1000 Alices escrita por Sr Sorvete


Capítulo 2
Capítulo 2 – País das Maravilhas.


Notas iniciais do capítulo

OI. Demorou um pouco, mas cá estou com mais um capítulo de 1000 Alices. Espero sinceramente que gostem. ^^



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— O que ela é? — perguntou uma voz esganiçada.

— Uma Alice — respondeu outra voz, grossa, parecia de um locutor de rádio. — Ela é como todas as outras que caíram da grande abertura no céu.

— Ela está morta?

— Claro que não! Alices não morrem tão fácil assim. Algumas pessoas dizem que elas são filhas das estrelas, e por isso caem do céu.

Abri meus olhos lentamente, com medo do que me esperava. Minha cabeça doía um bocado por causa da pancada que devo ter levado quando caí no chão. Me sentei, ainda sem enxergar muito bem.

— Olha, ela está acordando! — murmurou o de voz esganiçada.

Conforme os pontos brancos que poluíam minha visão se dispersavam, eu podia ver o chão vermelho embaixo de mim. Em intervalos irregulares, algumas esferas brancas, do tamanho de bambolês. E paradas em minha frente, duas criaturas estranhas. A primeira delas possuía pernas magras e longas, um tronco parrudo, braços finos e desajeitados. Vestia-se num paletó que provavelmente fora feito sob medida, para servir no corpo desproporcional, sapatos lustrosos e no topo de sua cabeça atarracada, um chapéu coco. Sua pele era de um verde-escuro duvidoso, seus olhos, negros como duas sementes de girassol e tudo nele me lembrava um grilo. Um grilo estranho e que falava.

O outro tinha pele azulada que parecia ser feita de papel, olhos que mais pareciam botões e uma boca fina, como o traçado de uma caneta. Ele era muito gordo, tanto que sua camiseta GG, com um unicórnio rosa na frente, mal entrava no corpo. A criatura suava demais e por todas as partes possíveis: pescoço, braços, axilas, barriga. Simplesmente tudo estava transpirando, e sequer estava calor. Seus cabelos eram longos e desciam até metade das costas. Ele tocou seu cavanhaque malfeito e olhou para mim.

— Olá, Alice — falou ele, com voz grave.

— Meu nome não é Alice — respondi, automaticamente.

— Claro que seu nome é Alice — teimou. — Quem cai do céu é Alice.

— Me chamo Hilary — insisti, espremendo meus olhos.

— Não, se chama Alice — repetiu mais uma vez.

— Eu sei quem sou! — resmunguei.

— Como pode ter tanta certeza de que é uma Hilary e não uma Alice?

Fiquei quieta. Não sabia o que responder, afinal de contas, era uma pergunta que nem em um milhão de anos teria uma resposta. Eu simplesmente era Hilary, não que isso fosse uma escolha minha, ou algo em que eu pensasse de vez em quando. Não deveria ser uma coisa confusa. Bebês nascem e recebem nomes todos os dias.

— Não sei — respondi por fim.

— Então é uma Alice — concluiu ele. — Alices não sabem muitas coisas. Só como se manterem vivas diante de situações perigosas. Isso, elas fazem como ninguém.

— Você é louco — comentei, mais para mim do que para ele.

— Quer saber um segredo? — O outro entrou na conversa. — Todos são loucos. Essa é a magia.

— Não sou louca — afirmei.

— Claro que é — retrucou o locutor. — A loucura se apresenta de diversas formas. Assim como seus portadores. E você, Alice, é a maior das loucas. Todas são.

Eles saíram caminhando para longe, sem me deixar sequer responder. Deixei que meus olhos os seguissem e os vi pulando de onde estávamos para um cogumelo bege, milhares de vezes maior do que deveria ser. E continuaram saltando, até sumirem do meu campo de visão. Ótimo. Eu estava perdida num país de loucos, sobre o que deveria ser o maior cogumelo do mundo e, para piorar, estava sozinha.

Eu precisava achar uma maneira de descer dali. Vasculhei com o olhar cada canto daquele jardim gigantesco: desde os enormes girassóis até as árvores monstruosas de tão grandes. Eu poderia me agarrar no caule de uma dessas flores e deslizar até o chão, como os bombeiros fazem. Não deveria ser tão difícil, afinal de contas.

***

Estava caminhando há pouco tempo — vinte minutos, talvez —, quando vi algo que me chamou a atenção. Era uma espécie de bolo, muito grande. Ele era muito simples, com uma cobertura de glacê com alguns confeitos coloridos. Perto dele havia um papel, no qual estava escrito: “Coma-me”, em belas letras cursivas.

Eu não deveria comer. Aquele bolo gigante estava jogado no chão gigante daquele mundo gigante sabe-se lá há quanto tempo. Não era sensato comê-lo. Ou talvez, num mundo de loucos, a loucura fosse o único caminho para a lucidez. Peguei um pedaço do bolo e levei à boca. Tinha um estranho gosto de chá. Era gostoso.

Senti meu estômago retorcer e a ponta dos meus dedos formigar. De repente, tudo formigava e eu já não conseguia mais raciocinar direito. Tudo ao meu redor começou a ficar menor, encolhendo, até que eu já não estivesse num mundo gigante. Estava num mundo normal. Se é que alguma coisa ainda podaria ser normal.

Olhei ao redor, meio zonza. Vi árvores, uma estrada estreita, muitos tijolos vermelhos mostrando o caminho e rosas tão vermelhas quanto sangue. Eu deveria ir por aquele caminho? Provavelmente não, mas gostava de correr riscos. Poderia acabar na casa de uma boa e doce velhinha, que poderia me ajudar, ou na casa de — mais — uma pessoa louca.

— Não deveria seguir por este caminho, Alice — disse uma voz.

— Não me chamo Alice — falei simplesmente, sem buscar saber quem havia dito aquilo. Comecei a seguir os tijolos.

— É, realmente, seu nome não é Alice — concordou. — Mas, de fato, você é uma Alice.

— E o que é ser uma Alice?

— De tempos em tempos, garotas caem do céu — explicou. — E a elas é dado o nome de Alice. Você caiu do céu, certo?

— Não me lembro — admiti.

Quando olhei para o lado, um gato me seguia. Sua pelagem era muito bem cuidada, de um roxo acinzentado; ele tinha enormes olhos amarelos e ostentava um sorriso gigante. Eu não sabia que gatos sorriam. Achei peculiar o jeito com que ele andava, quase como se fosse um príncipe gato, com a postura impecável. Cabeça erguida e cauda balançando lentamente de um lado para o outro.

— Onde fica a saída? — perguntei.

— Não existe saída. Seria insensato dar a um bando de loucos a chave do manicômio.

— Mas eu não sou louca!

— Uma pessoa sã não saltaria dentro de uma toca de coelho, saltaria?

Fiquei em silêncio. Ele estava certo, o que mais eu poderia dizer? Era tão louca quanto qualquer um deles. Eu deveria estar com medo daquele lugar, onde animais falavam, coisas diminuíam de tamanho e existiam loucos — provavelmente psicóticos — por todos os lados.

— Gato, você sabe onde vai dar essa estrada? — perguntei, depois de longos minutos em silêncio.

— Todos sabem. — E desapareceu. — Castelo da Rainha de Copas.


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Notas finais do capítulo

Então? *-* O que acharam?



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