Castiel revirou os olhos pela décima vez seguida, enquanto os convidados mostravam-lhe os presentes que haviam trazido.

Sinceramente, estava pensando que seria muito melhor fazer contratos e negócios com outro tipo de gente, porque todas aquelas pessoas nobres que ele “convidara” para sua festa de Natal não tinham a menor noção do que era um bom presente.

Suspirou impaciente, odiando os pais por terem-no deixado em uma situação como esta. Afinal, o que o rei e a rainha tinham para fazer fora do castelo no dia da tão aclamada festa de Natal? Castiel simplesmente não entendia, e às vezes sentia-se exausto com a tarefa de ser príncipe...

Castiel tinha apenas quinze anos quando descobriu o que o futuro lhe reservava. A tarefa de governar uma província não lhe soava nada mal, e ele gostou muito da ideia. Porém as novas informações haviam transformado-o para sempre, e apesar de ter tudo o que desejava dentro e fora do reluzente castelo em que morava, o príncipe era mimado e mesquinho. O simples fato de saber que um dia o poder estaria em suas mãos o tornara alguém egoísta e grosseiro, que não ligava para ninguém que não fosse ele mesmo.

Ouviu batidas lentas e altas vindas da grande porta do salão. Como queria uma desculpa para sair do grande trono em que estava, logo se prontificou para abrir a porta, deixando seus convidados falando sozinhos enquanto levantava-se e atravessava o salão gigantesco em passos largos.

Quem poderia chegar à festa tão tarde em uma noite de inverno rigoroso? Pensou que fossem os pais, mas então se lembrou de que eles haviam dito que viajariam por uma semana inteira, tentando negociar algo importantíssimo para os interesses da pequena vila.

Abriu a porta com violência, e assim que olhou para o lado de fora seu primeiro pensamento foi fechá-la novamente.

Do lado de fora, estava uma velha mendiga terrivelmente feia que parecia ter saído de um filme de terror. Ela era corcunda e um de seus olhos era maior que o outro. Tinha uma verruga gigantesca perto do canto da boca, e era tão enrugada quanto uma ameixa seca. O garoto de cabelos vermelhos sangue olhou-a com repugnância antes de perguntar o que alguém como ela queria em um castelo de alguém como ele.

— Senhor, eu procuro um lugar para passar a noite. – a voz frágil da velha foi ouvida – Andei por muitos lugares antes de chegar até aqui, e estou congelando. Sou velha e cansada, não tenho lugar para ficar.

Castiel achou graça.

— E o que tem a me oferecer em troca de minha hospitalidade? – perguntou com desdém e a velha ergueu a mão trêmula, segurando por entre os dedos uma rosa tão vermelha quanto os cabelos do anfitrião

— Carrego apenas essa rosa comigo. – a mulher tossiu bastante antes de continuar, o que só aumentou o nojo de Castiel – Posso oferecê-la ao senhor, por sua bondade.

Repugnado pela feiúra terrível da velha, e por ser tão ambiciosa quanto a oferta ridícula que fizera, o príncipe começou a gargalhar, suas risadas transbordando algo mais feio e rude do que qualquer aparência física

— Que velha pretensiosa! – zombou Castiel com escárnio – Acha mesmo que deixarei alguém horrível como você passar a noite em meu castelo por tão pouco? A oferta me enoja. Saia de minhas propriedades agora mesmo!

— Se eu fosse o senhor, não me enganaria por aparências. – a velha lançou-lhe um olhar tão gelado que Castiel sentiu-se arrepiar – A beleza está no interior das pessoas.

— Mas você não é. – novamente ele zombou da oferta da velha senhora – Saia daqui imediatamente.

— O senhor vai se arrepender. – quando ela disse isso, sua voz estava diferente. Não parecia mais uma velha enrugada que morria de frio. – Guarde o que lhe digo. Á meia noite, o senhor irá se arrepender.

Castiel piscou demoradamente, a fim de mostrar sua indignação com tal afirmação vinda da velha. Quando abriu os olhos novamente, ela havia sumido.

Era melhor assim, deste modo ninguém mais lhe encheria a paciência.

Algum tempo depois, a nevasca diminuiu consideravelmente e os convidados foram todos embora, ficando apenas os funcionários do castelo.

Assim que as primeiras badaladas do relógio anunciaram a meia noite, Castiel ouviu novamente uma batida ensurdecedora vinda da porta. Agora ele sabia quem era.

Levantou-se bruscamente, carregando todo o seu ódio consigo. Os funcionários que para ele trabalhavam, todos muito jovens, encararam a situação com certo receio.

— Você de novo?! – gritou com a velha na porta

— Têm certeza de que não vai aceitar minha oferta? – ela perguntou calma e friamente, e Castiel sentiu seu sangue ferver

— Já disse que não! Só de imaginar alguém feia como você andando de noite por meu castelo, já me sinto horrorizado! – Castiel riu – Saia daqui imediatamente, ou...

O príncipe não conseguiu completar a frase, pois a velha terrivelmente feia havia se transformado em uma das mais belas mulheres que ele já havia visto em toda a sua vida. Seus olhos esmeralda brilhavam acusadores para o menino.

— O-O que?!

— Eu avisei que o senhor pagaria pelo que fez quando o relógio marcasse meia noite – a mulher de cabelos rosados o acusou e as badaladas soaram muito mais altas – Sou Agatha, e sou uma feiticeira muito talentosa. Ouvi falar do príncipe hostil que governa essas terras e decidi ver por mim mesma. É bem pior do que eu imaginava... Vai pagar caro, Castiel. Com escarmento.

— Do que você está falando?! – era absurdo pensar que aquela bruxa velha havia se transformado tão rápido na bela mulher

— Você saberá o que é não ser bonito. Ser tão feio por fora quanto é por dentro – sua voz fria como gelo penetrou os ouvidos de Castiel e ele desesperou-se

— Oh não, não é nada disso! – ele ajoelhou-se, já temendo o pior – Eu nunca quis...

— Não conte mentiras, garoto. – ela advertiu – Posso ver seu coração, e não há nada de bom aí dentro. Não há amor. Se você aprender a lição, talvez seja capaz de desfazer o meu feitiço. Caso contrário, viverá o escarmento para sempre.

Com essas palavras e um movimento de mãos, a mulher transformou Castiel em algo grotesco. Ele era um animal. Não era completamente lobo, ou leão. Era uma mistura monstruosa de todas as criaturas mais medonhas de uma floresta escura. Uma horrível espécie que andava ereta, quase humana e ao mesmo tempo nem perto disso.

As presas cresciam para fora de sua boca, os dedos transformaram-se em garras e pelos cresciam por cada um de seus poros.

Castiel era uma fera horrenda e tão terrível quanto a criatura mais obscura que habitava a Terra.

— A rosa que lhe ofereci é encantada – Agatha informou, enquanto Castiel apalpava horrorizado o novo corpo que lhe pertencia – Ela irá florescer até o seu vigésimo primeiro aniversário, caro príncipe. Se o senhor aprender a amar alguém, que lhe retribua este amor, o feitiço será desfeito. Se não, estará condenado a permanecer fera para sempre, convivendo com sua aparência interior pelo resto de sua vida. É necessário que este alguém declare seu amor por você em voz alta, se não de nada adiantará.

— Como alguém no mundo poderia se apaixonar por algo tão grotesco?! – uivou com sua voz animal para a mulher à sua frente – O que você fez comigo?!

— Como castigo por sua conduta deplorável, todos dentro deste castelo, além do senhor, sofrerão as consequências. – a mulher continuou, inabalável – Estão aqui aprisionados junto desta besta terrível até que o feitiço seja quebrado. Não será possível para nenhum de vocês sair dos terrenos do castelo. Nenhum de seus conhecidos conseguirá encontrar este lugar. Isso inclui seus pais, Castiel.

Gritos ecoaram por entre as paredes do castelo.

— Sua única janela para o mundo exterior será este espelho mágico – a mulher fez aparecer um grandioso espelho de mão, que se ajustava perfeitamente as garras do anfitrião – Poderá observar qualquer coisa que desejar através dele. Recomendo que não o quebre, coisas terríveis aconteceriam.

— Piores do que as que já estou vivendo?! – Castiel rugiu com sua voz animalesca, mas a feiticeira sequer tremeu de medo – O que você fez comigo, sua bruxa?!

— Tem até os seus vinte e um anos, meu príncipe. Tem este prazo para provar a todos que ainda há algo que valha a pena dentro do senhor. – com estas últimas palavras, Agatha desapareceu no ar ao mesmo tempo em que Castiel se lançou violentamente ao lugar onde antes ela estava.

Quando voltou a olhar para seus funcionários, todos olhavam horrorizados para o que antes era um belíssimo rapaz. Seu conselheiro pessoal transbordava pena e tristeza no olhar.

Castiel saiu correndo em suas pernas de besta, envergonhado demais até para ser visto por aqueles que presenciaram a mudança terrível. Chegou até a Ala Oeste, onde antes ficava seu quarto, e destruiu toda e qualquer imagem que tinha de si mesmo nas paredes.

Destruiu sem pena todos os espelhos que encontrou, sem se preocupar com feridas posteriores.

Inspecionou o quarto e percebeu que, em cima de uma pequena mesa redonda nas profundezas do quarto escuro, havia uma cúpula com a rosa dentro. Ela brilhava agora, suas pétalas vermelhas mais vividas do que qualquer coisa naquela sala. Ao lado da cúpula, Castiel avistou o espelho.

Já sentindo grossas lágrimas descerem por seu rosto agora peludo, Castiel pensou nas palavras da feiticeira.

Mas quem no mundo seria capaz de amar uma fera?