Amor de Estudante escrita por Joana Guerra


Capítulo 14
Someone new


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada à Dayane Soares por ter favoritado! (Obrigada também à Cecília por se manter de pedra e cal a comentar e a quem se manifestou pelo twitter). A música-tema é do Hozier (Someone new), mas acho que já todo mundo percebeu que essas duas criaturas complicadas não precisam de alguém novo, só que cabeça e coração não funcionam da mesma forma.



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“Don't take this the wrong way,

You knew who I was with every step that I ran to you,

Only blue or black days,

Electing strange perfections in any stranger I choose.

 

Would things be easier if there was a right way?

Honey, there is no right way.

And so I fall in love just a little, oh a little bit every day with someone new

I fall in love just a little, oh a little bit every day with someone new”

(Hozier, Someone new)

 

Coimbra, 28 de Agosto de 2016

Desistir não é sempre uma palavra proibida ou uma fraqueza escusável. Por vezes é o mundo em nossa volta a desistir, sem hipótese de controlo interno sobre as externalidades aleatórias do Universo.

Curiosamente, são os mais fortes, aqueles que mais facilmente entendem qual o ponto em que a única solução é desistir e não insistir, evitando dar murros em pontas de facas, mas Elano desconhecia que estava atirando a toalha ao chão depois de ter atravessado a linha da meta.

O único medo daquele sobrevivente era o de ser abandonado. Antes que esse pesadelo se tornasse realidade, o bom moço preferia sair de cena com o coração fraturado, mas ainda batendo.

Não era possível e já parecia perseguição. Sempre que ele conseguia chegar um pouquinho mais perto do coração de Cida, aparecia mais um dragão com o qual ele tinha que lutar e o combate desigual começava de novo.

Se a vida de Elano fosse uma novela dir-se-ia que os autores tinham alguma coisa contra o seu personagem, mas que autores sacanas é que teriam tanto ressentimento por um personagem maravilhoso como Elano Fragoso?

Já não bastava o príncipe Conrado Werneck correndo atrás da sua princesa abandonada na torre, ainda lhe aparecia Rodinei de Lima, artista prodígio lançado para as luzes da ribalta internacional umas semanas antes, após uma exposição de sucesso em Berlim.

De arte moderna pouco entendia Elano, mas o bom moço conhecia a fundo a história do passado entre o artista e a ex-empregada dos Sarmento.

Rodinei jogou limpo ao não esconder de ninguém que o desvio de muitos quilómetros no seu itinerário de viagem tinha como único objetivo recuperar a namorada perdida e seguir com ela do seu lado pelos caminhos da fama europeia.

— Assim não dá, Cida. Eu não te quero pela metade enquanto você pensa noutro. E ainda me aparece esse outro cara!

Sempre que Maria Aparecida teimava que já tinha feito a sua escolha final, Elano insistia na cisão definitiva. A possível volatilidade do coração da garota o assustava, mas, mais do que isso, os gestos mal-interpretados entre ela e os concorrentes do bom moço criavam espinhos que lhe faziam sangrar o coração.

Para o garoto seria apenas uma questão de tempo até Cida se render aos encantos que ele não podia oferecer, chegando rapidamente ao ponto em que o amor da sua vida o trocaria por um outro. 

— É você quem eu quero, Elano! Que mais é que eu tenho que fazer para provar isso?

Ele não sabia a resposta àquela questão. Elano sabia apenas que nunca recuperaria se fosse Cida a abandoná-lo. Terminar com ela antes de isso acontecer era sua única hipótese de sobrevivência.

Quem também procurava uma nova hipótese era Rodinei, incapaz de aceitar a negativa de Cida quanto a darem uma segunda chance ao primeiro relacionamento da garota.

O garoto que pensava que bastaria desembarcar no país para que Maria Aparecida lhe caísse nos braços foi surpreendido pela negativa ao perceber que ela nem sequer queria ouvir o que ele lhe tinha para dizer:

— Viajei meio mundo para falar com você!

— A gente não tem o que conversar!

Já não era nem a primeira, nem a segunda vez que ela o tentava tirar do apartamento, o único local em que não conseguia fugir de Rodinei, graças à péssima tendência do casal Pinto Marra de abrir a porta a qualquer um que os entretivesse.

Com Sílvio e Marisa sobrevoando a discussão como um avião espião da KGB à caça de informações confidenciais, Cida levou o garoto para o quarto para pôr um ponto final naquela história, batendo a porta para que não os interrompessem:

— É a última vez que eu aceito conversar sobre isso com você, Rodi. Que é que aconteceu? Vai me dizer que se cansou da Brunessa?

— A Brunessa é como se fosse minha irmã.

Cida se sentou na cama alisando com os dedos a colcha enrugada, com a plena consciência do comentário mordaz que se lhe escapou dos lábios:

— Você tem um jeito muito estranho de mostrar esse parentesco, Rodinei.

Ele se sentou do lado dela, confessando a lição aprendida a custo nos meses anteriores. Tinha bastado muito pouco tempo para o especialista em arte urbana compreender que a grande motivação de Brunessa era utilizá-lo como escadote e que ele não se queria prestar a ser artigo de loja de material de construção civil:

— Não tinha como eu dar certo com ela. No fundo, a Brunessa morre de inveja de você. Só que quem nasceu para ser Brunessa nunca vai chegar aos pés de uma Cida. Ela é só um tapete e todo o mundo sabe que ela não vale nada.

Com Maria Aparecida, Rodinei queria comprar um tapete, toda a mobília de quarto, de casa, de vida. Com a sua situação profissional bem resolvida, só lhe faltava reaver o tesouro perdido:

— Não te estou convidando para viver comigo num cafofo. Quero te dar a vida de princesa com que você sempre sonhou.

— Já não é isso que eu quero para a minha vida, Rodi.

Ele lhe falava da volta por cima que a sua vida tinha dado, do contrato polpudo que uma conhecida galeria alternativa em Londres lhe tinha oferecido, dos meios para conseguir oferecer à garota a realização de todos os seus sonhos de menina:

— Você achava que eu ia fazer o quê? Montar uma banca de fruta do lado da loja do seu Messias? Me dei bem. Coloquei Berlim aos meus pés e Londres vai ser a próxima. Vem comigo. Eu espero o tempo que for para ficar do teu lado, Cida.

Ela percebeu a sinceridade das palavras do garoto. Se os meses anteriores lhe tinham ensinado algo, tinha sido a ler corretamente as intenções de quem lhe estava próximo. Havia sido uma lição dura de aprender, mas alguma coisa boa tinha que sair do meio daquele turbilhão de acontecimentos. Crescer também implica sofrer:

— Rodinei, você foi muito importante para mim. Você sempre vai ser importante para mim. Só que acabou. Eu ainda quero que a gente seja amigo, mas só isso.

O garoto não podia estar ouvindo aquilo. Se fosse possível voltar atrás no tempo, ele seria o primeiro a usar essa possibilidade. Ele não queria mais ouvir, se refugiando na ideia inglória de repetição. Talvez vencesse Cida pelo cansaço:

— Vem comigo pra Londres, gata. Vem comigo e a gente começa de novo.

Ela se levantou devagar. Não tinha motivo para continuar aquele suplício para Rodinei quando tinha a certeza dentro do seu coração:

— O nosso tempo acabou, Rodinei. Acho mesmo que o nosso tempo nem começou.

— Cê tem outro?

Cida sorriu com uma imagem bem presente dentro da sua cabeça:

— Estou amando de verdade, Rodi. Pela primeira vez na vida tenho a certeza disso. E ele é incrível.

Rodinei de Lima havia sido vencido por knockout naquele round. Apenas lhe restava aceitar e partir para outra. Tendo como destino uma carreira brilhante numa das principais cidades mundiais, o garoto não se podia queixar muito do futuro que se avizinhava:

— Espero que ele te mereça.

— Eu é que acho que não o mereço, Rodi.

O garoto também se levantou. Bastou-lhe olhar para Maria Aparecida para compreender que já não tinha hipótese, mas também percebeu que o seu carinho por ela seria eterno:

— Ele tinha que ser um burro para não perceber como você é especial, mas… e se ele não te quiser mais?

— Então eu fico sozinha. É ele ou mais nenhum.

Rodinei se surpreendeu ao ver como a menina que lhe tinha dado um valente tapa na cara meses antes ao encontrá-lo enrolado com Brunessa tinha agora nos olhos a sabedoria de uma mulher que sabe o que quer da vida:

— Então, perdi a viagem?

Cida sorriu, com a consciência de que se dissipava qualquer resto de revolta que ainda tivesse por ter sido enganada por Rodinei. Acima de tudo, sempre tinham sido amigos:

— Não. Foi muito bom te voltar a ver, Rodi. E adorei ver a cara de entojada da Isadora e da Ariela quando elas perceberam o seu sucesso.

Dias depois, Maria Aparecida odiou a cara inexpressiva de Elano enquanto o garoto terminava de arrumar os últimos pertences na sala do apartamento.

Para evitar o mico de ter que assistir à corrida ao coração da garota, o bom moço tinha decidido se mudar permanentemente para casa da mãe.

Fechando o zipper da mala de cabine, ele evitava o contato visual, sabendo que tinha Cida do seu lado, implorando a todo o custo para que ele não saísse dali. As palavras lhe saíam de um modo mecânico, prático e distante:

— Só vou deixar ficar uns livros. Amanhã, a minha mãe passa por cá e leva o que falta.

— Cê não tem motivo para ir embora da nossa casa.

— Já não estamos juntos. Não faz sentido continuar vivendo debaixo do mesmo teto.

A verdade é que o que não lhe fazia sentido era ficar ali sentado, esperando que o temporizador atingisse o zero no momento em que Cida percebesse que queria ficar com um dos seus outros príncipes. Conrado, Rodinei, outro que surgisse do nada aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, era indiferente.

Elano se retraía, sofrendo calado por não se conseguir sentir seguro dos sentimentos que ela proclamava aos sete ventos ter por ele, mas com apenas uma palavra certa, um gesto oportuno, ele se atiraria sem arrependimento nos braços dela.

O bom moço podia ter um anjo no seu ombro, sussurrando ao seu ouvido que ele estava agindo de modo incorreto, extrapolando e complicando o que não existia, mas o diabo está nos pormenores.

De um pormenor muito visível na habitação tratava Danilo quando se manifestou vocalmente, entrando no cômodo protestando contra um seu conterrâneo:

— Cadê aquele desgraçado do seu amigo?

Maria Aparecida acordou do torpor não compreendendo a menção a quem já estava longe:

— O Rodinei? Foi hoje para Lisboa e, em poucos dias, parte para Londres.

— Tá bom, mas você já viu o que o seu amigo vândalo fez na parede do seu quarto?

Empurrando Cida e Elano na sua frente, Danilo fez com que os três entrassem ao mesmo tempo no cómodo.

Em toda a extensão da parede em que se apoiava a cabeceira da cama, Rodinei tinha criado horas antes uma obra de despedida.

O Bansky brasileiro foi rápido ao aproveitar um momento de distração para grafitar e aplicar stencils que contavam a história do era uma vez.

Era uma vez uma borboleta colorida que voava para longe de uma enorme flor de pétalas abertas, livre do seu laço simbiótico, enquanto o seu antigo casulo se desintegrava junto ao chão, por não ser mais necessário para a abrigar, mas Elano não conseguiu compreender a alegoria da mensagem da imagem.

Maria Aparecida sorriu ao mesmo tempo que deixava escapar uma lágrima emocionada. Ali, preto no branco no meio das muitas cores da tinta fresca estava a representação da sua libertação face ao passado e a possibilidade de correr atrás do seu futuro.

O único a correr acabou sendo Elano, saindo precipitadamente com a mala atrás de si ao se ver convencido de que tanta emoção demonstrada pela garota só reforçava a ideia de que ela se tinha decidido pelo desgraçado do artista de meia-tigela. Depois daquilo, o bom moço tinha a certeza de nunca mais ter vontade de entrar num museu de arte contemporânea, que antes eram os seus favoritos.

Também não seria tão cedo que ele voltaria a entrar no apartamento da zona nobre coimbrã. Tão incontactável como se tivesse naufragado numa ilha deserta, parecia que o bom moço se tinha esquecido para que serviam o celular e o email.

Também recolhida em casa, Cida redescobria o verdadeiro significado de saudade, palavra que unia tantos povos. Entre um e outro, Danilo não se atrevia a tomar partidos.

Com a pontualidade de um relógio suíço, Maria Neide seguia para o ponto de ônibus quando reconheceu a garota que corria atrás dela.

 Já não lhe era possível recriminar Cida pelo sofrimento do filho. Maria Neide se sentia  a grande culpada pelo medo irracional de Elano e tinha a plena consciência disso a cada segundo do dia.

A única história que ela poderia contar seria o era uma vez de um garoto que chorava até adormecer quando pensava que a mãe não o conseguia ouvir do outro lado da parede, não se alimentava, não vivia e se perdia em pensamentos com as pequenas recordações de Maria Aparecida, escondidas de todos, mas não de uma mãe angustiada.

Tanta insegurança, tanto receio de ser abandonado pareciam produto da ferida aberta na infância e ilusoriamente fechada meses antes.

— Por favor, dona Neide. Eu preciso muito falar com o Elano…

A senhora sabia que isso era verdade. De um jeito ou de outro, eles teriam que se encontrar para conversar, mas aquela história tinha tomado rumos tão imprevisíveis, desconhecidos por Maria Aparecida, que não lhe parecia possível desatar um nó sem fazer outro.

— Eu não vou magoar o Elano, dona Neide.

A mãe do bom moço já tinha aprendido que o próprio se conseguia machucar muito mais a si mesmo do que qualquer outra pessoa, com boas ou más intenções, mas lhe custou dar a informação sobre o paradeiro da sua descendência:

— Acho que ele foi no jardim botânico, mas filha… Cida!

Maria Aparecida já tinha saído correndo sem esperar o resto da frase. Aquela garota nunca sabia a hora de parar para escutar.

Visitar um jardim botânico é uma oportunidade de viajar pelo mundo sem sair da mesma cidade. Museu vivo, o jardim botânico de Coimbra mantinha e se renovava a cada ano com coleções intermináveis de plantas e árvores que enchiam o espaço depois de terem sido transportadas de diferentes latitudes e longitudes até aquele local.

Na rica flora não reparou Cida enquanto descia correndo as escadas principais e atravessava a alameda de plátanos, procurando uma das fontes favoritas de Elano.

Quando Cida chegou perto só teve tempo de se deter e esconder atrás de uns arbustos no momento em que viu o bom moço beijando uma garota.

A reação inata de Maria Aparecida foi uma descarga de adrenalina que a impelia a tirar à força aquela criatura que parecia saída de um comercial de  xampu  de cima do seu homem, mas a morena se apercebeu da triste verdade.

Elano já não era dela, mas ela seria para sempre dele.


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Notas finais do capítulo

Acham que já chega de tortura para a Cida? Se me perguntarem se a Brunessa vai surgir na fic, a resposta é não. Vocês acreditam que aquela diarreia foi tão horrorosa que até hoje ela continua sentada na privada? Eu sei que tem uma voz dentro da cabeça dos leitores dizendo: “ Mas essa história não avança?”. Avança, mas, para não ficar muito tempo sem postar, dividi capítulos. Agora a previsão de final já é o capítulo 17 : ). Beijo para todos!