“O mal é doce no começo, mas amargo no fim.”

Texto Judaicos

Jhameel- Feisty

Como Darya havia previsto a parte formal do baile acabou com fluidez e rapidez que pode ter espantado as moças desacostumadas aquele tipo de festa, antes que elas percebessem os clássicos de violino e piano se tornaram batidas dignas de uma boate e a maioria dos presentes não tem mais de 35 anos de idade, com poucas exceções. Ao invés da valsa e dos casais nobres e selecionadas dançam bem mais livremente entre si, alguns até arriscando passos mais sensuais, e o som de risos só não é mais ouvido em decorrência da música.

Por pura responsabilidade os príncipes dançaram ao menos uma música no novo ritmo, mas os únicos que realmente parecerem se divertir com o fato são os gêmeos britânicos e até certo ponto Patrick, Dimitri parece totalmente perdido no ambiente e Alberich estatou claramente seu desgosto por qualquer tipo de dança- Mesmo que ele tenha sido arrastado para a pista mais vezes do que o normal e não apenas por sua irmã, Julia pode totalmente atestar que o norueguês tem algumas selecionadas bem corajosas e persuasivas. Das selecionadas a maioria não precisou de muito argumento para aproveitar a diversão, Aideen foi facilmente puxada por uma enérgica Alasca e uma Bianca mais relutante, Melissa foi convencida pela alegria contagiante de Maeve e Amaterasu não teve muito de uma escolha, duas músicas sentada em seu canto e foi literalmente arrastada até a pista por um risonho príncipe Anthony.

Agora a galesa finalmente se desvencilhou da massa de corpos e faz seu caminho até uma das mesas depois de pegar algo para matar a sede- Refrigerante, Runa não tem a menor intenção de acordar de ressaca-, seu rosto normalmente pálido e de expressão serena corado levemente e ela não pode evitar um pequeno sorriso que lhe toma os lábios, não pode negar que foi divertido dançar daquele jeito sem se preocupar com mais nada, mesmo depois de se afastar do príncipe ainda ficara um pouco com as demais selecionadas e ficou satisfeita com isso, não é seu modo preferido de passar a noite e não acha que vá ser algum dia porém não é nenhum tipo de tragédia também, o espaço da pista está lotado demais para seu gosto, mas ao menos a música não é agitada ao ponto de ser desagradável.

Achou fácil uma mesa para se sentar e logo identificou a pessoa loira já a ocupando, Aileen tem um sorriso brilhante dirigido a nada em particular e sua respiração está ainda voltando ao normal depois da última música, as duas conversaram por um bom tempo antes e a nobre já a considera uma companhia agradável, apontou para uma das cadeiras:

—Posso?

—Claro Amaterasu! Tendo uma boa noite? - A irlandesa esticou as pernas e inclinou a cabeça para encará-la melhor

—Pode-se dizer que sim, diferente do que eu esperava mas não de um jeito ruim. E você? Cansou de dançar?

—Por enquanto sim, melhor recuperar o fôlego antes de continuar não concorda? Melhor não piorar o que já é ruim. E por minha parte estou adorando o baile até aqui, bem mais proveitoso do que eu pensei que seria.

—Não acho que eu vá voltar- Balançou a cabeça- Danças e multidões não são minha zona de conforto e acho que já esgotei meu limite por hoje, mas o baile num todo foi muito proveitoso, mais do que eu imaginei.

—Mesmo? E o que aconteceu durante sua dança com o príncipe? – Aileen perguntou com um arquear de sobrancelhas- Alguma coisa boa com certeza e dada as circunstâncias... Oh ele te chamou para um encontro não chamou?

Amaterasu balançou a cabeça ainda impressionada com esse lado em particular de Aileen, para ser honesta ela não esperava que a jovial e irreverente irlandesa se revelasse uma companhia com a qual fica confortável, mas enquanto ela é indubitavelmente uma pessoa alegre Aileen tem um olhar incrivelmente afiado e uma habilidade de deduzir as coisas que impressiona qualquer um, Runa admite que isso é parte do motivo que fez mais fácil a conversa entre elas, enquanto não tem enormes problemas com pessoas animadas elas tendem a cansá-la depois de um tempo e esse lado observador de Aileen alivia sua energia natural- Ao mesmo com Runa, não sabe se Aileen gosta de sua companhia ou só é educada demais para cortá-la então ainda não sabe o quanto deve falar. Percebeu que estava em silêncio a tempo demais quando a voz de Aileen a despertou de suas divagações:

—Você é do tipo que se perde fácil em pensamentos não é não? Aposto que fica meia hora lendo um mesmo parágrafo.

—Oi? Me distrai, sinto muito- Runa se desculpou e completou arqueando uma sobrancelha- Mas sim o príncipe me convidou para um encontro. E o que isso quer dizer?

—Eu falei aquilo em voz alta? – Aileen pareceu tão mortificada que Runa quase riu- Não quis dizer de um jeito ruim, só que você deve começar a imaginar mil coisas e esquecer de continuar lendo, me parece o tipo de fazer isso.

—Nenhuma ofensa- A galesa a consolou com sinceridade- E é verdade, eu sou do tipo que se perde em meus pensamentos e você me parece o tipo que fala os seus sem perceber.

—Culpada- A outra suspirou dramaticamente antes de mudar de assunto, um sorriso nos lábios- Então eu acertei? Quem diria, sem ofensas mas eu achei que o príncipe ia convidar Amelia.

—Eu também achei- Runa de ombros- Mas aparentemente nós duas nos enganamos quanto a isso, só quero ver em que tipo de encontro vou ser levada. E você? Algum progresso com o príncipe?

—Ele me convidou para um encontro- O sorriso de Aileen ganhou uma borda vitoriosa inegável- Também estou curiosa para saber o que ele planeja, o tipo de encontro preferido de uma pessoa pode dizer muito sobre ela.

—Eu acho que para você tudo pode dizer muito sobre uma pessoa Aileen- A galesa comentou com um arquear de sobrancelhas- É muito mais observadora do que parece à primeira vista, agindo do jeito que age.

—Não tem porque não ser os dois não? - A irlandesa a encarou por alguns segundos com uma expressão séria antes de sorrir de lado- A vida é muito curta para ficar olhando ela passar preocupada em ser levada a sério, se você for capaz então é capaz não importa se seja vivendo rigidamente ou se acabando na pista de dança.

Runa assentiu com um ar pensativo nos olhos azuis vibrantes pesando o que Aileen havia dito, não tem dúvidas que concorda com suas palavras, nunca foi uma de se preocupar em atender as expectativas alheias em sacrifício de seu próprio conforto ou morais e mesmo não sendo de feitio fazer algo que possa fazê-la ser julgada erroneamente- A menos que seja de frígida ou insensível, não é surda aos sussurros- pode entender que isso seja algo para alguém como Aileen que mesmo tão inteligente não parece ter problemas em rir ou fazer o que lhe dá vontade, por fim dirigiu um pequeno sorriso a loira:

—Carpe diem. Não é assim que dizem?

—Minha filosofia de vida- A seleciona sorriu mais abertamente- E agora que eu já estou hidratada e descansada a pista de dança me aguarda, diga-me que vai se juntar a mim?

—Eu não tenho coordenação para dançar, já preenchi minha cota por um longo tempo, acho que vou ficar aqui mais um pouco antes de me recolher- Amaterasu afirmou se reclinando na cadeira- Mas aproveite sua dança.

—Oh por favor não precisa dançar como uma bailarina, se você me visse dançando saberia do que estou falando, mas não é para ser bonito essa parte já acabou, agora é para ser divertido— Aileen revirou os olhos se levantando e parando a sua frente- Carpe diem esqueceu? A vida também é muito curta para ficar olhando os outros dançarem por vergonha de se juntar a eles.

A galesa não chamaria o que sente de vergonha ou medo, é algo que simplesmente foge de sua zona de conforto e de muitas coisas que vem mantendo a anos, Amaterasu gosta do silêncio, de ambientes calmos com poucas pessoas, música calma, essa balada é algo novo e ela não sabe se gosta totalmente. Mas Aileen está sorrindo ainda, confiante de um jeito natural e envolvente, e Runa pensou em ficar ali sozinha em meio a tantas pessoas vendo todas elas conversando e se divertindo e não gostou da ideia, já é ruim se sentir uma estranha no lugar onde vive não precisa aguentar isso ali, então com um suspiro e com uma quase hesitação se levantou:

—Certo, mas só mais um pouco já estou ficando cansada.

—Ótimo! Mais umas três músicas e eu prometo te deixar em paz- Aileen disse voltando à pista

E a selecionada morena percebeu que elas acabaram num canto mais isolado da pista, longe não só dos olhares da maior parte das pessoas mas também de seus corpos, e não pode evitar um sorriso agradecido lhe surgindo aos lábios. Porque ela também percebeu que Aileen fez de propósito.

Com o retorno de Aileen e Runa a maioria das selecionadas e príncipes encontra-se na pista de dança assim como o círculo íntimo dos príncipes britânicos, pela primeira vez na noite misturando-se numa facilidade surpreendente, não preocupados com distância e tratamento formal. Alasca sente-se satisfeita ao perceber tal fato e tem total intenção de se aproveitar desse clima de descontração para tirar a prova suas primeiras impressões sobre aquelas pessoas com quem vai conviver por um período indeterminado de tempo, não precisou esperar muito até ter sua chance na pista de dança mesmo. Estava rindo de alguma coisa que Amelia dissera quando sentiu um corpo esbarrar no seu desequilibrando-a- E ficou eternamente grata de ter tirado aquela abominação de sapato, caso estivesse com eles teria ido ao chão com certeza:

—Opsss... Desculpe senhorita- Uma voz masculina com um leve sotaque comentou- Não foi minha intenção.

—Nenhum dano feito alteza, só um esbarrão- A selecionada afirmou percebendo a coroa nos cabelos dele e reconhecendo o herdeiro alemão- Estamos numa pista de dança acontece.

—Que bom, seria matéria de capa se eu te derrubasse- Ele comentou rindo e se aproximando mais dela para ser ouvido acima da música- Mas escândalo acima, se eu caísse por cima não seria tão ruim.

—Isso é uma tentativa de flerte alteza?- Ela arqueou as sobrancelhas parando de dançar para cruzar os braços- Porque não é nada adequado flertar com uma selecionada.

—Talvez seja, talvez não! – Ele comentou tirando os cabelos longos do rosto- Não tem mais ninguém vendo, não seria inadequado apenas se fosse óbvio?

—Em primeiro lugar vossa alteza está bêbada e outros vendo ou não ainda é inadequado- Alasca comentou rindo da lógica dele- Em segundo nem mesmo se apresentou o que é uma imensa falta de educação e em terceiro é uma cantada abominável.

—Eu sou mais criativo quando estou sóbrio, posso tentar de novo depois se a senhorita quiser- O rapaz riu com bom humor- Ah, mas eu sei quem a senhorita é e eu tenho certeza que você também sabe, para que perder tempo com introduções?

—Uma proposta tentadora, mas acho que vou passar príncipe Niklaus- Ela balançou a cabeça voltando a se mexer no ritmo da música- Oh? Então já sabe meu nome alteza?

—Uma pena então, eu tenho certeza que meu eu sóbrio ia ter cantada incríveis para uma beldade como você- O alemão comentou se dando por rendido- Sei sim, senhorita Alasca da Irlanda do Norte, tenho certeza que está concorrendo por um dos príncipes loiros, mas não lembro qual.

—Vou considerar isso como um elogio- Ela riu balançando os quadris com a batida- Impressionante alteza, estou na Seleção do príncipe Dimitri alias. É sempre assim com as pessoas ou eu devo me preocupar?

—Um elogio vindo de mim é um presente dos céus querida assim como você- Niklaus piscou para ela acompanhando seus movimentos- Sempre assim, não sou um stalker eu te garanto, mas com olhos desses é um incentivo a mais.

—Pensei que tinha dito que não ia mais flertar alteza- Alasca comentou revirando os olhos na direção dele, um sorriso nos lábios

—Quem disse que não estou só falando a verdade? – O alemão tentou manter uma expressão séria, mas falhou miseravelmente- E meu eu bêbado não é bom em fechar a boca também, a menos que a boca de alguém esteja na minha é claro.

—Então espero que não esteja com sede alteza, minha boca não vai chegar nem perto da sua- A selecionada comentou- E talvez devesse parar com o vinho ou o que quer que esteja na taça, ninguém merece um bêbado pervertido.

Niklaus olhou para a taça em sua mão- A qual Alasca não tem certeza de como não deixou cair ainda- e para ela que manteve o contato visual sem medo, por fim o alemão fez um gesto de mãos que chamou um criado que passava por perto e deixou na bandeja sua taça pela metade sem nem hesitar. Alasca tomou isso como um bom sinal, ouvira falar muito do libidinoso príncipe alemão e nem tudo eram rosas, mas mesmo com seus flertes a distância entre eles é respeitosa o suficiente e em nenhum momento Niklaus fez menção de tocá-la o que indica que ao menos ele não está bêbado o suficiente para perder noções, sua fala é ligeiramente arrastada e seus movimentos indicam uma intoxicação, mas mesmo Alasca não sendo acostumada com gente bêbada pode adivinhar que ele não ultrapassou muito o limite:

—Melhor assim? – Ele questionou voltando sua atenção a ela- E sabe, não são muitas garotas que chamam um príncipe de bêbado pervertido isso poderia te dar uns problemas não acha?

—Muito- Concordou e não pode evitar um sorriso leve ao replicar- Não disse que você é um bêbado pervertido alteza e mesmo se tivesse dito o que faria? Não seria a verdade se interpretando as circunstâncias?  

Alasca o encarou com coragem e um pequeno sorriso, ainda mexendo-se no ritmo da música mesmo sem estar realmente dançando, avaliando a expressão dele. Ela é boa em ler as pessoas e arriscados ou não seus comentários não são impensados ou sem fundamentos, Niklaus tem uma postura relaxada e não mostrou qualquer sinal de raiva ou indignação por suas palavras, se está correta ele está simplesmente a provocando sem qualquer malícia por trás, sem falar que não teria acatado e largado a bebida simplesmente para ficar irado por suas palavras:

—Ohhh temos uma corajosa aqui entre nós- Niklaus comentou e Alasca ficou sem saber se o erro era pela bebida ou pela língua- E usar semântica contra um bêbado é golpe baixo viu? Mas é uma boa tática, tiro meu chapéu figurativo para você.

—Obrigada alteza- Ela riu- Eu faço meu melhor sabe? E você não está tão bêbado assim parece, se consegue pronunciar semântica tão bem.

—Isso porque eu não tomei mais duas taças- Os lábios dele se alargaram com diversão- Aí você ia ter que saber alemão para entender metade das minhas frases.

—Que bom não termos chegado a isso, seria comicamente trágico visto que eu não tenho noção alguma de alemão.

—Pena, metade das minhas cantadas soam melhor em alemão.

—Você simplesmente não consegue se segurar consegue alteza? - Alasca comentou arqueando uma sobrancelha

—Não- Niklaus respondeu prontamente sem qualquer vergonha- E nem tento, a vida tem mais graça desse jeito.

E conforme a conversa fluiu Alasca se viu se divertindo com o rapaz bêbado, ele flertava descaradamente porém tinha aquela energia contagiante que te fazia rir ao invés de ficar brava e não pareceu nenhum pouco ofendido com os comentários mais afiados dela, em fato pareceu aprovar eles, se Niklaus for parecido com isso sóbrio Alasca tem a impressão que vai gostar de conversar com o herdeiro alemão. Entre passos de dança e conversas perderam a noção do tempo, foi só quando um dos outros nobres chegou- O rapaz loiro que Alasca sempre vira ao lado do príncipe Edmund- para garantir que Niklaus não varasse a noite e passasse o dia todo de ressaca que eles perceberam a hora, se despediram com sorrisos e a selecionada voltou alegremente para perto de Bianca e Aideen, um pouquinho mais de diversão e ela própria estará pronta para dormir em sua nova e muito macia cama.

Não só Alasca se prepara para encerrar a noite como muitos dos convidados e algumas das selecionadas fazem, ou já fizeram, o mesmo. Charlotte está definitivamente se contando nesse grupo, está verdadeiramente e completamente cansada tanto física quanto emocionalmente depois de longas horas no baile conversando e dançando com tantas pessoas que os rostos já começam a se misturar, pode ser somente adotada porém carrega um título consigo e isso chamou a atenção- Ou talvez exatamente por ser adotada, boatos se espalham rápido e o que antes não passava de uma fofoca local já caiu nos ouvidos de enviados do mundo todo-, a conversa com o príncipe fora um evento intrigante para dizer o mínimo e mesmo desconfiando de só ter sido convidada a um encontro por seu título está sentindo-se orgulhosa do fato, é um bom primeiro passo no fim das contas.

Sua saída passou despercebida e ela ficou grata, caminhou pelas escadas com calma mesmo sentindo os pés doendo em saltos altos e um tanto apertados demais- Teria que pedir as criadas um número mais largo, parecera confortável no começo, mas após horas não vê a hora de arrancá-los-, chegou até o meio das escadarias quando um passo em falso quase a desequilibrou, agradecendo por não ter bebido conseguiu segurar no corrimão a tempo sentindo o coração acelerar pelo susto. Deu um suspiro longo para se acalmar quando alguém limpou a garganta próximo a ela:

—A senhorita está bem? - Um rapaz em uniforme de guarda perguntou parecendo preocupado- Eu vi que quase caiu.

 -Sim, foi só um susto- Charlotte sorriu para ele um tanto envergonha de ter sido pega assim- Não estou bêbada se é com isso que está preocupado.

—Já vi minha cota de pessoas bêbadas senhorita e sei que não é uma delas- Ele inclinou a cabeça, um leve sorriso nos lábios- Precisa de ajuda para chegar ao seu quarto?

—Obrigada pela oferta, mas acho que posso conseguir sozinha.

O guarda assentiu e com uma mesura começou a descer as escadas, com cuidado a selecionada endireitou a postura e tentou subir mais um dos muitos degraus só para perceber que aquela pausa fora um tanto longa demais, foi só dar o segundo passo que sentiu os pés doendo além do limite aceitável, com uma careta de dor voltou a se encostar na parede e virou-se na direção que o guarda seguia e o chamou em voz alta:

—Com licença senhor- Quando ele se virou em sua direção continuou com um sorriso cansado- Eu acho que me precipitei um pouco, uma ajuda seria deveras apreciada agora.

—É claro senhorita, estou aqui para auxilia-las afinal de contas- Ele se aproximou em passos rápidos até parar ao seu lado- Está com algum problema específico?

—Saltos já são um problema, mas estes em especiais estão apertados demais.

—Será que não seria melhor tirá-los? - O tom foi respeitoso, mas o arquear incrédulo das sobrancelhas dele deixou claro que achava-a louca por já não o ter feito.

Charlotte hesitou um pouco, mas por fim assentiu e se inclinou para retirar os saltos sentindo um alívio instantâneo ao ver os dedos livres esticando-os com um suspiro. Ficar descalça não é algo que faça frequentemente, foi ensinada desde nova que ladys tem uma imagem específica a manter e sapatos devem permanecer em seus pés até estar em seus aposentos mesmo que sejam incrivelmente desconfortáveis, uma mulher da nobreza deve saber manter uma imagem e por não ter sangue azul Charlotte sempre tentou seguir todos os ensinamentos à risca, como se assim fosse ser melhor vista por aqueles que a cercam. Mas esse pode ser o momento perfeito para uma exceção decidiu, está cansada e é tarde da noite, ninguém pode culpa-la por querer aliviar os pés cansados:

—Ah sim, bem melhor- Olhou para o guarda que a espera pacientemente com curiosidade- Posso saber seu nome senhor? O meu é Charlotte Mikaelson.

—O prazer é todo meu senhorita Charlotte, sou Charles Vidart- Ele fez outra mesura antes de lhe estender o braço- Será que assim fica mais fácil para a senhorita?

—Obrigada, assim está ótimo eu só preciso de um pouco de apoio- Ela aceitou o braço oferecido segurando os sapatos com a outra mão- E o prazer é definitivamente meu, não sei como subiria isso com meus pés nesse estado.

—Não tem pelo que agradecer senhorita, estou cumprindo um dever. E não é a primeira moça que eu tenho que ajudar, não nessa noite mas já tenho experiência com os danos de um salto, mas admito que reclama bem menos- O sorriso que surgiu nos lábios dele falou de memórias divertidas e a deixou curiosa

—É mesmo? Bom isso me faz me sentir melhor então! Mas acredite vocês homens tem muita sorte de não terem que sofrer com certos tipos de sapato, alguns são pura propaganda enganosa.

—Isso é terrível senhorita, estou feliz com minhas botas e tênis, não tenho a mínima curiosidade de testar suas palavras.

Charlotte riu e os dois começaram a fazer o caminho pela escada, não excessivamente lentos porém mais devagar do que qualquer um andaria em situações normais, o chão gelado faz maravilhas pelos pés da selecionada e ela se arrepende de não ter tirado aqueles instrumentos de tortura mais cedo. Charles é um apoio sólido e silencioso, respeitando o óbvio cansaço da selecionada sem fazer com que o clima fique pesado com expectativas de conversa e por isso ela é grata, relaxou os ombros e indicou a direção de seu quarto quando chegaram ao andar designado as selecionadas.

Andando de braços dados com um guarda e os sapatos de salto na mão Charlotte percebeu que nunca esperou que a noite terminasse desse modo e quase riu imaginando que cena cômica não deve estar sendo. Perguntou-se se mais alguma garota está tendo uma experiência tão inusitada.

Honestamente Bella não tem ideia de como exatamente ela entrou em sua situação atual conversando não com um convidado ou mesmo uma selecionada, mas com uma das criadas da família real inglesa. Talvez tenha sido sua tendência a ignorar a concorrência- Em sua defesa pelo que viu a maioria daquelas garotas é mais adequada esperando o príncipe numa torre do que atualmente lutando por uma coroa e isso é algo que não pode suportar por longos períodos de tempo- ou o fato de a maioria dos nobres já ter se retirado antes da balada realmente começar e os que ficaram ou estão bêbados ou entretidos na pista de dança, o que importa é que após algumas danças a atriz se retirou para uma das mesas vazias nos cantos do salão, longe dos olhares curiosos dos outros e lá ela encontrou sua atual companhia.

Elise Willians não parecia nada interessante a primeira vista e nem mesmo prestou atenção a selecionada quando parou próxima a ela, simplesmente se encostou na parede segurando uma bandeja vazia com um aperto fortíssimo, uma expressão turbulenta no rosto. Arabella foi quem puxou conversa, entediada além do limite, simplesmente porque a outra parecia um bom alvo para provocar e quem sabe conseguir alguma emoção- O príncipe fora um querido, Bella ainda tem vontade de rir ao pensar em quão honesto e inocente ele parece ser em questões sociais e emocionais, vai ser mais fácil do que ela pensou. E foi como começou, em algum momento a conversa acabou num ponto decisivo:

—Selecionadas... Acham que são tão especiais em seus vestidos e saltos conversando com ele como se fosse a coisa mais natural do mundo- Elise murmurou e Bella nem se lembra do que disse para gerar essa reação

—E o que tem de errado nisso? Não foi um sorteio honesto? - Arabella riu das próprias palavras- E quem seria “ele”? O príncipe Anthony ou Edmund?

—Honesto... Escolheram por posição social, por beleza, por inteligências e jogaram algumas plebeias para dar uma boa imagem- Os olhos dela se fecharam e sua voz carregava mais tristeza do que raiva- Não é justo, eu o conheço melhor do que elas irão em suas vidas, não é justo.

—Justiça e boa imagem não se misturam Elise- Como atriz Bella tem ainda mais consciência disso que a maioria- O mundo é daqueles que nasceram com o poder ou o conseguiram.

—Acha que não sei disso senhorita? - A criada desdenhou- Acha que não sei as diferenças entre mim e Anthony? Que nunca poderei ser para ele o que Lady Savernake é?

O uso do primeiro nome não passou despercebido a Bella e ela entendeu a garota com mais clareza do que nunca, não era raiva contra um sistema injusto e de falsas promessas de igualdade ou mesmo preocupação quanto ao emocional do príncipe, Elise estava sendo egoísta, se tiver que apostar a inglesa dirá que a criada tem ao menos uma paixonite pelo príncipe- Nada é mais perigoso ou destrutivo quanto o amor, isso ela aprendeu com dolorosa e amarga experiência, ele te muda com promessas suaves e uma vez que a mudança está feita ele te quebra por ser uma mentira. Arabella não sentiu simpatia por Elise, mas uma parte dela se identificou com a garota:

—Hmmm suponho que tenha razão- Deu de ombros- Mas o que pretende fazer sobre isso? Reclamar aos quatro ventos, fazer birra?

—E tem algo que eu possa fazer senhorita? Uma criada é uma criada e nosso trabalho é servir quem nos paga não expressar opinião ou desagrado para não acabar no olho da rua.

—Mas quem disse que você tem que deixar por isso mesmo? Nem toda vingança tem que ser óbvia- Bella comentou jogando os cabelos para trás- Um vestido arruinado, um papel perdido, quem sabe que consequências isso não pode trazer?

A selecionada avaliou a criada pelo canto do olho esperando para ver sua reação, Elise parecia uma daquelas mocinhas bobas que arregalariam os olhos e ficariam escandalizadas com a mera ideia de tentar magoar alguém, mas Arabella não demorou a perceber que isso é apenas aparência, o rosto da garota se iluminou com suas palavras e o sorriso em seus lábios não foi anda senão predatório:

—A senhorita está certa não está? Tantas coisas que poderiam dar errado, tantos corpos dançando juntos que não seria impossível um esbarrão acidental que gerasse uma pequena tragédia.

—Com certeza, acidentes acontecem a todo momento- A selecionada concordou analisando o salão- E o que seria um vestido perdido para uma nobre endinheirada?

—Nada- Havia amargura no tom da criada, mas suas próximas palavras foram mais frias- E por isso não vale a pena, um vestido arruinado não é nada para elas, um ato banal sem consequências e que não vale a pena.

—E quem seria uma vítima melhor então? - Arabella não conseguiu esconder o sorriso malicioso nos lábios

—Oh não sei senhorita, o vestido da senhorita Alyssa é tão bonito e ela parece uma moça tão boa, seria uma pena se uma bandeja com taças de vinho caísse sobre ela.

Se Arabella não soubesse o contexto exato da conversa não veria nada no comentário senão pura inocência, Elise transformara aquela dureza e inveja em seus rosto em uma expressão inocente que se enquadra perfeitamente com suas feições de menininha, olhos castanhos chocolate não transmitindo nenhuma emoção que possa ser interpretada como negativa. O que Bella não encontrara entre as selecionadas tem total certeza que encontrou com aquela criada e uma parte dela está se lamentando por isso- Quão interessante não seria se Elise realmente estivesse na competição? :

—Azul e vermelho são cores tão patrióticas- A selecionada concordou- Uma pena, oh que pena seria se alguma coisa fizesse aquela adorável mocinha chorar.

Selecionada e criada se encararam por alguns instantes, uma em um vestido glamuroso e a outra em roupas de trabalho, duas garotas de vidas e papéis tão diferentes que em tudo mais são completos opostos, mas naquele momento a conexão foi estabelecida e para o bem ou para o mal- Sabendo disso ou não- Arabella e Elise se tornaram aliadas