Amor de Estudante escrita por Joana Guerra


Capítulo 3
Certas coisas


Notas iniciais do capítulo

Olá! Muito obrigada à Valentina Sousa e a toda a gente que comentou! Estou muito feliz com o feedback que tenho obtido! Este capítulo recomeça exatamente do mesmo ponto em que termina o anterior e a música-tema é Certas coisas, do Lulu Santos.



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“Cada voz que tanto amou não diz

Tudo o que quer dizer

Tudo o que cala fala

Mais alto ao coração

Silenciosamente eu te falo com paixão

Eu te amo calado

Como quem ouve uma sinfonia

De silêncios e de luz

Nós somos medo e desejo

Somos feitos de silêncio e som

Tem certas coisas que eu não sei dizer”

(Lulu Santos, Certas coisas)

Coimbra, 15 de Março de 2016

— Você tem a certeza disso?

Passava pouco da meia-noite e Elano caminhava de um lado para o outro da sala a uma velocidade tal que praticamente seria viável jogar tênis consigo mesmo.

Parado diante do sofá, Danilo estava ficando tonto, ao tentar acompanhar o movimento incessante com os olhos.

— Cara, para com isso ou você vai acabar me deixando agoniado. – pediu o Marra, se deixando cair sobre as almofadas do sofá.

— Agoniado, estou eu! Como é que você soube disso? – perguntou o estudante de direito.

Danilo encolheu os ombros. Aquele era o ponto de menor interesse para a história:

— Ué. Da mesma forma que descobri que você adora cantar músicas da Taylor Swift no chuveiro. As paredes desses apartamentos não são exatamente insonorizadas. Ele deve ter ouvido uma conversa entre a Cida e a madrinha.

Elano Fragoso nunca tinha pensado em se ver envolvido num enredo de filme romântico dos anos 90. Pior, ele nunca tinha equacionado que uma trama digna de uma má temporada de Malhação pudesse existir na vida real.

Umas horas antes, Danilo tinha tropeçado num clichê embrulhado em pouco mistério para quem quisesse descobrir o porquê do interesse do bad boy Werneck na pura e inocente vizinha.

Por uma vez na vida, o faro bisbilhoteiro do Marra tinha sido bem usado quando, ao ouvir uma chamada telefónica entre Conrado e um dos seus amigos, percebeu que Werneck, ao descobrir que Cida ainda era virgem, tinha apostado que iria conseguir levá-la para a cama.

Não existia uma forma menos deselegante de contextualizar a questão.

Por nenhum outro motivo que não atestar a sua masculinidade dentro do seu grupo de amigos mauricinhos, Conrado não se tinha poupado a esforços para vencer aquele jogo.

Werneck tinha demasiado dinheiro e demasiado tempo ocioso para queimar e uma falta gritante de caráter e consciência.

O que para Conrado seria apenas uma aposta inconsequente, resultaria em Cida ter o coração partido por um lobo em pele de cordeiro.

No fundo, a informação não surpreendia Elano. Conrado sempre lhe tinha parecido um Narciso, incapaz de amar a outro que não a si mesmo. As horas que ele passava diante do espelho em autocontemplação atestavam essa teoria.

Danilo sempre tinha partilhado dessa opinião:

— Elano, cê sabe que eu também nunca fui com a cara dele, mas eu tive que colocar esse traste para dentro da porta porque o Otto é amigo do meu tio Jonas.

— Danilo, a gente tem que fazer alguma coisa. Ele não pode fazer isso, muito menos com a Cida.

Duas cabeças pensam melhor do que uma. Elano Fragoso e Danilo Marra pensavam melhor do que a maioria e rapidamente entraram num brainstorming contra Conrado. Não seria por falta de defensores que Cida ficaria desamparada.

Se apenas ela conseguisse abrir os olhos por si mesma e enxergar o verdadeiro caráter do seu príncipe feito de ar e de vento.

Nessa noite, todos já tinham planos forçados para as suas vidas sociais já que se daria mais um get-together em casa das Sarmento.

Contrariada, Isadora teve que também convidar Elano. Se esse era o preço para ter um Marra legítimo na sua festa, ela engoliria o que, na sua ótica, era um sapo.

Cida já tinha a obrigação e o conhecimento suficiente para ter decifrado corretamente as reais intenções de Isadora. O que a Sarmento tinha classificado como “uma pequena reunião social” equivalia a ter o apartamento rebentando pelas costuras com os amigos e conhecidos (até mais conhecidos do que amigos) da it girl daquele campus universitário.

Isadora nunca fazia por menos. Eles podiam estar numa terça-feira de uma semana de aulas, mas numa festa dada por ela não poderia ter faltado o DJ da moda passando música eletrônica num volume de fazer saltar tímpanos, a geladeira americana ocupada de alto a baixo com álcool de alta qualidade e em cada metro quadrado daquele lugar vários jovens atraentes com um copo na mão.

Ernani não iria ficar nada contente por ter que pagar a conta daquelas festas que se multiplicavam e deixavam com débito negativo a generosa mesada que ele enviava às filhas.

O ego de Isadora era maior que o território europeu e o engraçado era que ela nunca parecia notar isso.

Nada interessada em economia doméstica, Isadora circulava de um lugar para o outro conversando com as pessoas e ficando com os garotos que ela queria, mesmo que desconhecesse o nome de vários. Ela era o centro das atenções. Sempre fora, e ela se nutria com a adulação dos outros.

Estranha, a coleção de gente reunida por Isadora. Enquanto circulava distribuíndo copos cheios e recolhendo copos vazios, Cida pensou que muitos daqueles caras eram exatamente daquele tipo de gente que posta fotos sem camiseta no facebook.

Algumas garotas usando vestidos bem curtos dançavam próximas à mesa do DJ. A maioria provava que nem uma marca de grife justifica a falta de pano e a falta de decoro de comportamento.

Uma delas ainda tentou dar em cima de Elano, apesar de ter sido alertada por todos de que não ia sair nenhum coelho daquele mato, mas o bom moço rapidamente se desembaraçou dela.

— Qual é, cara? – perguntou Danilo, vendo a bomba loira recuar zangada com a nega do estudante de direito.

— Oi? – perguntou Elano, distraído.

— Cara, a gente faz assim: você fica com a Aparecida e me deixa ficar com a oferecida. Combinado, bro? – pediu o Marra.

— Quem é que disse que eu queria ficar com a Cida?

— E precisa dizer, Elano?

Desde que pisou o apartamento, Elano não tinha conseguido tirar os olhos de Maria Aparecida e a via numa crescente aflição, tentando arrumar a baderna que os convidados de Isadora faziam. Era quase uma pena de Sísifo, condenado pela eternidade a fazer rolar uma pedra morro acima, só para a ver cair e ter que recomeçar de novo.

Mal a protegida dos Sarmento colocava algo no lugar, vinha alguém e desarrumava.

 Chegava a ser nojenta, a forma como Ariela não parava de comer, criando uma torre de loiça prestes a rivalizar com a torre de Pisa, a que Cida acorria para desmontar, sem sucesso.

Apreensivo com a expressão de aflição de Maria Aparecida, mais uma vez Elano veio em seu auxílio:

— Cê tá bem?

Distraída e a dormir em pé, no lugar da embriaguez do álcool, Cida lutava contra a embriaguez do sono:

— Sim. Não. É que eu tenho uma prova amanhã bem cedinho. Passei o dia estudando.

— Cê quer ir dormir para o meu quarto? Eu posso dormir no sofá. – propôs ele, ciente de que seria impossível dormir no apartamento das garotas.

Ela sorriu. Era bom sentir que existia alguém que se preocupava com o seu bem-estar:

— Obrigada, Elano. Você é um fofo, mas eu tenho que ficar. Ainda tenho que arrumar tudo antes do amanhecer.

Cida teria muito para arrumar e consertar. O grupo que acompanhava Conrado tinha bebido para além da conta e mais do que um deles tinha deitado para fora, através de diferentes cavidades corporais, aquilo que estava acima da possibilidade dos seus corpos aguentarem. O banheiro já não oferecia as mínimas condições de salubridade.

O mesmo pensavam os restantes habitantes do prédio em relação à sua sanidade mental. Já passava das duas da manhã e o barulho da festa mantinha todo o mundo sem pregar olho.

Os vizinhos dos andares inferiores não deviam ser grandes apreciadores de música eletrônica tocando alto durante a madrugada e não hesitaram em chamar a polícia.

Quando dois policiais bateram na porta das Sarmento, Ariela ficou animada com a possibilidade de se tratarem de strippers contratados pela irmã, mas os agentes fizeram questão de lhe mostrar o contrário, não evitando contudo que, antes disso, a Sarmento lhes fizesse uma revista malandra.

Nada constrangida com o comportamento de Ariela, Isadora respondeu com altivez ao pedido para dar por terminada a festa ou, em alternativa, acompanhar os policiais à esquadra mais próxima.

A entojada não percebeu o porquê de ter que obedecer a um policial. No mundo dela, pobre não tinha que se meter em festa de rico. Por sorte, ela achava que podia apelar para alguém do seu nível:

— Faz alguma coisa, Danilo. O prédio é seu!

O Marra deu de ombros. Já tinha bebido para além da conta, sabendo que tinha a cama a poucos metros de distância e aquela festa já tinha dado tudo o que tinha para dar.

— O expert é o Elano, mas lei é lei. O que é que você quer eu faça? Au revoir, ma chère. -  se despediu ele, feliz por levar pendurada no seu braço a loira abonada que Elano tinha rejeitado.

Foi a debandada (quase) geral. Cida teve que abanar quem já tinha adormecido pelos cantos e expulsar dos quartos os casais que os tinham ocupado sem pedir licença. Acompanhado pelos amigos, Conrado mal tinha falado com ela e tinha desaparecido para curar a bebedeira em qualquer lugar estranho.

Ela julgava ser a única acordada no apartamento, depois das irmãs Sarmento seguirem para o seu sono que não resultava em beleza, mas Elano tinha ficado para trás, para falar com ela:

— Cida, daqui a algumas horas cê tem prova. Vai dormir e amanhã vocês três arrumam isso.

Esse não tinha sido o acordado com Isadora. Maria Aparecia sabia o que o gênio ruidoso da Sarmento iria berrar se acordasse e a casa não estivesse imaculada.

Recolhendo loiça suja, ela não parou enquanto tentava desvalorizar a situação:

— Está tudo bem, Elano. Estou habituada às festas dos Sarmentos. Cansei de ver o dia clarear varrendo tapetes.

Ele tomou uma atitude, retirando-lhe a loiça da mão e a colocando sobre uma mesa. Puxando Maria Aparecida pelas duas mãos, ele a obrigou a se sentar com ele no sofá. Olhos nos olhos, ele fez uma oferta em tom de ultimato:

— Cida, eu te ajudo a arrumar isso tudo, mas você vai ter que me prometer uma coisa. É a última vez que a Isadora e a Ariela interferem assim com os seus estudos. Você tem que focar no que você quer para a sua vida, no que é importante.

Ela não tinha como rejeitar aqueles argumentos. Não, quando ela tinha o corpo todo moído, pedindo descanso, e medo de falhar na promessa feita à mãe. Cida suspirou, assentindo com o veredito de Elano:

— Como sempre, cê tem razão. Eu vou falar com elas.

Cida lhe pareceu sincera e Elano começou a arrumar a sala, quase se atrevendo a brincar e perguntar se dava mesmo para usar a vassoura, visto que o objeto deveria ser o meio de transporte predileto de Isadora.

Ele de um lado, ela do outro, se encontrando no meio, tentaram colocar ordem no caos, mas o relógio já batia perto das quatro da manhã e ainda faltava muito para terminarem.

Cida intercalava o trabalho com bocejos e, reparando que ela já se arrastava, tropeçava e deixava cair coisas, Elano a incentivou a parar:

— Cê não quer descansar um pouco?

Ela acenou com a cabeça, aceitando a oferta, se recostando no sofá, sentindo as pálpebras pesando como chumbo:

— Elano, eu vou fechar os olhos só uns cinco minutinhos.

Em poucos segundos, Maria Aparecida tinha caído num sono semicomatoso.

 Elano foi buscar uma manta para a cobrir e lhe deu um beijo na testa. Cida suspirou e continuou embalada num sono profundo.

A Gata Borralheira estava transformada em Bela Adormecida, mas Elano queria que ela tivesse aquelas horas de descanso.

Fazendo o milagre de continuar limpando e arrumando sem fazer barulho, o bom moço recolocou tudo no seu lugar.

Ele tinha acabado de limpar o cenário repugnante do banheiro quando, ao espreitar para a sala, lhe pareceu que Cida o tinha chamado.

Se aproximando nas pontas dos dedos dos pés, Elano se ajoelhou na frente dela, confirmando que ela continuava num sono de anjo.

A manta que cobria Cida tinha escorregado e o bom moço a reposicionou, ouvindo de novo o seu nome ser pronunciado pela garota.

O subconsciente era mesmo uma coisa engraçada. No meio de uma fase REM de sono tão profundo quanto a dívida grega, era o nome dele que se escapulia dos lábios de Maria Aparecida. Era com ele que ela sonhava e não com o outro.

Elano abriu um sorriso com a constatação, sentindo os olhos brilhando e se deixou ficar velando o sono da princesa da sua história.

Quando o relógio batia as sete e meia da manhã já não existiam vestígios da festa da noite anterior e Elano se preparou para acordar Cida, sabendo que ela tinha que se preparar para correr para a faculdade.

Colocando a bandeja com o café da manhã acabado de fazer na mesinha do centro, ele se colocou novamente de joelhos diante do sofá, afastando o cabelo que tinha tombado sobre a face da moça, murmurando na tentativa de a acordar suavemente.

Ela acordou sobressaltada, sem saber onde estava, mas com a ânsia de saber que tinha algo por fazer.

Olhando para Elano, ela compreendeu o milagre que se tinha operado na casa e não teve palavras para agradecer o gesto.

Mais uma vez, ele a tinha salvado de um dragão metafórico. A dívida de gratidão para com Elano cada vez crescia mais, sem que ela o conseguisse controlar.

Ele a ficou esperando, enquanto ela tomava banho e trocava de roupa.

Ela fez questão de que ele ficasse para tomar o café da manhã com ela.

O silêncio durante a refeição partilhada foi cortado pelos olhares que eles trocavam. Nenhum deles queria ser escravo de palavras, errar na interpretação de juízos proferidos.

Cida já estava ficando atrasada e, pegando a bolsa e os livros, acompanhou Elano à porta.

No patamar do andar, ele a impediu de descer as escadas, tendo uma último gesto a fazer, antes de a deixar ir:

— Tenho uma coisa para você.

Elano pegou na mão dela com carinho, a esticou e depositou com cuidado uma chave na sua palma, depois fechando a mão de Cida.

 Era a chave do apartamento dos garotos, mas algumas chaves servem para abrir mais do que uma fechadura. Aquela simbolizava a abertura de um coração:

— Cida, sempre que você precisar de alguma coisa, qualquer coisa, usa a chave. Quero que você sinta que vai ter sempre um lugar seguro para estar.

Maria Aparecida olhou para a chave na sua mão, silenciosamente. O pequeno objeto metálico ainda estava quente, por ter estado na mão de Elano durante tanto tempo.

 Aquela chave era, de algum modo, a confirmação de que, pela primeira vez, ela não estaria sozinha durante as tempestades da vida.

À beira de lágrimas, a garota apertou o bom moço num abraço.

Aquele era um abraço gostoso em que ela se aninhava perfeitamente nos braços dele. Elano sorriu, inspirando o perfume dos cabelos dela. Como aquela garota cheirava bem.

Cida encostou o queixo no ombro do bom moço e sorriu também:

— Obrigada, Elano. Você é o irmão que eu nunca tive.

Ainda bem que, na posição em que se encontravam, Cida não conseguia ver a cara destroçada do estudante de direito. Aquela deveria ser uma expressão muito próxima à de um atleta de alta competição descobrindo que, por milissegundos, tinha falhado a medalha de ouro.

Ele teria aguentado ouvir qualquer outra coisa. Qualquer coisa mesmo. Aquilo, definitivamente não.

Excerto do diário da Cida,

Coimbra, 16 de Março de 2016

Mãezinha,

Quando eu era pequena, a senhora me fazia rezar a oração ao anjo da guarda antes de dormir. Acho que encontrei um anjo da guarda de carne e osso. Coração também, porque o Elano tem um coração enorme. O destino deve ter tido alguma razão para o ter colocado no meu caminho.


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Notas finais do capítulo

Postei e vou fugir antes que atirem pedras à Cida (e à autora). Esta semana acabei o capítulo mais rapidamente, por isso resolvi postar logo. No próximo capítulo: Elano decide se quer ou não lutar pelo coração de Cida e teremos uma série de convidados especiais. Beijo para todos!