Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard escrita por Damn Girl


Capítulo 9
capítulo 08 - Bethanny


Notas iniciais do capítulo

Olá vampiros e humanos ♥♥♥ hoje trago um capítulo diferente, meio que bonus. Pelos olhos de Bethanny ^^ Sem mais delongas, boa leitura ^^



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Paixão é uma obsessão positiva. Obsessão é uma paixão negativa. (Paul Carvel)  

        Recolho os copos vazios das mãos dos convidados com um sorriso comprometedor no rosto e os coloco na bandeja. Sinto-me mais animada que nunca. Na verdade estou radiante, e tudo pelo simples fato de que Richard irá dançar comigo esta noite. Passo a maior parte do tempo seguindo-o com uma sombra, como somente alguém obcecado faria. E quando nossos olhares se cruzam no salão, suspiro aliviada; ele parece não ter desistido de dançar com sua serviçal. Pois é isso que eu sou, não passo de uma das empregadas do castelo, sua subalterna insignificante. 

         Majestade Rei Craine está ao seu lado e sorrio ao ver o quanto ele está entediado. Me ofereço para ir a seu encontro, mas Richard prontamente dispensa minha ajuda e tenho trabalho a fazer. Mesmo que ele claramente reprove, preciso ajudar nas tarefas. Seu pai, o Rei Donan, foi bondoso em deixar que seus funcionários participem da comemoração, portanto que chegássemos a um acordo e revezássemos  com o serviço. Todos do castelo estavam felizes com a volta de Richard, ou ao menos fingiam estar. 

          Paro junto a uma roda de príncipes que conversavam e após prestar a reverencia de praxe recolho suas taças da forma menos desajeitada que posso. Sinto os olhos azuis de um deles percorrem meu corpo de forma muito atenciosa, e um imenso desconforto me acomete. Ele é loiro como eu e alto, não tão alto como o Richard é, no entanto é alto o bastante para me intimidar. Seu rosto parece o rosto do de uma escultura esculpida pelo melhor dos artesão, e uma barba por fazer perpetua por toda área do maxilar.

          E quando gentilmente ergo minha mão e me disponho a recolher sua taça ele prontamente a afasta, exibindo um sorriso sórdido em seu rosto perfeito. Seus companheiros riem de mim, e sinto meu rosto arder.

— Qual seu nome subalterna? - Indaga-me.

— Bethanny, Vossa Alteza. 

— Bethanny... Nome peculiar.. - Ele pega uma mecha de meu cabelo sem requisitar autorização e a observa, esfregando-a  delicadamente em meio a seus dedos cobertos por um par de luvas de couro brancos e anéis caros. Quando torna a olhar para mim seus olhos estão repletos de malícia. - Me responda uma coisa Bethanny... Você é exclusiva do Richard ou está aberta a se envolver com outros príncipes?

          Os outros quatro príncipes que o acompanham e que antes riam, agora gargalham abertamente. Meu coração grita em meu peito e a bandeja treme com a mão que deseja acertar com força sua face. Contudo não posso desrespeitar nenhum príncipe, quanto mais bater. Não posso simplesmente me virar e sair também. Sem saber que atitude tomar decido me fazer de desentendida e torcer para que ele não insista nesse assunto:

— Não compreendo Vossa Alteza, sou serva do Príncipe Richard tanto quantos os outros que servem nesse castelo... 

— Não é o que estão comentando por aí.. 

          Comentando? Estão comentando sobre Richard e eu? 

           Tenho um forte impulso em perguntar o que ele tem ouvido, contudo consigo me conter. Um segundo príncipe praticamente idêntico a ele segura-o pelo ombro com firmeza. Ambos vestem uma roupa prateada muito cara, indicando que são do mesmo reino e o segundo se esforça para não rir ao meu encarar.

— Aaron, está constrangendo a moça. - Repreende.

          Aaron? Príncipe Aaron?

— Adryan, só estou esclarecendo uma dúvida. Não banque o irmão chato para cima de mim.. Aliás, aposto que está curioso também.

— Bem, estou... Mas...

          Um terceiro rapaz também idêntico a eles e tão lindo quanto, revira os olhos para os dois irmãos. E percebo que estou lidando com os príncipes tri-gêmeos do reino de Myrenne; Aaron, Adryan e Aedan. Príncipe Aedan me lança um sorriso contido ao ver que lhe observo. 

           Os outros dois príncipes são bem distintos; Um moreno forte dos olhos mais negros que a noite que suspeito ser Petrus L'Jaime, irmão da princesa Catherine l'Jaime e, um ruivo franzino com ar de inteligente que reconheço como Alexander Moore do reino vizinho de Sautarcya. Os dois me observam como um rato de laboratório e me sinto acuada por todos eles. Sempre imaginei que todos os príncipes eram como Richard; educados, gentis e cavalheiros.

—  Então a senhorita NÃO tem um caso com seu Príncipe? - Desta vez é Petrus quem persiste, se aproximando de mim. Nego veementemente com a cabeça pois não consigo achar minha própria voz. Ele ri. - Richard é um tolo. Nem com a noiva ele dormia, quanto mais com uma empregada. 

— Anastácia... Que os antigos reis a tenham. - Adryan suspira de forma nostálgica. - Que desperdício de mulher, a melhor princesa nas mãos desse... ah, se fosse eu...

— Não faria nada. -  Completa Aedan com um sorriso debochado. Ele agora parece ligeiramente interessado na conversa.

— Richard não é tolo, acho que ele não gosta é de mulher. - Diz Alexander, respondendo a Petrus e quebrando o silêncio. - Quantas vezes o chamamos para ir no pub? 

— Varias. - Responde Petrus.

—  E ele sempre recusa. Acho que ele gosta demais da espada.

         Os cinco gargalham e me sinto uma invasora inimiga. Não gosto da maneira como falam de Richard, no entanto não posso fazer nada além de me afastar. Dou alguns passos para trás tentando sair sem ser notada, mas Aaron me segura rápido pelo pulso. Suas pupilas se dilatam e ele desenha leves círculos em meu dorso com o polegar.

— Peço desculpas se a constrangemos. - Ele estreita os olhos e eles resplandecem mais que os detalhes prateados em suas vestes. - Talvez se conversássemos num lugar mais reservado... - Ele me puxa e finco os pés no chão. Aaron me encara com um olhar divertido, que diz que não vai desistir fácil. - Venha comigo Bethanny, não irá se arrepender... 

            Encaro os outros Príncipes com um olhar de súplica e sou ignorada, como se o amigo deles fizesse isso o tempo todo. Aaron aperta a pressão no meu pulso exigindo minha atenção. 

— Acho que você não entendeu, estou lhe dando uma ordem. Venha comigo.

           Sinto meus olhos arderem e luto contra as insistentes lágrimas que formam poças em meus olhos. Procuro Richard desesperadamente enquanto sou levada por Aaron sabe-se lá para onde. Ele pára em frente a uma das portas que levam aos corredores e os guardas prontamente abrem-na para ele passar. Lanço-lhes um olhar de socorro e eles baixam a cabeça, fingindo que não me conhecem.

— Aaron - Suplico, nervosa. 

— Aaron? - Ele estreita os olhos. - Não lembro de ter lhe dado esta intimidade... Ainda. -  Ele aproxima o rosto do meu. Eu me viro e ele acaba beijando minha bochecha. - Quem sabe daqui há pouco permito que me chame assim, depois de nossa conversa.

— Vossa Alteza!! 

            Uma voz animada e familiar ecoa atrás de nós e ao virarmos seguro um suspiro de alívio vindo do fundo da minha alma ao ver o rosto amável de Marieen. Ela me encara como quem diz para eu ficar quieta e se aproxima do príncipe com um sorriso que não lhe acalça os olhos. Então exibe uma bandeja de prata para ele e pega um de seus famosos doces.

— Estou satisfeito Marieen, obrigado. 

— Ah não, Vossa Alteza. - Seu semblante fica triste. - Fiz este especialmente para você, ao menos prove!

          Aaron abre a boca para protestar e Marieen aproveita a oportunidade para enfiar o doce inteiro em sua boca, uma apetitosa bomba de chocolate quadrada. Aaron se engasga e bate no peito com as mãos, me libertando. Imediatamente corro para o lado de Marieen, que se faz de inocente e o ajuda a desengasgar. 

— Pelos reis, que perigo! Vossa Alteza está bem? Me desculpe, sou tão desastrada!

— Estou sim.. - Ele pigarreia ainda meio engasgado. - Está delicioso, exatamente como eu me lembrava.

— Que bom que gostou! - Ela sorri, oferecendo-lhe outro e olha para mim. - Bethanny, estava te procurando pelo castelo todo! Tem muita coisa para você fazer, sua irresponsável... - Ela deixa a bandeja com ele e pega meu braço. - Anda garota, se despeça logo do Príncipe Aaron. Os convidados estão famintos!

— Até mais, Vossa Alteza.

        Digo de forma cordial e ela também se despede, ambas prestamos uma reverencia e saímos apressadas. Aaron nos encara atônito enquanto Marrien me leva para o lado oposto dele, sorrindo. Assim que tomamos certa distância no entanto, sua face converge para um expressão aborrecida e ela aumenta a pressão em meu braço. 

— Ficou louca Anny?! - Dispara. Ela balança a cabeça...- Se eu não vejo ele te arrastando...

          Penso em tudo que ele poderia fazer comigo e sinto uma vertigem me abater. Deixo que ela me carregue pelo labirinto de corredores do castelo enquanto recordo dos olhos maliciosos de Aaron em mim e a conivência dos outros príncipes para com ele. Talvez ele só quisesse conversar realmente.

           Ele é um príncipe, não faria nada demais... faria? Ele não precisa forçar ninguém, é tão lindo e rico. Devem haver milhões de mulheres aos seus pés.

— Príncipes não sabem perder, Anny. Ainda mais um tão jovem quanto ele. - Marieen responde como que lendo meus pensamentos. - Depois que o álcool deixar de lhe correr pelas veias, ele ainda vai insistir até enjoar... ou até que você ceda, o que vier primeiro. Só fique distante até ele ir embora. - Ela me lançou um olhar avaliativo. - Isso se você não quiser dormir com ele, claro.

— Não quero! - Respondo indignada.

— Ótimo. - Ela parou frente à porta da cozinha principal e suspirou, então soltou o aperto do meu braço, me liberando. - Bethanny, eu tenho você como filha, sabe disso. Você tem dezessete anos, não posso te proibir de sair com os rapazes. Só peço que tenha cuidado com quem você se envolve. 

          Assinto e ela entra na cozinha, supervisionando o serviço. Marrien sempre cuidou de mim da melhor forma que pode. Desde que meus pais morreram. 

         Aconteceu quando eu tinha seis anos, e ainda me lembro vagamente do dia em que me tiraram de minha casa, me levaram para um orfanato e avisaram que eles jamais iriam retornar. Seus corpos apareceram em uma vala lamacenta sem uma gota de sangue. Duas Pessoas sem importância; um padeiro e uma dona de casa. Contudo naquela época os vampiros tão discretos, que o caso ganhou repercussão, mas nunca foi solucionado. Agora os sanguessugas malditos voltaram a atacar, sem qualquer pudor. 

         Não há nada que eu tenha mais pavor que um vampiro.  

         Há séculos não se viam tantas vítimas assim, os vampiros pareciam até que estavam a beira da extinção; eram mais personagens de histórias, músicas e lendas do que ameaças reais. Vez o outra eles matavam alguém, assim como mataram meus pais, mas no geral tínhamos paz.  De cinco anos para cá no entanto o número de mortos só vem aumentando, e o número de crianças órfãs também. Ninguém sabe por que os vampiros não matam crianças, talvez eles tenham consciência em algum lugar. Esse pensamento me traz esperanças de dias melhores. Algum tempo num futuro não muito longe onde haverão menos órfãos e mais famílias felizes. 

          Marrien é minha família. Ela era amiga da minha mãe, era uma mulher jovem e bonita e assumiu a responsabilidade de me criar, me tirando do orfanato e deixando de lado sua vida pessoal. Ela me trouxe para o castelo quando ainda era uma simples ajudante, e de certa forma todos me adotaram. Rei Donan foi muito generoso e solidário em permitir que ela me trouxesse e a ele sou eternamente grata.

— Acho melhor a gente usar a cozinha do jantar também. - Ouço-a dizer. Marieen encara um grupo de senhoras que cozinhavam. - Vocês vão para a outra cozinha, o resto permaneçam aqui.

           Os servos se agitam em suas funções, conversando e rindo. Resolvo ir até a dispensa e pegar algumas bandejas, manter minha mente ocupada. As disponho cautelosamente em cima da enorme bancada de madeira e volto para pegar algumas taças. Distribuo-as pelas bandejas de forma atrapalhada.

           Não estou acostumada a trabalhar na cozinha, por mais que Marieen seja a chef. Ela tentou diversas vezes me ensinar, mas eu não tinha coordenação nem jeito para atuar na cozinha ou mesmo agilidade para servir. Sempre me queimava ou quebrava alguma coisa, então ela acabou desistindo e concordando que eu tinha de arrumar outra função. E aos meus quatorze anos acabei optando por arrumar quartos. Um quarto de um príncipe extremamente charmoso, para ser mais específica.

         Ah Richard...

         Minha mente vaga enquanto encho as taças com o vinho. Estou tão ansiosa para dançar com ele que fico ensaiando repetidamente nossos passos em minha cabeça. Há anos sonhava com esse momento, não quero que nada saia errado, tampouco que ele sinta vergonha de mim. Cantarolo uma música de baile e fecho os olhos, me movendo lentamente. Me sobressalto ao ouvir alguém gritando meu nome.

— Bethanny!! 

           Olho assutada para Marieen e dou um grito quando vejo o vinho transbordando da taça e escoando pelo chão. Por sorte não atingiu meu vestido, seria uma mancha impossível de tirar. Marieen sopra o ar com força e me encara de forma reprovativa.

— Quando você fica distraída assim.. 

            Não consigo mais me conter. Olho para ela com um sorriso e anuncio a novidade, dando pulinhos no ar. 

— Richard me convidou para dançar! Mais tarde... - Disparo as palavras velozmente, num misto de animação com nervosismo. - Mas esse mais tarde é hoje, eu acho... Está demorando tanto que talvez seja amanhã. Mas mesmo se for, não há importância. Qualquer horário para mim...

— Sabia que isso ia acontecer!- Marieen me corta. -  Desde que te vi conversando com ele nos preparativos da festa. - Ela pega uma cenoura e desconta sua raiva no legume, fatiando de forma ágil e impiedosa. -  Você tem que parar com essa sua obsessão maluca pelo Príncipe Richard!!

— Mas foi o Richard quem prometeu... - Respondo baixinho.

— Vossa Alteza, Príncipe Richard. Que intimidade repentina é essa? - Ela me corrige e balança a cabeça, fatiando outra cenoura. - Pelos reis, acabei de dizer para você ter cuidado com quem se envolve, não tem nem vinte minutos! Você ainda vai me matar de preocupação..

— Mas o Príncipe Richard é diferente do Príncipe Aaron. - Choramingo. - Ele jamais me arrastaria para sabe-se lá onde..

         Embora eu queira... Com ele eu iria a qualquer lugar.

— Como você pode ter certeza? - Ela aponta a faca para mim, gesticulando em excesso. - Tudo bem, nossa Alteza é diferente dos outros, é um rapaz mais calmo. Mas ainda é um príncipe, e você uma subalterna. Você mora no castelo que um dia será dele Anny, e lhe deve o devido respeito. 

— Mas eu o respeito. - Rebato-a, chateada. - Ele quem autorizou que eu o chamasse pelo primeiro nome!

           Ela revira os olhos para mim como se eu ainda fosse aquela garotinha de seis anos assustada.

— Você sabe que não é disso que se trata. - Ela suspira ao ver meu olhar interrogativo. - Eu te conheço mocinha, você sempre teve essa paixão louca por ele. Agora que a Princesa Anastácia, que os antigos reis a tenham, faleceu tragicamente, você acha que pode ter alguma chance. 

— Não é nada disso!

— É sim! E digo mais; O pobre rapaz está de luto, acabou de perder a noiva e única amiga de infância. Ele mal come, não sai de dia, não cavalga, vive cabisbaixo por aí... E você fica importunando-o com pedidos de dança. Ou vai me dizer que ele teve um surto e te convidou para dançar do nada?

             Puxo na memória o momento em que ele prometeu que dançaria comigo e encolho os ombros. Ela tem razão. Marieen me encara, esperando uma resposta.

— Eu posso ter dado a ideia de que queria dançar com ele... - Sussurro

— Você é tão obcecada por ele, que nem pensa no que ele pode estar sentindo, na tristeza que ele vem carregando. É muito egoísmo de sua parte. E eu estou falando isso por que gosto dos dois.

             Pego uma das taças de vinho e bebo. A morte de Anastácia foi realmente algo muito triste. Me lembro do dia do seu enterro, pouco antes do Richard retornar, na ponte que liga os dois reinos. Por acidente os guardas abriram a tampa do caixão e eu a vi. A princesa estava completamente desfigurada, uma vítima inocente de um daqueles monstros perversos. E por mais que eu sentisse inveja por ela ter o Richard só para ela, não é um fim que eu deseje para ninguém. 

            Fico imaginando o que Richard faria se visse o enterro, visse o corpo da pessoa com quem ele viveu praticamente a vida inteira assim, deformado. Seu semblante pálido e amargurado me vem à mente e abaixo a cabeça, queimando em vergonha. Estou forçando a barra com ele, não tem nem duas semanas que ela se fora.. É como se ele fosse viúvo.

— Anny por favor, abra os olhos! O máximo que ele vai ter com você é um caso de verão...  - Ela diz num tom triste e coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. - Depois nossas Majestades arrumarão outra noiva apropriada para ele, uma princesa, e você irá sofrer.

          Esfrego as mãos sentindo meus olhos arderem. Não tenho palavras para respondê-la, pois sei que no fundo é exatamente isso que irá acontecer.

— Anny! Eu te proíbo... - Ela segura minha mão exigindo minha atenção. A olho espantada, ela nunca havia me proibido de fazer qualquer coisa. - Eu te proíbo de importunar o Príncipe Richard, entendeu? Dê um tempo para ele respirar.

— Está bem!! - Digo por fim.

          Talvez seja melhor assim, tanto para ele quanto para mim. A partir de agora vou tratar Richard com a cordialidade de uma mera subalterna. Príncipe Richard, quero dizer..

           Volto às minhas tarefas determinada, escolhendo algo que não envolva vinho. Marieen não fala mais nada, parece perdida em um lugar bem distante. Encaro-a  com genuína curiosidade e lhe dou um sorriso. Ela cora como alguém que é pega no flagra fazendo algo errado. E pela primeira vez em muitos anos vejo um olhar sonhador em seu rosto.

— Está pensando em que?

— No criador de ovelhas... - Ela sorri tímida e percebe a confusão em meu rosto. - O homem que salvou o príncipe esteve aqui hoje. Nossa ele é tão incrível, tão simpático e misterioso.. - Seu rosto ganha um novo tom de vermelho ainda mais forte. - Achei que tinha pintado um clima, mas ele simplesmente sumiu.E não consigo tirar meus pensamentos dele, daqueles lindos olhos azuis.

— Isso sim é inusitado. - Sorrio, contente pela minha mãe adotiva. - Nunca te vi interessada em alguém nesses anos todos.

— Bem, você está criada agora. - Ela dá de ombros, animada. - E ele é realmente interessante. Você tinha que ter visto Anny...

         Ajudo-a a colocar as cenouras na panela, contendo um sorriso, enquanto ela reconta as histórias do homem misterioso. Estou muito feliz que ela tenha se interessado por alguém, só nunca imaginei que seria por um criador de ovelhas. Essa parte é tão estranha que me faz franzir o cenho, mas a abraço. Ela merece refazer a vida depois do peso que teve de carregar. Quem sabe casar e ter seus próprios filhos. Marrien é jovem ainda em seus trinta e quatro anos. 

         Contudo minha felicidade por ela dura pouco. Um soldado nada agradável adentra a cozinha e rouba uma maçã. Ele beija o canto da minha boca de uma forma íntima, e cumprimenta Marrien animado, enquanto reviro os olhos.

— Betânia!

           Minha expressão se contorce ao ouvir meu nome sendo pronunciado de forma errada. Marieen profere ordens à outras moças na cozinha, me abandonando com ele e o soldado abusado me segue de um lado a outro com um sorriso no rosto.

— O que você quer Kaique?

— Dançar com você. Hoje. - Caio segura meu rosto com as duas mãos, me forçando a parar. - Como nos velhos tempos.. O que me diz, Betânia?

—Meu nome é Bethanny. B-E-T-H-A-N-N-Y. -Soletro, com raiva. - E a resposta é não. 

          Não acredito que depois de tantos anos ele ainda não saiba meu nome!!

          Kaique é um soldado completamente perturbado com quem um dia eu fiz a estupidez de namorar.  Tive uma certa paixão por ele em algum momento, algo como uma pequena chama de uma vela que devido ao seu comportamento possessivo logo se apagou. Ele é extremamente perseguidor e insistente, está sempre afastando todos que se envolvem comigo desde o nosso término, como se eu fosse sua propriedade.

          E acho que ele me chama de Bethanny de propósito, para que de certa forma, eu nunca me esqueça dele. Já dizia o ditado: Se não pode ser lembrado com amor, que seja lembrado com dor. O dele é mais para que se seja lembrado com chatice, do que dor.

          kaique botou a mão no punho de sua espada, se exibindo para mim, seu semblante um pouco chateado.

—Por que não? - Ele segura meu braço e fita meus olhos com um sorriso debochado. - Está esperando o príncipe encantado?

— Estou esperando qualquer um que não seja você.

— BethaNNY - Ele enfatiza o final, falando corretamente e suspira. - Ele nunca vai gostar de você, não como eu gosto. 

— Espero mesmo que não. - Rolo os olhos.

           Kaique se aproxima como um predador, no entanto evita me tocar. Ele paira seu rosto próximo ao meu e seus lábios ficam à centímetros do lóbulo de minha orelha, e sinto o perfume que antes tanto me encantava. Ele sussurra com a voz bem mansa e rouca:

— Um dia Anny... Um dia você ainda será minha esposa e me amará de novo. Vamos morar numa pequena e aconchegante casa bem longe dessa fortaleza de paredes grossas e gélidas, e você  gritará por meu nome todas as noites, até o amanhecer. 

          Estremeço, abalada. E engulo em seco, recordando de todas noites que passamos juntos. É inevitável não pensar quando ele diz essas coisas. Ele se afasta, satisfeito com minha reação. E fito seu cabelo, tão loiro quanto o meu, em um desordenado de fios eriçados. 

— Kaique...

          Ainda nem tinha resolvido o que dizer quando um estrondo forte na porta interrompeu minha frase. Um soldado ofegante adentrou a cozinha com olhos arregalados. Ele se curvou um pouco e segurou os joelhos, tentando se recompor. Uma roda de serviçais se juntam ao seu redor, ansiosos. Todos estavam aflitos, pensando ser um ataque de vampiros, inclusive eu. Kaique segurou minha mão e me arrastou para perto do soldado intruso e eu sequer consegui protestar, tamanho medo da notícia que ele trouxera.  

          Marieen lhe ofereceu um copo d'água e assim que ele terminou de beber todo o conteúdo, ficou mexendo os olhos de um lado para o outro, agitado. 

— Pelos reis, fale logo homem!! - Disparou uma ajudante de cozinha. 

— Vossa Alteza Richard... - Ele ofegou. Meu coração deu um salto, apenas por ouvir seu nome. - Vossa Alteza Príncipe Richard e Majestade Eddard Craine vão duelar até à morte no salão de festas!! 

— Pelos Reis!!! Esse garoto perdeu completamente o juízo! 

         Marieen ofegou e correu em direção à porta, desaparecendo. Ela sempre teve muito apego à Richard, sempre disse que o ama como um filho, assim como me ama. Assim que ela sumiu de vista os outros servos da cozinha a seguiram apressados, restando somente Kaique e eu no cômodo. Era de se esperar que eu fosse a primeira, no entanto estou em um estado de choque. Meus pés não me obedecem, e sei o que ouvi mas não consigo processar. O soldado ao meu lado estreita os olhos e ri tanto que lágrimas escorrem de seus cantos.  

— Seu novo namorado vai morrer.

         Finalmente assimilo o que está acontecendo e saio apressada da cozinha. Segurando meu vestido com ambas as mãos, refaço meu caminho de volta ao salão de danças com dificuldade. Ultrapasso as outras duas cozinhas remanescentes e ouço passos apressados atrás de mim. 

          O castelo parece não ter fim. Corredores e mais corredores se esticam e me aprisionam, e acho que nunca vou alcançar o final. 

— Anny, calma! Pare um pouco. - Kaique grita. - Vai ter um ataque cardíaco.

         Não importa, nada importa. Preciso ver o que está acontecendo com Richard mais do que tudo no mundo. Meu salto faz um barulho ensurdecedor e assim que finalmente alcanço as portas do salão, percebo uma confusão de pessoas espremidas. Algumas mulheres sobem em cadeiras tentando ver, e o falatório é tão intenso que não consigo distinguir o que ninguém diz. Não consigo saber se ele está bem.  Sinto minha garganta arder e meus olhos se encherem de lágrimas.

         Consigo ver a silhueta da rainha jogada em seu trono através do borrão turvo que se formou em meus olhos. Seu rosto está muito vermelho e dois soldados a abanam. Ela parece à beira de um ataque, mas enxuga as lágrimas discretamente e do alto encara um ponto fixo no meio do salão. Enxugo minhas próprias lágrimas e me jogo em meio as pessoas, seguindo desesperadamente a direção em que ela olha. Kaique me acompanha de perto, tentando pedir licença, segurando a bainha de sua espada e tentando passar com seu corpo largo e forte.

         Não espero que saiam de boa vontade; empurro nobres, velhos, mulheres e nado contra a correnteza de curiosos. Quando olho para trás vejo que o perdi em meio a multidão e estremeço de medo de ficar sozinha.

— Aposto mil dobrões de ouro no Rei.. - Ouço um homem dizer.

— Alguém aposta no príncipe? - Outro cara grita alto, esticando a cabeça. - Estamos com demasiadas apostas no Rei. Se ele ganhar, ninguém ganhará nada.

— Dez dobrões aqui, no príncipe. 

         Os homens riem e abro caminho dentre eles, sentindo seus olhos em mim. Estou tonta e com falta de ar. A cada passo se torna mais dificil abrir caminho e minhas mãos estão trêmulas de tanto empurrar convidados quando finalmente avisto os dois. Coloco as mãos no peito, incrédula ao ver ambos empunhando suas espadas. O soldado falara a verdade, eles irão duela até a morte. Richard me encara por um curto momento e, por uma fração de segundo, vejo seu semblante ligeiramente perturbado com algo que não parece a luta. Contudo ele logo se recompõe e estreita seus olhos verdes, voltando o olhar pro seu inimigo, se antecipando a um possível ataque surpresa. 

          Com o semblante fechado e sombrio, Craine parece um lobo prestes a abocanhar um cordeiro. Sinto meu peito se contorcer de agonia enquanto assisto ao fim do meu amado e tolo príncipe.


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Notas finais do capítulo

É isso, espero que tenham gostado do capítulo da Bethanny. Ela narrará somente mais um ou dois, então considero este capítulo como um muito especial. Beijão e até o próximo! ♥



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