Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard escrita por Damn Girl


Capítulo 6
Capítulo 05


Notas iniciais do capítulo

Amores, foi muito difícil desenvolver esse capitulo, não sou muito de compartilhar meus sentimentos com vocês, mas confesso que passei uma longa noite em claro (talvez mais de uma...) deprimida pensando em excluir definitivamente todas minhas estórias, então se o Richard estiver mais frio do que de costume é por conta disso. A demora também foi por conta disso, estava tão chateada que não estava conseguindo escrever, mas enfim... já passou. O capitulo está imenso, tive até de parar de escrever, essa festa do retorno do nosso Vampirão promete. Se estiver grande demais ou qualquer outra coisa, me falem por favor. Eu sei que a história não está perfeita, nem tudo que eu imagino consigo passar para o papel, mas estou tentando muito melhorar, então preciso sempre da opinião sincera de vocês. Peguem a pipoca e boa leitura XD



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" A inveja nada mais é que o ódio a superioridade" (Paolo Mantegazza)

        A música animada repercutia além da grande e calejada muralha de pedras que circundava o castelo. Cada parte danificada, cada bloco solto, cada mínimo arranhão representava um capitulo, contudo quando analisados em conjunto formavam uma estória de todos os confrontos pelos quais a construção haviam passado dentre as gerações de nosso reino. Do alto dela os arqueiros devidamente equipados se mantinham em constante vigilância, com o seus arcos de madeira numa mão e as flechas na outra, caminhavam de um lado ao outro de forma ordenada. E em cada ponta que a muralha mudava de rumo havia um pequeno posto com um banco reservado aos responsáveis que guardavam o horizonte. Ao chão os guardas reais mantinham um cerco através de todo o caminho da estrada sinuosa de terra, que se mantinha atipicamente iluminado desde a cidadela até os portões. Estavam se esforçando ao máximo para trazer o mínimo de segurança a população.

         A noite estrelada agradável e a leve brisa que movia as árvores ajudava a amenizar a tensão de um possível ataque. Aos poucos os convidados iam se desfazendo do medo de sair a noite e trilhando o caminho até o castelo.

         Peguei o traje elegante cuidadosamente separado e disposto em minha cama; uma calça bordô simples feita com um tecido grosso, junto com uma blusa branca de seda e babados nos punhos e na frente. Depois a veste característica dos príncipes, uma especie de blusa mais encorpada e comprida até a metade das coxas, com as mangas longas da mesma cor da calça, repleta de bordados com fios de ouro e a vesti por cima da primeira, abotoando toda frente de má vontade. Não estava muito a fim de ir em minha própria festa, a ideia de ter que explicar diversas vezes por que passei uma semana sumido e ouvir milhões de pêsames pela morte de uma pessoa que eu assassinei me deixava muito entediado. Abri meus braços e me atirei na cama, amassando tudo que ainda faltava vestir. Mal fechei os olhos ouvi passos por toda extensão do corredor e uma batida fraca na porta.

— Quem deseja?

— Alteza. - Anunciou uma voz grossa por trás da porta a qual não consegui identificar o dono. - Vossa majestade, Rainha Kenvia, solicita sua presença.

— Diga a ela que estou terminando de me arrumar.

—Sim, Senhor.

         Assim que os passos se afastaram, tratei de levantar e continuar a me vestir. Não ia adiar mais o inadiável. Vesti o sobretudo folgado conjunto da blusa do meio. Produzido com os mesmos bordados e o mesmo tecido encopado, chegava quase a altura dos joelhos, diversas pregas entre as costas dando volume. Calcei umas botas sem graça de couro e por cima de tudo, passei minha capa vermelha sobre os ombros amarrando-a na altura do tórax. Fitei a composição no espelho em frente a cama com a sensação de que havia esquecido algo. Então corri até a caixa de veludo que sempre ficava em cima da comoda e a abri, pegando minha coroa de rubi com demasiada cautela. Joguei meus cabelos para trás e baixei o acessório lentamente, num ritual silencioso.

         O vampiro assassino se fora dando lugar ao Príncipe Richard. Estendi a mão direita e peguei a bainha com a minha espada na cômoda fixando-a na cintura, só por precaução.

        Andei pelo extenso corredor deserto deslizando os dedos pela grossa e fria parede, ouvindo o barulho dos meus passos por trás de todo burburinho de vozes dos convidados. Minha audição estava tão apurada, que temia ir para festa e ouvir além do que queria. Não só meus ouvidos, as tochas e lustres que iluminavam o caminho nem se faziam mais necessárias, todos meus sentidos estavam imensuravelmente mais aguçados. Caminhei pensativo, fitando as enormes janelas de Vitral colorido que mais cedo quase haviam me queimado, sem saber se tudo que eu ganhara era um benefício ou uma maldição. Cheguei até a porta que ligava o corredor dos aposentos e com um cumprimento dois guardas a abriram revelando outro corredor. O castelo todo era um emaranhado de corredores e portas, tudo projetado para confundir os inimigos caso eles consigam passar pela muralha. O que graças aos deus, nunca havia acontecido.

         Um dos dois guarda levantou a mão frente a próxima porta e eu parei obedecendo seu gesto. Ele abriu uma fresta e cochichou ordens para um guarda do outro lado as quais eu fingi não ter ouvido. Toquei seu ombro forçando-o a me dar atenção e ele prontamente me prestou uma reverencia muito exagerada. Eu mal podia ver seu rosto por trás da armadura de ferro. Gesticulei autorizando que ele levantasse e suspirei exasperado.

— Não preciso que me anuncie, prefiro uma entrada discreta. Por favor.

         Esperei que seguissem minhas ordens disfarçadas de pedido e me dessem passagem. Ao invés disso, o guarda franziu o cenho e encarou o outro que lhe lançou um olhar significativo. Os dois pareciam relutantes e em conflito com alguma coisa, ouvi o sangue de ambos correrem de forma mais ávida. Suspirei de novo e cruzei os braços fingindo uma impaciência, distraindo minha atenção de suas veias. Por fim, o outro se arriscou a falar, uma das mãos apertando a maçaneta dourada.

— Compreendemos que o Senhor não gosta de ser anunciado, mas são ordens do Rei.

         Os dois recuaram mais próximo a porta e ficaram me encarando de baixo devido a minha altura. Engoli e ergui o queixo fazendo uma pausa dramática, me divertindo com seus nervosismos.

— Tudo bem, então. Podem me anunciar. - Sorri.

        Um deles efetuou três batidas na porta e um trombeta soou do outro lado. Esfreguei uma mão na outra enquanto a sala ficava extremamente silenciosa. Já havia feito isso diversas vezes ao longo dos meus dezessete anos, mas dessa vez era diferente. Parte de mim sabia que nem se eu fingisse por mil anos eu me tornaria humano novamente. Levantei a cabeça e encarei a porta, observando ela abrir ao que se pareceu uma eternidade.

         Encarei a multidão bem arrumada mordendo levemente meus lábios. Os rostos pálidos de todos a minha volta, contrastavam drasticamente com a decoração alegre, de um vermelho e dourado vibrantes. Me encaravam intensamente, como se soubessem meu segredo. Nervoso, corri meus olhos por todos os enfeites que eu havia ajudado a colocar, fincando meus pés ao chão. Os tecidos vermelhos pendurados em cascata se agitavam com o sopro da noite que entrava pelas janelas, os laços dourados uniam um tecido ao outro. Claramente a multidão não sabia o motivo da comemoração, mas agora todos estavam bem cientes do meu retorno. Uns exclamaram exasperados, outros recuaram, assustados. Um soldado ao meu lado disfarçou uma risadinha e tomou um longo fôlego, limpando a garganta antes de anunciar:

— Príncipe Richard Phiaven Dangenibard Wyndon do Reino de WindHeart, Filho de Vossas Majestades Rei Donan Dangenibard Wyndon Terceiro e Rainha Kenvia Phiaven Wyndon,  Comandante substituto do exercito de nosso reino e o primeiro de sua linhagem.

         Nossa, não acredito!!!  Entendo que eu precisava ser devidamente anunciado, mas... havia necessidade de anunciar meu nome inteiro?!  Bufei lançando um olhar furioso para o guarda que simplesmente deu de ombros rindo e se encolheu atrás do outro guarda com o mesmo sorriso no rosto. Fitei meus pais e ambos me encararam com um rubor escrachado no rosto, estavam se divertindo as minhas custas.

         Obrigado majestades, podiam ter removido o Phiaven pelo menos, mas não....  Muito obrigado, mesmo.

         Voltei meu olhar para os homens e mulheres que permaneciam estarrecidos à minha frente, sem ter certeza se era o meu nome estranho ou o fato de eu estar vivo que os paralisavam.

        Meu pai pigarreou de forma ruidosa e o som ecoou por toda a sala quebrando por fim o silencio incomodo que se instalara.

         Como que saindo de um transe coletivo os mais de seiscentos convidados aos poucos foram me reverenciando e comentando animados uns com os outros sobre meu retorno. Contudo para meu absoluto terror uma chuva de pensamentos controversos invadiram minha mente como uma avalanche. Fechei meus olhos tentando desesperadamente bloquear cada pensamento indesejado, no entanto suas vozes persistiam dentro de minha consciência. Vozes de diversas pessoas, vozes desconexas, vozes irritantes... De forma alguma conseguia dissipá-las.

          "Como ele sobreviveu?" " Isso é muito estranho!" " Eu vi ele caído lá!" "Por que a princesa Anastácia não está aqui?" " Ele parece diferente" " Devemos confiar nele?" " Onde ele estava?" "Queria que estivesse morto." "Que bom que o príncipe está vivo!" " E os sugadores de sangue lá fora?" " A culpa do meu marido ter morrido é dele." " Eu devia estar em casa." " Vai haver mesmo outra guerra?"" Deveríamos estar caçando os vampiros" "Minha vida está arruinada.""Aqui é realmente seguro?" " Não acho ele tão bom quanto o pai" "Quando será o casamento dele com a Princesa Anastácia?" ".... Princesa Anastácia?" ".... Anastácia" " ...Anastácia..."

          "Anastácia"

          "Anastácia..."

            Esfreguei as têmporas sentindo minha cabeça latejar pela invasão inesperada e ao reabrir meus olhos ela estava ali, a dona de todo o burburinho, o motivo de eu não dormir há dias, parada num canto mais distante do grande salão, me encarando de forma aterradora. Seus lábios, tão vermelhos quanto o elegante e decotado vestido que trajava, se curvaram num sorriso sarcástico, comprometedor. Segurando uma taça de prata cravejada com rubis dentre os dedos, levou-a lentamente a boca, saboreando o conteúdo para depois, virá-lo de uma vez. Uma fresta do conhecido liquido escuro, grosso e hipnotizador escorreu do canto de seus lábios carnudos. Ela correu a língua lentamente pelo parte inferior de um jeito provocante e lambeu todo o sangue que havia transbordado, mantendo os olhos cor de topázio fixos em mim durante todo seu gesto. Cerrei os olhos e os punhos tomando um longo fôlego, meu estomago se revirando em excitação e as presas forçando passagem de forma impetuosa. Queria apreciar a sensação de rasgar cada pedaço daquela pele perfeita novamente, sugar cada sopro de vida que Anastácia ainda exalasse. Queria matar aquela mulher novamente.

          O chão foi sumindo sob meus pés e a sala escurecendo em nossa volta, até que só restou um caminho estreito perfeitamente iluminado, que ia de mim à minha ex-noiva. Tudo além de nós dois havia desaparecido. Ela ergueu a mão envolta em luvas brancas de seda num gesto mínimo, carregado de elegância, me convidando. Dei um passo para frente, ardendo em desejo por ela.

          E queimando em sede, muita sede.

          Voltei dois passos para trás, aturdido. Não ia repetir o mesmo maldito erro.

         Mas como ela pode estar ali? Não tem como?! Será que eu...

          Uma mão pesada tocou meu ombro me resgatando de meu desvaneio, esvaindo as trevas, retornando o grande salão ao que era antes. Meu pai me encarava com o semblante preocupado.

— Filho? Está tudo bem?

— Está sim pai. - Respondo munido de uma máscara de tranquilidade.

         Encaro novamente o canto do salão e o mesmo se encontra vazio, nenhum sinal da Princesa Moribunda. Conjurei mentalmente algo que passei a dizer todos os dias num mantra de puro desespero.

         Anastácia está morta, Anastácia está morta, Anastácia está morta.

         As vozes dos pensamentos alheios cessaram, deixando somente a voz de minha consciência atormentada.

         Organizo rapidamente minha mente, formulando algumas palavras que possam satisfazer os convidados que mantinham insistentemente a atenção em mim, algumas respostas para as perguntas secretas em suas cabeças. Sinceramente não me preparei para o caso de ter de fazer um discurso, essa hipótese sequer passou pela minha cabeça. Ter que citar Anastácia nele tornava tudo imensuravelmente mais difícil.

          Fitei o Rei Julius repleto de culpa e este me devolveu um olhar firme, me encorajando. Aparentemente a morte de Anastácia ainda não havia sido devidamente anunciada. E teria de ser eu a fazer isso, o seu algoz. O vampiro tirano que roubou-lhe a vida.

          Meu mundo é repleto de ironias.

— Olá a todos, do reino e visitantes dos reinos vizinhos! - Comecei meio sem jeito, aceitando a taça que me havia sido oferecida. - Como estão cientes estamos passando por tempos de crise em WindHeart, assim como em outras províncias. Muitos assassinatos, corpos mutilados, boatos de seres sobrenaturais, desaparecimentos... E num momento delicado como esse onde deveríamos nos unir, eis que perdemos tempo guerreando uns contras os outros. Quero deixar bem claro meu posicionamento; não concordo com esses embates, prefiro prezar pela segurança, mas entendo que não devemos baixar a cabeça pro inimigo. Recentemente assumi o lugar do meu pai em um desses confrontos e falhei...

— Richard!...

— Deixe-me terminar, pai. - Tomei um longo fôlego. - Embora contasse com hábeis soldados e tenha oferecido tudo de mim em batalha, não fui competente o suficiente. Talvez pela minha falta de experiencia, talvez pela minha precipitação em comemorar nossa vitória, não previ a trapaça de nosso inimigo. A culpa de todas as baixas em campo é absolutamente minha. Sinto-me envergonhado e peço-lhes que me desculpem, mas não há como voltar ao tempo... Tudo que posso lhes dizer é que eu realmente deveria estar morto...

         Fiz uma pausa sentindo meus olhos arderem e esfreguei as têmporas, ninguém sequer respirava.

— De fato era melhor que estivesse, pois assim não teria que lhes dar a triste notícia de que, apesar das grande expectativas, a Princesa Anastácia e eu não iremos nos casar. Sinto muito desapontar a todos, sei o quanto ela era carismática, gentil e atenciosa, sei o quanto desejavam unir os dois reinos. - Encarei de novo o lugar onde supostamente ela apareceu. - Mas a Princesa está morta. Eu queria voltar atrás e salvá-la...

         De mim mesmo... Engoli em seco. Minha mãe gesticulava para que eu encerrasse mas eu não conseguia, ansiava por despejar tudo que se passava pela minha mente nesses últimos dias. Rei Julius chegou perto de mim e sussurrou piorando tudo:

— Não foi sua culpa rapaz.

          Foi sim porra!!!

— ... queria trocar minha vida pela vida dela, mas não posso. Eu falhei em absolutamente tudo! Destruí tudo na primeira oportunidade que tive de mostrar que eu posso sim, substituir meu pai quando necessário... Mas eu prometo que serei um príncipe melhor daqui em diante. WindHeart é minha casa e vou defendê-la com minha vida quantas vezes preciso for, se vocês me quiserem aqui claro.

— Mas que absurdo Richard! - Minha mãe botou a mão no peito indignada - Claro que queremos você aqui!

         Não iria querer se soubesse no que me tornei.

         Encarei seus lindos olhos verdes desconfiados esperando que ela não perguntasse nada aqui. Se eu falasse algo além do meu - desnecessário e patético - discurso já se tornaria uma confissão aberta. Peguei uma taça de um dos garçons e erguendo-a abri um largo sorriso, me empertigando no lugar.

— Por WindHeart!

— Por WindHeart! - Respondeu a multidão prontamente.

           Sob aplausos e olhares adorativos que certamente eu não merecia, tomei um gole mínimo do liquido que constatei ser vinho e os músicos voltaram a tocar alegremente. Fiz meu papel de bom príncipe, andando pelo grande salão conversando e recebendo as boas vindas de alguns convidados de bom grado.  Parte por que me fazia sentir humano, mas principalmente por que me distraía dos olhos de águia do meu pai e do Rei Julius. Quando um deles fazia menção de se aproximar eu ia sorrateiramente para a outa ponta, um belo de um fugitivo miserável. 

— Richard!

         Me sobressaltei com a voz estridente e aguda de Catherine l'jamier, princesa do reino de Green Horn. Ela me encarou com o queixo erguido e um meio sorriso presunçoso. E alisando o vestido verde-grama de seda caro e perfeitamente ajustado ao corpo, ficou esperando que eu a cumprimentasse. Por educação, nada mais nem nada menos que isso, peguei sua mão e a beijei sob a luva branca, aspirando o cheiro de sangue com uma nuance azeda de seu pulso. Franzi o cenho e tentei identificar que ramificação era aquela, desde que me tornara vampiro não havia sentido nada parecido. Beirando o podre. Cheguei a conclusão de que o sangue dela cheirava à soberba.

— Catherine.

— Vim demonstrar meus pêsames. - Tocou o peito fingindo estar abalada. - Pobre Anastácia, me lembro de nós brincando nos jardins do palácio de Green Horn quando Julius se reunia com meu pai. Éramos tão próximas, praticamente fomos criadas juntas.

— Verdade? Creio que não me recordo.

       Controlei meu rosto de esboçar qualquer emoção. Além de ser desrespeitosa com o pai de Anastácia chamando-o somente pelo primeiro nome, ela ainda era mentirosa. Anastácia fora criada comigo, e somente comigo, por conta da vasta distância entre os outros reinos. E o Reino do Rei Avalon l'Jaime - Pai de Catherine - era um dos mais distantes. Impossível ambas possuírem tamanha intimidade. Para piorar sua situação, seus pensamentos me invadiram:

         Ele é  lindo, não é atoa que é o Príncipe mais cobiçado de todos os reinos!  E agora que Anastácia morreu, o caminho está livre para mim. Aquela imprestável horrorosa. 

— Sim, éramos inseparáveis, grandes amigas, ainda não superei sua perda.

       Cruzei os braços e encarei seu rosto. Seus olhos cor de mel marejaram e ela fungou, uma excelente atriz. Se eu não fosse capaz de escutar seus pensamentos ficaria profundamente comovido, contudo devido as circunstâncias, ao invés de ter pena, sinto-me nauseado. Catherine não pareceu notar minha impaciência, desatou a contar falsas histórias de quando ela e Anastácia eram mais novas. Enquanto eu me focava no que ela não queria contar.

        Tão sério! Será que ele é assim o tempo todo?... Bem, nada que não possa ser remediado. Ele tem fama de ser bondoso e manipulável como o pai, vai viver à minha sombra, fazer tudo que eu desejar... Que olhos verdes divinos! Teremos lindos filhos e eu governarei os dois reinos, não podia ser melhor! Não, tem algo melhor, poder.. talvez eu ceda WindHeart em troca de poder, ter dois reinos é desnecessário. Vou falar com meu pai sobre nosso casamento assim que o luto dele passar. Mas agora... my lord! preciso tocar esse braço!

        Ela pegou meu braço de forma possessiva e me encarou com olhos brilhantes. Só então percebi que havia terminado de falar. Percorri o salão com os olhos em busca do Rei e da rainha de Green Horn, numa tentativa de me desvencilhar dela, mas não os avistei. Então forcei um sorriso fingindo que havia escutado seus pensamentos nojentos e disse minha resposta padrão de quando Anastácia falava comigo e eu não escutava.

— Hummmm interessante.

       Ótimo, marque presença Catherine! Varias princesas estão de olho nele hoje, comece a encurralá-lo!

       Não sou sua presa, pobre mortal, ao final desta noite estarás você encurralada em minha cama! Controlei o impulso de retirar meu braço do dela, cada segundo mais furioso. Queria rosnar para essa humana atrevida e arrancar aquele sorriso debochado, mordendo sua boca até extraí-la da face. 

        Vamos ver se vai querer se casar e me fazer de capacho após isso. 

       Meu pai finalmente notando minha impaciência se aproximou de nós, me oferecendo uma taça de vinho. Mal ele chegou Catherine se atirou deliberadamente em seus braços, com um sorriso amável no rosto que de forma alguma chegava aos seus olhos. Ela fez uma reverencia sutil, deliberadamente forçada. Virei toda taça em um gole, sentindo o liquido desagradável descer pela minha garganta como fogo. 

       Não é esse tipo de bebida que eu preciso.

        Fitei seu pescoço moreno por mais tempo que o apropriado.

— Olá Rei Donan!

— Catherine! - Meu pai beijou sua mão. - Que honra tê-la em meu castelo! Como vai seu pai?

— Bem, e sua esposa, Rainha Kenvia?

— Maravilhosa. Ainda mais agora que nosso garoto retornou para casa. - Ele deu um tapinha no meu ombro sorrindo. - Mas onde está Avalon? Tenho um assunto para tratar com ele.

— Creio que meu pai deve estar no jardim com minha mãe.

— Poderia fazer a gentileza de me levar até eles?

        Ele segurou o braço livre de Catherine gesticulando discretamente para que eu saísse. Ia seguir sua ordem no entanto Catherine apertou meu braço, me mantendo ainda mais preso a ela. Revirei os olhos por trás de suas costas, enquanto meu pai deu levemente de ombros.

— Na verdade Majestade, estava pensando em propor uma dança ao seu filho. Sei que não é muito apropriado, mas eu realmente queria muito dançar com ele. O senhor fica chateado se for sozinho?

        Meu pai sorriu e me lançou um olhar sacana. Soltou a princesa de seu toque, desistindo de me ajudar. Contive com muito custo um gemido de frustração, ele sequer tentou direito.

         Desgraçado.

— Não, de forma alguma. Desamarre essa cara e dance com a Princesa Catherine filho.

— Não acho apropriado. - Respondi com a voz fria.

— Eu sei que está de luto por sua noiva, é somente uma dança, prometo. 

        Catherine me fitou com os olhos brilhantes numa suplica silenciosa. Seus pensamentos cessaram, no entanto eu não precisava realmente ouvi-los para saber que estava tramando ficar comigo pelo resto da noite. A segurei pela mão e arrastei para o meio do salão, impaciente. Se  tínhamos que dançar que acabasse com isso de uma vez.

— Ok, somente uma música.

        Assim que os músicos trocaram de música, Catherine virou de lado e estendeu a mão direita. Imitei seu gesto, pegando sua mão sob a luva com asco. Ambos nos abaixamos um reverenciando o outro e entrelacei meus dedos nos seus de forma automática. Dançar bem era uma das obrigações menos apreciadas por mim como príncipe, contudo ainda assim era meu dever. Fazia parte da minha rotina desde criança, desde os seis anos revezava entre dançar com princesas e dançar com espadas, e eu nem preciso citar qual era meu preferido. E mesmo não gostando, o tempo me deu a destreza para me movimentar com maestria. Rodei com Catherine nos braços por toda aérea o mais afastado possível, meus braços bem abertos me mantinham a uma distância onde eu não precisasse realmente tocá-la mais do que o necessário. Minha mente vagava livre entre o sangue correndo em suas veias e a vontade de me afastar dessa humana desprezível.

         Na metade da música no entanto, ela me fisgou para perto dela e colou seu corpo no meu. Senti o sangue dela mudar de um azedume quase completo para uma pontada doce. Ela estava excitada. Por mim.

         E por mais que eu negasse sentia minha própria excitação correr por cada ponta do meu corpo. O vampiro em mim fazendo questão de ir contra todos os meus princípios cada segundo. Ponderei entre levar ela para meu quarto e rasgar de uma vez seu pescoço ou permanecer na festa. Mantive meus olhos em um dos enfeites que eu havia ajudado a organizar mais cedo, quase como um humano comum e suspirei frustado. Queria voltar a ser humano, só por um dia, só na minha festa e essa mulher mimada estava pondo tudo a perder. Assim que a música afastou peguei sua mão e beijei, efetuando uma rápida reverencia. E como que prevendo meu próximo movimento, ela segurou minha mão com veemência, me impedindo de me afastar.

— A última! - Sorriu cruzando os dedos. -  Te dou minha palavra.

        Catherine já começava a coreografia da próxima dança quando apertei seu braço de forma mais calorosa, exigindo sua atenção. A encarei com uma máscara de tristeza em meu rosto e os lábios curvados.

— Me perdoe Vossa Alteza, Princesa Catherine, mas receio ter que dar atenção aos meus outros convidados.

        Ela gargalhou de forma estrondosa, pegando uma taça de um dos garçons que passava, sem sequer lhe agradecer ou mesmo olhar seu rosto.

—  Um bando de plebeus carentes e alguns nobres miseráveis, todos insignificantes e facilmente dispensáveis.

        Soltei minha mão da dela de forma ríspida.

— São meu povo e eles são tudo para mim!

        Seu sorriso morreu imediatamente e sua boca estancou numa linha fina e trêmula. Não soube identificar se era por raiva ou arrependimento. Mas ela baixou um pouco seu queixo erguido e falou num tom um pouco mais humilde, porém não tanto quanto o desejável:

— Claro que sim, me perdoe Richard.

— Vossa Alteza Richard. - Corrigi, não me importando em ser grosseiro. - Nossa intimidade é semelhante a sua com Anastácia; Fútil, falsa e imaginária.

         Ela me encarou atônita. Dei as costas à ela e, num impulso de evitar uma reaproximação, cumprimentei uma outra princesa que nos encarava um pouco ao longe, a princesa do reino de Aullor. Ela sorriu para mim animada e, não demorou muito para que, um falso boato de que a festa tinha a finalidade de achar uma substituta para minha falecida noiva se espalhasse e, boa parte da minha bela noite se resumisse a dançar — contra minha vontade. — com todas princesas solteiras que estavam presentes. E depois com algumas filhas solteiras de nobres desdesperados. E ainda com algumas  mulheres casadas, insatisfeitas com seus casamentos..

          Ótimo, excelente! Tudo que eu preciso é que alguém me empurre uma nova noiva para que eu possa matá-la... 

         Beijei a mão de uma nobre senhora de uns oitenta anos alegando estar cansado e recusando, educadamente, seu convite para dançar. Ela se mostrou chateada e reclamou comigo, mas eu não aguentava mais. Faziam mais de três horas que eu estava girando pelo salão com uma e com outra. Me afastei, desejando-lhe que aproveite a festa. 

         Estava rindo sozinho dos seus pensamentos pervertidos relacionados a mim, algo como me amarrar a sua cama e rasgar minhas roupas, quando senti um cheiro familiar. 

        Uma mão delicada e receosa tocou meu ombro quase como se não quisesse realmente fazê-lo e ao virar, me deparei com uma Betania de rosto enrubescido. Seu cabelo cacheado cor de ouro se estendia até a altura do farto decote do vestido simples porém elegante. Seu sorriso realçava o brilho do tecido azul turquesa. Observei com aprovação o modo como as mangas abobadadas e o corpete realçavam os traços do seu corpo, ao passo que a parte de baixo rodada mantinha certo mistério. Tão diferente de como se vestia no dia-a-dia, vestida assim ela superava muitas das princesas com quem dancei. Ela se curvou numa reverencia exagerada, enquanto eu imaginava tudo que havia por debaixo de todo aquele pano e sua voz soou como a mais maravilhosa das vozes.

— Alteza. 

— Betânia. - Depositei um beijo em sua mão de forma demorada. - Não tenho palavras para descrever o quanto está deslumbrante nesse vestido. Pensei que não a veria esta noite..

        Ela corou e se mostrou relutante baixando o olhar. Imediatamente peguei seu rosto entre as mãos e a encarei dentro dos seus olhos Turquesas. Betânia segurou meus pulsos, contudo não me afastou. Manteve o olhar firme no meu de uma forma indecifrável. 

— Muito obrigada..

        Ela relutou por um segundo e suas mãos ficaram um pouco mais frias. Franzi o cenho numa tentativa de ler seus pensamentos de propósito, contudo nada aconteceu. Arfei frustado, teria que torcer pra ela me contar então. 

— O que foi?

— Não é nada. É só que....

— Seja o que for, pode me falar. Eu quero saber..

— Meu nome é Bethanny... - As maçãs de seu rosto delicado se acentuaram e ela balançou a cabeça negativamente de forma efusiva. -  Não quero parecer grosseira,  fico imensamente lisonjeada que Vossa Alteza lembre meu nome.  Mas.. o único que me chama assim é um soldado que gosta de mim.... e eu não gosto muito dele. - Ela botou a mão na boca subitamente se repreendendo e executou outra reverencia. -  Perdoe minha insolência Príncipe Richard, pode me chamar como quiser. É uma honra que Vossa Alteza me dirija a palavra.

        Então o soldado possessivo que dizia gostar de Bethanny e estava com ódio de mim mais cedo, sequer sabia o nome dela. Se ele queria ficar com ela, era o mínimo que ele deveria saber. E eu, ao ler sua mente, acabei copiando sua idiotice, ao invés de simplesmente perguntar-lhe o nome. 

        Inverti os papeis, passando a ser eu quem segurava seus pulsos, baixei seus braços de meu rosto e abri um caloroso sorriso. 

— Eu quem lhe devo desculpas, um erro inadmissível de minha parte. Bethanny soa muito melhor. E você não precisa me chamar de forma tão formal, refira-se a mim somente como Richard.  

— Não sei se devo...

— Claro que deve, estou te autorizando..

— Obrigada, Al... Richard.

        Ouvi seu coração bater descompassado. Eu nem devia estar falando com esta moça. Além do fato de alguém não ficar nada feliz com nossa proximidade ainda havia esse deslumbramento dela por mim. Mas eu simplesmente não conseguia ignorá-la. Ao invés de encerrar a conversa e tratá-la como uma serviçal qualquer, me vi desenhando lentamente um círculo nas constas da sua mão com meu polegar. Absorvendo o cheiro hipnotizador que ela exalava, um cheiro de um sangue extremamente doce misturado com o aroma de rosas. Subi o desenho para a altura do seu pulso, imaginando como seria cravar meus dentes ali.

       Isso não vai acabar bem.

— Vossa Al... quer dizer, você. - Sorriu. - Você deve estar cansado de tanto dançar. Fiquei cansada só em assistir...

         Cansado? Meus pés deveriam estar em carne viva a esta altura, contudo eu não sentia nada, nem suado eu estava, mais uma das vantagens de ser vampiro provavelmente. Ao invés de negar, confirmei com a cabeça, escondendo meu segredo. Mas ao pensar mais sobre o que eu sentia me dei conta de que embora, eu não me sentisse cansado fisicamente, não era de todo uma mentira.  Mentalmente estava esgotado. Dei de ombros.

—  Estou um pouco cansado sim, mas são os ócios do oficio. Faz parte das minhas obrigações de Príncipe... Mas e você? Por que estava me assistindo ao invés de estar dançando?

— Não quis dançar com aquele soldado e ninguém mais me convidou. As vezes eu tenho a impressão de que ele não permite que se aproximem de mim...

        Ia concordar com ela quando minha mãe apareceu, mais elegante que nunca em seu vestido vermelho e dourado. Seus olhos verdes brilharam de forma misteriosa, mais até que as grande jóias cravejadas em seu pescoço ou mesmo a grande coroa no topo de sua cabeça. Ela alternou o olhar entre mim e Bethanny, arqueando levemente uma sobrancelha.

— Vossa Majestade..  

         Segurei Bethanny pelo braço com força, quando ela tropeçou nos próprios pés e quase caiu no chão. Seu sangue mudou levemente de cheiro e passou a correr de forma mais ativa, sua boca se curvou levemente para baixo até formar uma linha reta e forçada. Micro-gotículas de suor brotarem por todo seu rosto e extensão do pescoço, colo e mesmo pelo belo par de seios e sua respiração se tornou um pouco mais pesada.  A minha mãe a deixava nervosa, muito nervosa. Jamis notaria se eu não fosse um Vampiro, no entanto em minhas atuais condições era muito perceptível. Peguei sua mão, tentando acalmá-la. Mas o suor do rosto só se agravou. Minha mãe a fitou preocupada.

— Você está bem moça?

— S-sim Majestade.

— Que ótimo! - Ela me fitou brevemente depois voltou seu olhar para Bethanny. - E eu posso saber quem é esta adorável jovem nesse lindo vestido? És Princesa de qual reino querida?

        Bethanny sorriu sem graça.

— É uma amiga minha. - Respondi.

— Sou sua subordinada senhora, trabalho aqui no castelo.

        Ela se remexeu no lugar se sentindo desconfortável. Minha mãe me encarou de forma indecifrável durantes alguns segundos e seu rosto se iluminou em um sorriso. 

— Aqui? Não lembro de ter visto jovem tão bela. 

— Obrigada Majestade.

— Receio ter de interromper os dois mas gostaria que meu filho me acompanhasse ao jardim. Ele ainda nem foi cumprimentar os convidados lá fora. A senhorita se importa se eu lhe roubar meu filho por um tempo? Depois ele retorna

— Eu?! - Bethanny me encarou corando. - Não, de maneira alguma Majestade.

— Prometo que ele retorna depois, não é Richard?

         Fitei Bethanny, tão intimidada por nossa presença e tentei lhe passar o máximo de confiança com meu olhar. As palavras acabaram escapando por meus lábios involuntariamente:

— Claro, quero dançar com você mais tarde. - Acrescentei rápido, lembrando de nossa conversa mais cedo. - Por vontade minha, não por minha obrigação como príncipe.

        O que você está fazendo Richard?! Se afaste da moça.

— É serio? - Questionou com os olhos brilhando.

— Sim, é uma promessa. - Beijei sua mão brevemente. E dei-lhe um ultimo sorriso. - Agora se me der licença, tenho mais obrigações a cumprir.  

          Ofereci meu braço à minha mãe e segui em direção a saída principal, abrindo caminho pelo centro do salão, pensando nas possíveis consequências do que eu acabara de prometer. 


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Notas finais do capítulo

É isso, espero que tenham gostado. Se ficou alguma coisa ruim ou incoerente por favor me avisem.. Nos vemos no próximo!



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