New Hampshire —Little Raccon High

Oito dias atrás…

Imagine que se você crescesse em um lugar cujo suas escolhas eram poucas e o conceito de um bom cidadão fosse imensamente limitado.

Little Raccon era assim: pitoresco.

O sufocante oxigênio que cheirava a Jasmim e a brisa congelante vindo das montanhas chicoteando seu rosto onde quer que você fosse.Se fosse possível ter uma visão plena da escola do município e você parasse pra observar cada canto dela,perceberia uma coisa muito interessante: a quantidade de pessoas imersas em suas próprias bolhas.Retraindo sua fracionária atenção para a vaga importância com nada além das preocupações que passam na cabeça de crianças de cidade pequena.Era por isso que quando algo daquela proporção atravessava as várias paredes de Little Raccon High,se via um fenômeno.

Pessoas distintas ligadas por um mesmo assunto.

Um assunto um tanto desagradável.

[...]

Talvez um dos grandes defeitos de Chelsea Bereaut fosse não ser uma assídua leitora. Se tivesse o hábito de ler,teria poupado á si mesma de muito constrangimento,assim pensava.

Teria evitado os olhares de soslaio e os discretos dedos que lhe apontavam pensando que ela não os enxergará. Ah,e é claro,os sussurros maldosos que a acompanharam durante todo seu trajeto até o banheiro feminino.

Claro que havia percebido que havia algo errado,mas olhares sobre si sempre foram comuns, sua aparência requintada chamava bastante atenção. Bom gosto e bom berço eram aliados indispensáveis. Sendo assim,nada lhe parecia peculiar.

Fora muita coincidência quando Bonnie empurrou a porta do banheiro e chegou até ela em dois passos, seus olhos verdes saltando das órbitas.

— Bom dia Boo. — Cumprimentou casualmente ao aplicar seu gloss de cereja nos lábios observando-se no espelho.

— Como consegue estar tão calma? — A outra retrucou,segurando-a pelo braço. Parecia prestes a ter um piripaque.

— Como? — Chelsea franziu as sobrancelhas,enquanto limpava os cantinhos da boca melados de gloss.

— Espere,você não olhou o site do jornal ontem a tarde? — Bonnie agora parecia estar fritando o próprio cérebro. Chelsea balançou a cabeça negativamente. — Nem mesmo antes de sair de casa?

— Claro que não Bonnie. Em que mundo eu acordo,tomo banho,me arrumo pro colégio e vou conferir o jornal? — Chelsea além de confusa,estava começando a perder a paciência. — Francamente, o que você tem hoje? Eu não olho o jornal nem quando tem artigo da Meg lá.

— Então Chels,acho bom se sentar.— A expressão no rosto de Bonnie ficou pesarosa. — Você precisa ler um negócio.

[...]

“Caríssimos estudantes,corpo docente e corja de Little Raccon;

Como passaram de férias? Eu passei muito bem,que bom que perguntaram.

Infelizmente algumas pessoas não podem gozar de mesmo prazer,não é?

É realmente uma pena onde os vícios juvenis podem levar... Uma pedra que vale ouro por três minutos em êxtase, algumas balas por uma utopia,uns goles da garrafa do armário de especiarias do papai por uma escapada da realidade podem sair mais caro do que se imagina.

Anos de sofrimento e auto-destruição ou no caso dos mais bem aventurados $$$,um par de meses em uma rehab barra pesada em Oklahoma.

 Pelo menos não vai ser necessário fingir que a gente não via a garrafinha de metal que tinha dentro da sua bolsa Prada. Da próxima vez, Chelsea,pelo menos escolha alguma de melhor bom gosto, todos sabemos que você odeia quando é passada pra trás em estilo não é? Boatos que animal print é a tendência da estação.

Meu conselho pessoal é que de agora pra frente,os Bereaut mantenham os dois olhos abertos e o armário de bebidas trancado.

De nada,

The Big V “

Asha Winteroy estava no meio da aula de química quando finalizou pela quinta vez a leitura do amargurado texto sobre uma de suas melhores amigas. Estava soltando fogo pelas ventas,afinal sua mente insistia para que ela se levantasse dali e tomasse alguma atitude válida em frente a aquilo tudo,só que da sua forma,é claro.

Devolveu o celular para o garoto que sentava do seu lado,que havia o emprestado para que ela desse mais uma observada no artigo. Estava decidida.Levantou a mão parcialmente,pedindo a autorização do Senhor Sanchez para se dirigir à enfermaria,já que estava sentindo supostas náuseas.

Com sua boa fama e sorriso angelical,o Senhor Sanchez consentiu,imediatamente preocupado. Com o par de Louboutins no pé, Asha deslizou graciosamente até a porta,ignorando os olhares atravessados e sorrindo como uma veterana de guerra.

Pois era aquilo que realmente parecia,uma veterana de guerra indo travar mais uma de suas batalhas. Essa de preferência,iria ser sangrenta.

[...]

Aidan tinha recém colocado o pé pra fora de sala quando ouviu os gritos.

Ele podia ter ignorado e seguido para o lado oposto, o lado do campus verde e com belas macieiras. Mas curioso — como sempre —, marchou seguindo a trilha dos gritos.

Foi surpreendente ver que aquilo saia da sala do jornal,contudo com os acontecimentos recentes, estava meio óbvio que iria acabar tendo algum barraco por ali em breve. O que ele não esperava era abrir a porta do jornal e dar de cara com Asha Winteroy discutindo fervorosamente com Meg Vanderville ou popularmente,Vandy.

Vandy era a responsável por escrever os artigos de opinião no jornal,normalmente com alto teor de ironia e sempre puxando a crítica pra algum tabu. Meticulosa,sarcástica e intragável.

Pelo menos eram o que diziam as más línguas. Não que Aidan acreditasse muito nelas.

Vandy estava acuada contra a mesa,embora não parecesse se sentir reprimida. Ao contrário,a escritora ostentava um sorriso debochado de canto e tinha um brilho de divertimento no olhar,enquanto Asha parecia assustadora, com seus saltos de quinze centímetros e as mãos nos quadris.

—Vou conseguir que seja expulsa daqui.  — Asha revelou com uma calma contida,embora suas íris queimassem de ódio se observadas de perto.

Se elas já tinham percebido o rapaz,não estavam muito dispostas a parar por conta dele.

— Não é necessário Asha. — Vandy retrucou, cruzando os braços. — Porque eu já fui.

Aidan pigarreou surpreso,Vandy era boa escritora,não dava pra imaginar o porquê de terem a expulsado do jornal. Na verdade,nem dava pra entender direito porque Asha Winteroy fazia tanta questão de a ter fora do jornal. Quando ele pigarreou as duas garotas olharam para ele. Vandy continuou indiferente,já Asha lhe dirigiu um sorriso amarelo.

— Ah,Aidan! Como está? — Não que ele realmente achasse que ela se importasse. — Eu só estava...

— Acho que agora você já pode ir Asha. — Vandy levantou as sobrancelhas,indicando Aidan com a cabeça. — Já me pronunciei sobre o assunto,e francamente,você nem deveria estar aqui.

Asha levantou a cabeça,sorriu perigosamente e disse:

— Você não vai sair impune. Más mentirosas não sustentam a própria mentira. — E então saiu,dirigindo a Aidan mais um olhar.

Agora eram somente Vandy e ele.  Depois de alguns minutos de constrangedor silêncio,ela quebrou-o parcialmente.

— O que está fazendo aqui? — Não tinha certeza se Vandy se lembrava dele, todavia já haviam feito Economia Doméstica juntos no ano passado.

— Eu ouvi os gritos. — Replicou devagar,analisando a expressão facial de Vandy. — Já estava de saída.

A impassibilidade do rosto da escritora era preocupante, bem como se a excitação dos alunos pra saber sobre seu destino e punição não fosse nada além de um contratempo desnecessário.

— Você é Aidan Swanson. — Não foi uma pergunta. — Gênio da informática,enciclopédia humana e cabeça de vento.

Os olhos castanhos esverdeados de Meg o analisaram metodicamente,em busca de qualquer erro que pudesse ser corrigido acerca de si mesmo. Aidan se perguntou se era aquilo que as pessoas pensavam dele.

— Sou. — Foi uma afirmação limpa e clara,e talvez no contexto,soasse convencido,porém Vandy não parecia se importar. — Como?

— Conheço Clyde. — Não via Clyde,seu vizinho e melhor amigo,dando informações sobre si para Meg Vanderville. Na verdade, não via Clyde dando informações sobre si para ninguém. — E digamos que sou bastante observadora. Ao contrário de você,aparentemente.

Não tinha soado rude aos seus ouvidos, porém aparentemente Meg estava esperando alguma revolta de sua parte.

— Como?

— Digamos que você me parece um tanto disperso desde que entrou nessa sala. Ou talvez você seja assim o tempo todo,não sei. — Meg deu de ombros. — Mas se me permite fazer um pedido,agradeceria se não falasse sobre o que ouviu aqui com ninguém, Aidan.

— Sobre a sua expulsão do jornal?

Pela primeira vez desde que entrou na sala,Aidan percebeu uma mudança de humor e uma alteração no rosto de Meg. Suas sobrancelhas se juntaram e seu olhos foram preenchidos por uma névoa de amargura que foi embora tão rápido quanto chegou.

— Nada que não possa ser contornado,estarei de volta muito em breve. — Agora a garota falava mais para si mesma do que para o rapaz. A expressão mirabolante assumiu o rosto de Meg,Aidan sentiu calafrios.

— Vou ter que ouvir os murmúrios e as suposições assim que deixar a minha zona de conforto aqui dentro e não quero ter que lidar com mais um fofoqueiro contando o que realmente aconteceu. Além de que acabaria com a graça de tudo,uma vez que eles já não vão poder ficar especulando mais sobre toda essa confusão,seria um ponto fraco que eu não quero entregar de bandeja pra pessoas malignas. — Aidan lembrou-se que aparentemente Asha também já sabia,por isso,seu silêncio de nada valeria. Antes do almoço,Meg já estaria na boca do povo por motivos bem diferentes dos de agora.

— Foi você que escreveu o artigo sobre Bereaut? — Ele perguntou o que basicamente todos queriam saber. Foi um erro,lógico,a expressão no rosto dela se tornou defensiva.

— Não que eu deva satisfações a você. Já que até que me prove o contrário,não é mais ou menos merecedor de informações do que Winteroy. Contudo,não Sherlock,não fui eu que escrevi aquilo.

— Então não há como provarem que foi você. Apesar de aparentemente,tudo apontar para a sua figura. — Aidan constatou.

— Sim. Mas se você me permite um conselho Aidan,não se envolva nisso,não me parece um típico jogo de tramas,e cá entre nós,você não é o tipo de gente que tem bacharelado em intrigas.

— Não. Mas infelizmente possuo PHD em bisbilhotar.