—Oh – ele pensava mesmo em tudo. E agora não tinha escapatória possível dele.

—Vamos?

—Vamos – anuí e saímos da faculdade.

Provavelmente, aquele momento interminável entre sair da faculdade e chegar ao Chiado, foi o pior da minha vida, porque nós simplesmente não falámos. Eu não conseguia falar, queria tanto dizer alguma coisa, mas sabia que se abrisse a boca seria uma daquelas pessoas que não se cala e depois acaba por afastar a pessoa que acabei de conhecer. Eu não queria isso. Conseguia sentir o seu calor emanar de si e preencher o ar frio com algo que era só dele. Talvez esperança, talvez alegria, não conseguiria descrever nem mesmo se lesse um dicionário. Sentou-se de frente para mim no metro. Os nossos olhos encontraram-se. Ele sorriu. Sorri de volta, inconsciente de que o fazia. Como é que era possível ele ser tão…

Desviou o olhar para a janela e apoiou o cotovelo no pequeno parapeito, apoiando o seu queixo na sua mão. Não conseguia deixar de olhar para ele. Olhou-me de soslaio, com um sorriso de lado. Revirei os olhos e desviei o olhar para a minha mala que estava no meu colo. O tecido de repente parecia o meu melhor amigo, deixando-me analisá-lo sem receio, para me abstrair dele.

Chiado. Saímos do metro.

—Starbucks? – indagou ele.

—Boa ideia.

Apesar de não gostar do chá deles, eles tinham um ótimo chocolate quente. Pedi um e uma cookie, já que estava esfomeada. Ele pediu um latte e também uma cookie. Sentámo-nos. O meu chocolate quente vinha com natas por cima e saquei do telemóvel para lhe tirar uma foto e enviar à minha irmã, que adoraria estar comigo agora mesmo para também beber um chocolate quente.

Ele esperou, pacientemente, para eu tirar a foto.

—Então… Shakespeare?

Olhei para ele, tomando a consciência, talvez pela primeira vez, que ele estava realmente ali, comigo.

—Oh. Sim – assenti. – Eu gosto de Literatura Inglesa.

—Já percebi.

—E o que é que fazes?

—Trabalho numa loja de desporto no Colombo aos fins-de-semana.

—E na faculdade?

Ele revirou os olhos.

—Eu nem pertenço à faculdade de Letras. Só estava ali mesmo porque gosto daquela sala.

—Oh – aquilo surpreendeu-me bastante. Não estava nada á espera daquilo. – Então como é que sabes da existência daquela sala minúscula e quase esquecida?

—Um amigo meu disse-me que aquela era precisamente uma sala esquecida e que podia ir sempre imprimir ou fotocopiar lá alguma coisa porque ninguém me ia chatear.

—E esse teu amigo é da faculdade de Letras.

—Precisamente. Está a estudar História.

—E tu?

—Arte Moderna.

—Oh, então és vizinho.

Ele riu.

—Sim, pode-se dizer isso.

Aquilo riso de meio segundo preencheu-me. Algo acordou dentro de mim, ou iluminou-se, pelo menos, algo que tinha adormecido, algo que talvez já estivesse esquecido dentro de mim e que eu nunca fui capaz de reconhecer o que era ou como era. Era algo… infinito. Parecia que de repente o meu corpo tinha ganho um novo modo de encarar as coisas e um peso tivesse saído de cima de mim.

Sorri, feliz.

—E o mais engraçado ainda é que nem era suposto eu ir para aquela sala hoje – disse ele. – O meu amigo, que estava a estudar comigo na biblioteca, partiu o pé num jogo de futebol, e pediu-me para ir ao cacifo dele e pegar uns livros.

—E como bom amigo que és, disseste que sim.

—Foi mais porque ia demorar muito tempo se fosse ele a ir.

—E entraste porque…

—Porque ouvi alguém a bater na fotocopiadora.

—Ei! Eu não estava a dar-lhe porrada. Eram só uns jeitinhos para ela se deixar de coisas.

Rimos. Os olhos deles brilhavam quando ria, uma pequena estrela naquele mar azul.

O meu telemóvel tocou.

***

—Oh meu deus, eu não fiz isso! – exclamou a minha irmã, enterrando-se no sofá ás gargalhadas.

—Oh, tu fizeste! E eu atendi, porque és tu.

—E o que é que aconteceu depois?

***

—Lamento, tenho que ir já para casa – disse-lhe, colocando o meu telemóvel de novo na mala.

—Não, está tudo bem.

Levantou-se conjuntamente comigo.

—Espera – disse ele, pegando no nosso tabuleiro e indo até ao balcão. Aquele sorriso dele levava-o a qualquer sítio. A senhora aceitou os tabuleiros, sorrindo que nem uma doida como eu, e depois de alguns minutos voltou com dois copos take-away e dois saquinhos de papel do Starbucks. Ele agradeceu muito e voltou para junto de mim. – O teu chocolate quente e a tua cookie – disse ele, pondo-me um dos copos numa mão e o saquinho da cookie na outra.

—Tu não fizeste isso – afirmei, completamente derretida pelo seu gesto.

—Oh, eu fiz – piscou-me o olho. Ele não tinha permissão para piscar o olho, ele simplesmente não podia fazer isso comigo. O meu coração não aguentava.

***

—Ai que fofo! – exclamou ela e eu gargalhei. – Mais!

—Depois ele levou-me até ao comboio.

—Queres dizer, até ao metro.

—Não, não. Até ao comboio.

—Posso desmaiar?

—Acho que sim – fingi-me indecisa.

—E depois?

—E depois… ele pediu o meu número. E depois mandou-me mensagem com o seu número. E o nome. E uma foto do seu lanche.

—Ai ai! – suspirou.

©AnaTheresaC


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam a gostar!



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