Hazel

Como em mais um dia típico de sua nova vida, Hazel foi acordada pelo pai gritando com a madrasta. Ela pegou o celular e ligou a tela. Eram 2h47 da madrugada.

—Não vou parar de sair enquanto a pirralha estiver aqui, Hades! - Perséfone gritou e Hazel pode ouvir o barulho de algo sendo arremessado contra a parede.

—Ela é minha filha, Perséfone. Pode não gostar disso o quanto quiser, é um fato e você não pode mudar isso - Hades gritou em resposta.

Eles tinham a mesma briga quase todo dia, é fato, na maioria das vezes Hades só dizia que ela era irresponsável, nem defendia Hazel.

Ela não se importava, na verdade, só sentia falta da mãe. Deus, como ela sentia falta da mãe.

A garota não estava mais com sono, de qualquer jeito, abriu o aplicativo de mensagens no celular. Tinha cinco mensagens novas, as três primeiras de Bianca.

"A gente pode ir no shopping depois da aula?" - 22h58.

"Preciso comprar CDs. E maquiagem nova, joguei a que tinha na nossa maravilhosa madrasta" -  23h02.

"Por favooooooor?"— 23h02.

A próxima era de Nico.

"Se eu não conseguir acordar amanhã, me acorda? Se eu pedir pra B ela vai jogar água em mim."— 2h05.

A última era de Frank.

"Tá acordada?”— 2h40.

Essa foi a única que ela respondeu, digitou "Agora estou", enviou e entrou no banheiro.

Ela lavou o rosto e prendeu o cabelo de novo. Depois foi para a porta da varanda, destrancou-a e se sentou na cadeira. Passaram-se poucos segundos até que o celular vibrasse.

"Eles estão brigando de novo?" Frank perguntava.

"Estão. Não consigo dormir" ela respondeu.

Frank era o único com quem ela conseguia conversar de verdade sobre esse assunto. Ele também havia perdido a mãe e o pai era do exército. Ele parecia entender, e não só dizer que entendia para fazê-la se sentir melhor.

"Nem eu. Minha avó tá roncando como nunca antes. Posso ir aí?"

Hazel riu. Ele não era louco o suficiente para ir até lá, principalmente à essa hora.

"Claro que pode, Frank. Supondo que meu pai ou meu querido irmão não descobrissem e atirassem em você, ainda assim você teria que passar pelo segurança."

Hades não se convencera de que a morte de Marie Levesque fora um acidente e agora Hazel tinha seguranças atrás dela em casa e algumas vezes quando saia.

"Oreo ou cookies?" ele perguntou, minutos depois.

Ela sabia que ele não estava falando sério mas respondeu mesmo assim "Cookies, é claro". A garota deixara claro mais de uma vez a sua obsessão por cookies. Quando ela era menor, a mãe sempre fazia cookies e mais cookies para ela, normalmente com gostas de chocolate do mercado que ficava na esquina da casa delas. Assim que ela cresceu o suficiente, Marie ensinou a ela como fazê-los. E toda semana elas se juntavam e assavam o doce.

Uma brisa bateu e ela sentiu frio, entrou e abriu o armário, pegou um casaco e voltou para a varanda com um livro e uma lanterna nas mãos. Hazel quase conseguiu terminar o capítulo que estava lendo antes que o celular vibrasse de novo, só que dessa vez era uma ligação.

—Alô? - ela disse num tom baixo.

—Olha pra baixo - ela ouviu Frank falar no mesmo tom.

Ela fez o que ele disse e quase gritou. Frank estava parado na grama, usando um casaco com capuz.

—Você é louco? - ela riu.

—Acho que desde que conheci você sou um pouco, sim.

—Como o segurança te deixou entrar? - Hazel perguntou, ela deixou o livro e a lanterna na cadeira e andou até a beirada.

— Falei que o Nico tinha me chamado - ele sorriu. - Vou subir, tá?

—Como?

Assim que ela perguntou ele fez sinal com a mão para que ela esperasse, colocou o celular no bolso da calça e começou a analisar a parede. Então começou a subir pela pilastra. Ele ia cair, ela tinha certeza. Seu coração apertou ao imaginar a cena, com ela ligando para os bombeiros... Pare com isso, Hazel, ela pensou e levou uma unha até os dentes numa tentativa de não gritar de nervosismo.

Depois do que pareceu uma eternidade, ele segurou as grades da varanda e se jogou para cima.

—Boa noite, senhorita - ele sorriu.

—Zhang, você é completamente louco - ela riu.

—Eu trouxe seus cookies - ele sorriu e lhe entregou um pote cheio.

—Está perdoado - ela pegou o pote e se sentou no chão, acenando para que ele fizesse o mesmo.

—Não achei que fosse realmente vir - ela mordeu um cookie e ofereceu o pote para Frank.

—Nem eu. Se minha avó notar que sumi, sou um cara morto.

—Desde quando você escala paredes?

—Qual parte do "meu pai é do exército" você não entendeu, Hazel? - ele abriu um sorriso carinhoso.

—Desculpe, sr. Ninja.

Eles ficaram encostados na parede conversando sobre qualquer coisa por um longo tempo, mas nenhum deles realmente viu o tempo passar. Depois de quase duas horas falando baixinho para não acordar ninguém e quando os cookies já tinham acabado há tempos, Hazel deitou a cabeça no colo de Frank para observar as estrelas, algo nelas a fascinava. Ela mostrou as constelações para ele, a voz cada vez mais lenta, até que ambos caíram no sono.

Hazel estava semiconsciente de que o celular estava tocando Amsterdam há vários minutos. Talvez ela devesse ver o que era, talvez fosse só o alarme dizendo que ainda era sexta-feira e ela tinha que ir pra escola. A escola...

Ela abriu os olhos lentamente, seu corpo doía pela noite, se é que se pode dizer isso, dormida no chão e ela sentia uma leve dor de cabeça. Ela viu Frank e ficou feliz ao sentir a mão dele na bochecha. Infelizmente essa sensação só durou um segundo, tempo necessário pra ela lembrar que, de fato, o celular tocando significava que os dois tinham aula. Hazel se sentou, assustada, e pegou o celular do outro lado da varanda, onde ela o abandonara.

O movimento brusco dela acordou Frank, que olhou de um lado para o outro meio desorientado, ele achou o rosto dela e sorriu.

—Acho que nós acabamos dormindo - ele murmurou.

Ela checou a hora. Eles tinham uma hora antes da aula começar.

—Acho que sim. Mas já amanheceu e tenho a leve impressão de que sua avó vai te matar se acordar e você não estiver lá.

O olhar de pânico dele foi engraçado e ela se segurou para não rir.

—Merda - ele esfregou os olhos e se levantou, se preparando para pular na grama.

—Frank - ela chamou e segurou a mão dele. - Cuidado. E obrigada por ter vindo.

—Sempre que não conseguir dormir - Frank riu e pulou.

Hazel esperou sentada na varanda até que ele mandasse uma mensagem dizendo que tinha saído da casa sem que ninguém o visse.

Ela se levantou e viu que estava extremamente atrasada, mas pela primeira vez não se importou. A garota entrou no banheiro, tomou banho, vestiu um suéter e uma saia preta rodada e desceu para o café. Ela comeu uma panqueca rapidamente e ignorou o comentário de Bianca sobre ela estar diferente.

Na escola ela era a única que sabia que Nico convidara Thalia para o baile. Os dois queriam surpreender os amigos ou algo assim, e ela sabia ser irritante, ainda mais que Bianca, a ponto de fazer Nico contar.

Bianca não disse para ninguém com quem iria, como forma de protesto ao segredo do irmão, segundo ela mesma. Jason tinha convidado Louise. Percy, Annabeth, é claro. Leo tinha chamado Reyna e por incrível que pareça, ela tinha aceitado. E é claro que Hazel e Frank iriam juntos.

Depois da aula, Nico - que acordara sozinho - deixou ela e Bianca na frente do shopping. Bianca disse que precisaria de mais ou menos quarenta minutos para escolher os CDs, então Hazel foi até a loja em que encomendara o vestido. Ela provou e ficou alguns minutos com ele para ter certeza de que as medidas estavam certas, afinal, o baile era no dia seguinte.

O vestido que ela tinha escolhido era verde, justo na parte de cima até um pouco acima do umbigo e rodado na parte de baixo, com dobras num tom de verde mais escuro. Annabeth tinha ajudado ela a escolher. Bianca seria a primeira escolha, Hazel não era muito boa com novas amizades, mas Annabeth era fácil de conversar e se mostrara uma ótima amiga. E ela precisava admitir, era um belo vestido. Antes de procurar a irmã, Hazel comprou uma última coisa, um colar dourado, de ouro, para usar com o vestido.

—Finalmente! Foi você quem costurou o vestido? - Bianca perguntou. Ela trazia uma sacola que com certeza tinha mais CDs do que ela alegara que compraria.

—Conseguiu seus CDs? - Hazel sorriu.

—Ah, é claro. A gente pode tomar sorvete antes de ir comprar as maquiagens?

—Com certeza - o sorriso dela aumentou.

Hazel sabia que, enquanto tivesse Nico e Bianca, ela não estaria mais sozinha.