Ao Meu Redor escrita por SherlockAPT


Capítulo 1
Capítulo 1




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AO MEU REDOR

—Agora, eu acho que sei o porquê devemos dar valor as nossas vidas, a cada hora que passa...é horrível ter que ficar deitado nessa maca, sem conseguir abrir os olhos...sem me mexer...sem conseguir dizer uma palavra apenas...cheio de fios e conectores pelo corpo...vivo por uma máquina praticamente, e viver só pelos meus pensamentos.

Na janela do quarto do hospital, um passarinho pousa calmamente, cantarolando seu canto das manhãs

—Outra vez esse pássaro cantando na janela. Mas me sinto mais orgulhoso por isso, pois é a única coisa que consigo fazer com meu corpo, escutar. Escuto os pássaros que passam pela janela, os carros da avenida ao lado, os gritos das crianças brincando na calçada, as fofocas nos corredores, as enfermeiras acalmando possíveis doentes. A essa altura, eu já não sei mais o que é viver ou existir, em coma há mais ou menos 5 anos. Pelo menos é o que eu acho, pois já ouvi até mesmo algumas queimas de fogos, típicas de fim de ano. Minha esposa, e minha família não vem mais me visitar há um bom tempo. Eu tendo 63 anos, é comum de se esperar sua família te esquecer numa situação dessas.

Com a porta do quarto aberta, ao corredor escutava-se duas crianças discutindo:

—Anda logo, me dá esse celular! Ou vou chamar a mamãe! Ninguém mandou você quebrar o seu

—Cala a boca, eu ainda não terminei de jogar- retruca o outro

—Crianças brigando em hospitais... -pensa o velho em coma- tenho em dúvida de que seja pior do que ver mães que dão de presente celulares para seus filhos...hoje em dia, as crianças não são como as do meu tempo. Não só crianças que vivem em celulares, mas também adultos e adolescentes. Eu admiro o avanço  da comunicação por tecnologia, mas parece que com o avanço da comunicação, as pessoas estão se afastando cada vez mais. O bate papo vem sendo apenas virtual.

Uma enfermeira que passara pelo corredor, dá um sermão em voz baixa nas crianças para elas pararem de gritar, e elas fazem isso. Em seguida, a enfermeira fecha a porta do quarto em que o velho estava.

—Quando será que vou voltar a andar? A assistir meus programas na TV? A brincar com meu cachorro Brian? Será que ele ainda está vivo? Dizem que os cachorros morrem por ficarem sem seus donos durante um tempo. Sinto saudades de comer comida de verdade, e não ser alimentado por tubos na veia. Estar em meu estado, é o mesmo que estar dormindo? Pois me lembro de uma vez, em que eu e minha esposa não conseguimos dormir por conta de uma vizinha nossa. Ela estava discutindo com o pai, pois ele não tinha comprado o kit de maquiagens que ela queria. Sim, laços de família se quebrando por conta do consumismo. Essa busca da beleza está gigante. Parece que o amor morre na prática, e eles vivem pela estética.

A televisão da sala ao lado, aparenta ter sido ligada. O volume estava alto, e o velho ouve:

—Cientistas pesquisam mais fontes e origem de água em Marte. Será que os futuros tripulantes da Terra, vão ter acesso mais limitado em Marte?? –diz a jornalista da TV

—Os ricos querem mesmo dominar muita coisa –pensa o velho- A humanidade está mesmo avançando, querem ir pra Marte, porquê com este planeta já acabamos. Mas não quero ser hipócrita, eu já quis ser rico. Mas, e as oportunidades? Mas tinha medo de me tornar egoísta. Olhar para o espelho, e não ver minha alma. Não é pessimismo, é que ao estar nessa maca por todo esse tempo, eu enxerguei coisas que antes não percebia: O amor e a atenção que devemos dar a quem nos ama.

O velho na maca, ouvia agora ‘’améns’’ e ‘’aleluias’’ vindo de uma igreja, que ficara uns 40 metros do hospital.

—Outra vez esse pastor gritando? Me lembro bem de ver noticias dele na TV por estelionatário, fraude de bancos e cheques sem fundos; e ele ainda insiste em dizer que tem que repassar a palavra de Deus. Esse pastor tendo 3 mansões e 4 fazendas, esquecendo de verdade o sentido de humildade, me dá nojo. E o que mais me dá nojo, é saber que cristãos idolatram esses tipos de ladrões. A falsa liberdade desse povo, é o verdadeiro prêmio delas? O ser humano é realmente destrutivo, mas por sorte eu tenho fé e sinto que até mesmo no mar morto, existem seres vivos.

A mesma enfermeira entra no quarto e caminha em direção á janela. Ela a fecha, pois acabara de começar a chover. Logo após,ela sai e fecha a porta.

—Esse barulho...é o barulho de chuva. Sinto saudades da chuva cair sobre minha pele, o cheirinho da terra molhada, e até mesmo de me preocupar em quem estará de baixo do guarda chuva: eu ou minha esposa. Independente de sua crença ou descrença em Deus, se eu voltar a viver como um humano, e não um vegetal, será um milagre? Bote isso em uma balança, de um lado eu vejo a fé, do outro a esperança

O barulho da chuva aumentava, e as gotas escorriam levemente pela janela. O pássaro que estava ali, possivelmente já tinha ido pro ninho cuidar de seus filhotes. E a chuva aumentou incessantemente, fazendo que os gritos da igreja se abaixassem.

O dedo anelar do velho se mexera por uns míseros segundos, e depois parando. O monitor cardíaco que ficava no centro do aparelho que estava conectado nos pulsos do velho, começara a abaixar os números: 79...58...44...26...


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