Perambulando sem rumo na penumbra da noite estava um vampiro muito mais antigo do que o próprio calendário. Um espectador assíduo do tempo; ele assistiu reinos inteiros serem construídos e ruírem, pessoas nascerem e morrerem, lagos secarem e montanhas surgirem. Ele amou e lutou, deu seu sangue e sua vida. Participou dos maiores eventos históricos que já aconteceram.  Agora a imortalidade cobrava seu preço. Sangue, era tudo em que ele conseguia pensar enquanto caminhava.

           Quando um vampiro tem sede nada mais importa, nada tem mais valor além do precioso liquido escarlate, a única coisa capaz de lhe preencher o vazio que o tempo e as recordações lhe deixaram. 

            O vento lhe trouxera o inigualável aroma e o desviara de seu caminho. Assumindo seu papel de predador, ele correra pela estrada repleta de lama, a chuva lhe caindo sobre a face antes de acometer o solo. Guiado pelo cheiro característico, o vampiro ficou surpreso ao se deparar com um pequeno vilarejo próximo de seu curso.  Ele se escorou pelas casas amparado pelas sombras e subiu em um singelo telhado. Correu os olhos pelas ruas quase desertas e avistou um homem sozinho, uma presa fácil para alguém com alguns milhares de anos de experiencia. Ele ameaçou pular sobre o homem. Tinha o ângulo perfeito, o vento e escuridão em seu favor... Contudo algo o impeliu a recuar.

— Conheço este rosto.

           A curiosidade vencera temporariamente a sede e o vampiro passou a observar faminto o Rei da cidade de Whaskar, imaginando o que alguém como ele fazia sozinho em uma viela imunda, distante de seu reino. Algo lhe dizia que não era boa coisa. O vampiro se sentou a beira do telhado, silencioso como uma sombra e esperou pelo que pareceu horas. Cansado da monotonia, ele enfim levantou e ponderou os prós e contras de rasgar a garanta do rei, e a repercussão que tal ato proporcionaria. 

— Não, melhor um alvo de menor visibilidade.

           Estava prestes a partir, quando avistou um homem com uma capa preta na bifurcação da viela. O homem olhou pros lados nervoso e adentrou o beco escuro se juntando ao outro. O rosto coberto pelo capuz impedia que o vampiro o reconhecesse e aumentava sua curiosidade. Ele se esgueirou até a beira do telhado a fim de ouvir e ver melhor. A sede sempre atrapalhava seus sentidos, temia perder algo importante.

           Ambos se cumprimentaram discretamente de forma não muito intima e com certo desconforto. Eram inimigos e pareciam tramar algo, e isso foi o bastante pra fazê-lo descer do telhado e se esgueirar pelas sombras, mais perto daquelas frágeis criaturas.

           Se tinha algo que lhe tirava do massante tédio da imortalidade era ver os humanos se destruírem, ver o emaranhado de mentiras e traições em que eles se envolviam por poder e coisas que a ele não possuem a menor significância. E esses dois aparentavam ser bastante gananciosos, dispostos a passar por cima de qualquer e isso lhe enchera de excitação. 

            Ele se pôs a escutar a conversa mais atentamente. 

— Você demorou, sabe que não posso ficar muito em público, chamo muita atenção. -Disse o rei brincando com os dedos, ansiosamente. - Que informações trouxe pra mim? Espero que sejam boas notícias.

— O Rei Donan está doente...

— Doente! Mas isso é péssimo! - Ralhou o Rei frustado. - Preciso que ele vá a esse confronto, preciso das tropas dele, preciso que se renda.

           O homem do capuz apenas deu de ombros. As mãos do rei tremiam em frustração e seu sangue, o vampiro sentiu,  transcendeu para um cheiro forte que lhe causava ardor. Ele estava com raiva, muita raiva.

— Se me permite perguntar Majestade, para que precisa das tropas dele?

— Não é de sua conta. Lhe pago para me trazer boas notícias, não esta merda que acabo de ouvir.

            Poder, pensou o vampiro. Um humano que deseja tropas só almeja poder. Mas sendo ele o Rei do maior reino, para que precisaria de mais? 

— Mas eu não terminei, Majestade. - O Rei ergueu um sobrancelha, ligeiramente curioso. - Ainda haverá o confronto, Vossa Alteza Príncipe Richard se ofereceu a liderar a tropa em seu lugar.

— O garoto? Mas ele ainda não tem idade. - O outro homem deu de ombros. - Pois bem, não era o planejado, porém acho que é melhor desta forma. Se ele estiver ganhando, mate-o. Pouco provável com sua inexperiência em combate, mas eu não posso arriscar e não estarei lá para matá-lo pessoalmente. - Ele deu um meio sorriso perverso. - A não ser que você seja apegado ao seu Príncipe. 

— De forma alguma, majestade. O matarei de forma limpa e rápida.

— Excelente, faça isso e terá ouro suficiente para dez gerações em sua família.

          Com uma breve despedida formal os homens se foram, cada um para o seu lado. O vampiro permaneceu nas sombras, pensando na emboscada que eles haviam planejado. Lembrou-se do Príncipe a qual eles se referiam, havia visto ele uma ou duas vezes. Um rapaz habilidoso, inteligente, jovem e ingênuo, caminhando para uma emboscada mortal. Aquela seria o momento de agitar um pouco as coisas em sua existência infame, também uma ótima oportunidade para fazer algo que ele vinha planejando fazer a algum tempo.

           Na manhã seguinte o Vampiro não se conteve e fez uma breve visita ao Reino de Windheart. Ele se acomodou atrás de uma árvore e passou horas observando o garoto praticando no Jardim do castelo. Concentrado, o príncipe manuseava a espada e treinava seus homens como um rei experiente ou mesmo um general. Richard cortou o ar e se esquivou de um inimigo imaginário, quase ficando frente a frente com seu futuro mestre. O Vampiro sorriu satisfeito com tudo o que vira, o garoto era incrível; Silencioso, misterioso e sorrateiro, como um pertencente nato do reino das trevas. Ia ser trabalhoso para o inimigo, derrotá-lo de forma honesta e justa.

  - Richard... - Testou o nome de seu futuro servo em seus lábios, jogando a frase ao vento em uma promessa doentia. - Você será meu.  

           Ele o desejava agora que o vira bem mais do que antes. Não sabia como agiria ou mesmo o local do confronto, mas tinha certeza que estaria presente, seguindo o pútrido rastro da morte. Lá encontraria tudo o que procurava.