Por Um Dia escrita por Carpe Librum


Capítulo 6
Volte à Vida


Notas iniciais do capítulo

Evan Carter tem todas as certezas prontas, inclusive a de que o bullying que pratica contra o homossexual da escola, Ian Miller, é inofensivo e merecido. Até estar literalmente na pele de Ian no dia em que este tomaria uma decisão fatídica.



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Deus. O que dizer sobre o Grande Ser Magnifico Que Criou Os Céus e a Terra? Bem, começarei por um fato: em relação a Ele, eu era um hipócrita. Meu avô era pastor e pregava que a maior prova de amor para com Deus era o amor ao próximo, independentemente de quem fosse. “Devemos amar nossos inimigos como a nós mesmos”, dizia ele. Na igreja, eu recitava a mesma coisa, mas na prática não era bem assim. Eu sou Evan Carter, ou pelo menos era...

Ian Miller era um garoto diferente dos outros. Enquanto eu e meus amigos jogávamos basquete na quadra da escola, ele ia ler um livro intitulado “Todo Dia”, de um tal de David alguma coisa. Ele não possuía muitos amigos. Suas únicas companhias eram os seus livros e um caderninho preto em que ele passava horas e horas escrevendo.

Certo dia, eu estava na sala de aula com meus amigos e vi a mochila de Ian entreaberta. Dava para ver o pequeno livro escuro com um pequeno fecho dourado na capa. Um diário. Uma onda súbita de curiosidade me atingiu e eu arranquei o livrete da bolsa do garoto. Era óbvio que estava trancado. Decidi que o levaria para casa e bateria na pequena fechadura até que ela se destruísse e revelasse o que estava escondendo aquele pequeno caderno. Cá entre nós, um diário não é algo muito masculino de se possuir, e isso me incentivou mais ainda.

Naquele dia, eu descobri o que estava escrito no diário de Ian. Nojo e repulsa atingiram meu estômago e a bile amarga subiu de uma só vez. Ian Stewart Miller era homossexual. E o pior: ele dizia que me amava. O medo caiu sobre mim como uma chuva de canivetes. E se alguém visse aquilo? O que seria de mim? Eu teria que pôr um fim nisso. Sim, eu teria...

Na manhã seguinte, comecei a tratá-lo com tanto ódio que me senti surpreendido. Eu passei a odiar os gays, as lésbicas e o diabo a quatro. Para mim, todos mereciam o mesmo fim: queimar no mais profundo Inferno. Morrerem na miséria e na humilhação. Se nem Deus perdoava tal coisa, por que eu havia de perdoar?

Até que chegou este dia. O dia em que eu não era mais eu. O dia em que eu acordei no corpo de outra pessoa e tive acesso total a suas lembranças e sentimentos. Eu estava no corpo de Ian...

***

A primeira coisa que senti foi uma terrível dor de cabeça. E depois o medo. Meus pulsos, meus braços e minhas coxas estavam marcados por pequenas linhas verticais e horizontais. Ao olhar para elas, a dor de mil lâminas atravessou meu corpo. Eu gritei. Aos poucos, a dor aguda foi cessando e pude perceber que não estava em casa. Era um quarto todo cheio de pôsteres e fotos de uma cantora chamada Lana Del Rey e na parede oposta de onde eu estava, uma pequena estante de livros se encontrava. As paredes do quarto eram todas brancas e havia um pequeno espelho no criado mudo ao lado da cama onde eu estava sentado. Eu o apanhei e um pavor doentio surgiu em mim.

Não era eu quem estava refletido no espelho. Era um garoto de cabelos castanhos ligeiramente arrepiados, olhos amendoados, também castanhos, e pele branquíssima. Aquele era Ian Stewart Miller...

Uma torrente de imagens passou pela minha cabeça. E todas elas vinham da mente de Ian. Eram os pensamentos e lembranças dele. Várias vezes, eu conseguia ver algo que se assemelhava a um penhasco, mas não tinha certeza. Estava tudo nebuloso...

Um barulho estridente me despertou do transe. O espelho havia caído no chão e quebrado. Eu estava arfando e suando frio. Algo estava errado. Onde estava o Evan Carter de sempre? Como eu havia vindo parar neste corpo? Meu Deus, o que estava acontecendo? Tive vontade de gritar novamente, mas a minha boca não obedeceu. Meus lábios estavam colados um no outro.

Apanhei um par de chinelos que estava ao lado da cama e os calcei, tomando cuidado para não pisar nos cacos do espelho quebrado no chão. A porta do quarto estava com uma gigantesca foto pregada com fita crepe da cantora Lana Del Rey. Toquei na imagem da bela mulher e fui transportado para um lugar diferente. Era uma lembrança de um show acústico em Nova York. Durou apenas um minuto, antes de eu voltar ao quarto do jovem Ian.

Girei a maçaneta e saí do cômodo. Um lance de escadas se encontrava um pouco a diante. Desci os degraus e fui parar em uma sala de estar pequena. Uma televisão se encontrava em uma raque. Ela estava ligada no noticiário das 7h. Um cheiro forte de café se estendia por todo o ambiente. Segui o aroma e segui meu olfato até a cozinha. Uma mesa preparada com café da manhã estava posta diante de mim. Pães, bolos, queijos, frutas e outros alimentos estavam disponíveis. A visão toda era meio sinistra. Ao que parecia, não havia ninguém em casa. Se houvesse, viria imediatamente até mim quando escutasse o barulho do espelho quebrado.

Decidi investigar mais um pouco além naquela casa tão estranha aos meus olhos. Voltei novamente para a sala de estar e fui em direção à escadaria que havia me levado até ali. Subi dois degraus por vez e me deparei com um corredor. Não o havia notado quando saí do quarto. Talvez porque eu estava atordoado demais para perceber.

O corredor era pequeno e possuía mais duas portas, uma na parede oposta ao quarto de Ian e outra na minha frente, um pouco mais adiante. Resolvi abrir a primeira por estar mais próxima de mim. Uma grande cama de casal se estendia pelo cômodo. Sobre a cabeceira, havia vários quadros com fotos de Ian e uma figura feminina muito parecida com ele. Aproximei-me para observar mais de perto. Novamente, imagens passaram diante os meus olhos. A primeira delas foi Ian chorando. Um choro silencioso e aflito. Depois disso, notei que a mesma garota que estava na foto veio e o abraçou tentando consolá-lo. Um nome surgiu em minha cabeça: Katherine Stewart Miller, a irmã de Ian. Minhas mãos começaram a tremer quando o vi mutilando o próprio corpo. Cortes, cicatrizes, sangue...

Era demais para mim. Minha respiração se acelerou e eu estava arfando. A dor dos ferimentos havia retornado. Menos intensa, mas ainda assim dolorosa. Depois de readquirir a compostura, coloquei a foto em seu lugar e voltei-me para o resto do ambiente. Havia um quadro pintado à mão pregado na parede. Nele estava retratado um velho homem tocando um violino. Estudei a tela e vi que havia uma minúscula assinatura. Era o nome de Katherine. Ela pintava quadros...

Meus olhos novamente se direcionaram para a cama. Um quadrado branco podia ser visto sobre o lençol vermelho. Era um envelope. Não havia remetente nem destinatário. Rasguei-o e vi que dentro havia uma pequena carta. Desdobrei-a e comecei a ler...

Querida Kathy,

Se estiver lendo isso, saiba que já não estarei mais aqui. Primeiramente, eu só queria agradecer por tudo o que você fez por mim durante esse tempo. Quando nossos pais descobriram sobre a minha sexualidade, o meu mundo caiu. Você veio ao meu encontro e me tirou daquela prisão. Levou-me para a sua casa e passei a morar com você. Enquanto todos me atiravam pedras, você me cobriu com a suas penas e me protegeu com suas asas. Obrigado, Kathy. Eu te amo...

Lembra-se de quando eu te perguntei se havia algo que destruísse o amor? Você me avaliou e por fim sorriu e disse: “Não há nada, nem no Céu, nem no Inferno, que seja capaz de destruir o amor, meu anjo. O amor pode até murchar e perecer, mas ele renascerá em seu coração quando você menos esperar”. Naquele instante, eu senti minhas bochechas queimarem e os meus olhos se encherem d’água. Você nunca errava nas palavras. Você me entendia como ninguém mais poderia e eu dou graças a Deus por isso.

Katherine, você acha que eu irei para o Inferno por ter sentimentos por garotos e não por garotas? Passei esses últimos cinco anos pensando nisso. Será que minha alma está condenada por algo que eu não tenho culpa alguma de ser? A dúvida me corrói por dentro. Eu acredito na existência de Deus, e acredito que existe a morada dos anjos e também a dos demônios. Diga-me, Katherine, eu sou um demônio? Eu sou o mal que há no mundo? Quem eu sou?

Deus sabe o quanto eu gostaria que tudo tivesse sido diferente, que tudo tivesse dado certo. Talvez meus pulsos estivessem intactos e eu nunca estaria escrevendo este bilhete de despedida. Quem me dera se aquele a quem eu amo me considerasse, pelo menos, como um amigo. Para mim, uma amizade já seria o bastante. Não escolha a não ser me conformar com as coisas como são, mas não serei hipócrita. Ter o desprezo dele dói e muito. E mais doloroso ainda é não poder dizer a ele que o amo.

Gostaria tanto que papai e mamãe se orgulhassem de mim, pelo menos uma vez na vida. Eu sei que é muito difícil para eles. Eles tinham planos para mim no futuro, eu sei que tinham, mas não posso mudar quem sou. Estaria sufocando a minha própria personalidade. Sei o quanto mamãe sonha em ter netos. Uma vez, quando eu ainda estava na casa deles, encontrei uma pequena caixa com touca, sapatinhos e blusinhas de lã para bebês que ela mesma havia tricotado. Papai não fala comigo há três meses. Não dá um telefonema para saber como estou. Isso magoa tanto. Eu ainda tenho esperanças de que eles possam me entender um dia.

Andei pensando algum tempo atrás. A morte está em todos os lugares, nos espionando e rindo de nós. Em qualquer lugar que você for, a morte estará te esperando, aguardando a oportunidade certa para nos arrastar para o abismo. Gostaria de poder ver quem choraria a minha morte. Quem sentiria minha falta quando eu partisse desta terra. Eu daria tudo para saber quem se importa verdadeiramente comigo. E, principalmente, gostaria de saber o que Evan sentiria. Mas isso será um enigma para mim...

De seu Pequeno Príncipe,

Ian

***

Quando terminei de ler a carta, reli mais duas vezes. Senti o gosto amargo da bile em minha garganta de novo. De repente, o pânico, o medo e o remorso me invadiram. Senti lágrimas quentes dilatarem os meus olhos e um gemido quase surdo saiu da minha boca. Como eu pude ser tão estúpido? A pergunta colidiu com outra: por que eu estava ali e por que tudo aquilo estava acontecendo?

Inesperadamente, assim como das outras vezes, uma imagem apareceu diante de meus olhos. Aquilo que anteriormente eu havia descrito como um penhasco era uma ponte composta de ferro e madeira velha e desgastada por conta do tempo. Um rio negro e sujo corria abaixo dela.

A Ponte do rio Broceland.

Aquele era um lugar abandonado. Ninguém ousava se aproximar. A ponte levava para um matagal infindável, cheio de animais peçonhentos. Algo me dizia que eu teria que ir para lá. Talvez eu conseguisse respostas. Talvez...

Voltei ao corredor e fui então em direção à última porta do que, como adivinhei, era o cômodo onde Katherine e Ian guardavam suas roupas e calçados. Abri a porta e procurei o interruptor com a mão para acender a luz. Era um cômodo pequeno, mas lotado. Várias coisas preenchiam as prateleiras e os pequenos armários. Apanhei um All Star preto de cano baixo, porque era o mais próximo de mim, e procurei alguma roupa nas gavetas de Ian.

Eu estava usando uma calça de moletom preta e uma regata branca que deixava à mostra todas aquelas linhas vermelhas de cicatrizes de automutilação. Sempre notei que Ian usava blusas de frio ou camisetas de manga longa. Podia estar fazendo um calor dos infernos e ele estaria usando algo que cobrisse seus braços. Agora eu sabia por quê. Abri o guarda-roupa do garoto e comecei a buscar por algo que cobrisse meus braços. Primeiramente, o corpo não era meu e isso quer dizer que eu deveria respeitar os hábitos de Ian. Em segundo lugar, eu não gostaria de sair no meio da rua com um braço todo cortado. Mesmo que estivesse em outro corpo, ainda conseguia me sentir constrangido e, de alguma forma, para mim, mostrar todas aquelas cicatrizes era como mostrar a própria nudez, tanto dele quanto minha.

Por fim, encontrei uma larga blusa de lã e saí do quarto. Desci as escadas e procurei a saída da casa. Lá fora, o sol da manhã se mostrava radiante e as nuvens o rodeavam timidamente. A vizinhança era toda composta de casas em formatos iguais. Todas eram de madeira e tijolos e suas únicas diferenças eram as cores. Jardins pequenos decoravam a residência de Katherine, diferentemente das demais. Pequenos ramos de hortênsias se espalhavam pela calçada de grama e um arbusto de rosas se mostrava na entrada casa. Caminhei pela garagem até a cerca de madeira branca que rodeava todo o terreno e fui para a rua.

Enquanto andava, senti algo no bolso calça. Sem ter notado, eu havia guardado a carta de Ian e a havia deixado ali. Guardei-a novamente e segui meu caminho. A ponte do rio Broceland não era muito longe.

Quando cheguei, tudo parecia normal. O ar estava gélido e isso fez com que meus dentes começassem a bater. Comecei a observar a atmosfera do lugar. Tudo parecia calmo demais. Era como se nada de ruim fosse acontecer ali. Dúvidas surgiram em meu pensamento. O que eu estava fazendo ali? Por que eu estava no lugar de outra pessoa? E, principalmente, por que essa pessoa era Ian Miller? Desiludido, agachei e sentei no meio da ponte, olhando o curso das águas. Deus, o que estava acontecendo? Por que eu estava ali?

Todo esse tempo, eu havia sido tão rude. Ele sofria e eu me divertia com o seu sofrimento. Eu deveria dar um bom exemplo de aceitação e amá-lo como um irmão. Foi isso que me ensinaram, e olhe para mim agora. Um brutamontes arrependido. Eu o matei. Eu matei Ian Miller.

Senti meus olhos queimarem. Eu não podia chorar. Não queria. Cerrei os punhos e gemi como um animal ferido. Pequenas linhas vermelhas estavam escorrendo pelos meus dedos. Era sangue. O sangue de Ian. Preparei-me para sentir a velha dor de mil lâminas mutilando meus braços e pernas, mas não houve nada. A dor havia sido substituída por algo pior: a culpa e o remorso.

Com as forças que me restavam, levantei-me e caminhei para fora da ponte. Eu não iria conseguir nada ali. Não iria conseguir em lugar algum. Talvez esta fosse minha condenação. Viver no corpo de alguém que eu humilhara e nunca saber como voltar à minha própria vida. Minha cabeça latejava.

Pense, Evan. Por que você está aqui? Do que você está incumbido?

As perguntas permaneceram no vazio. Não havia respostas. O que está feito, está feito. Não há nada a ser mudado. Continuei refletindo, tentando organizar minhas ideias quando, inesperadamente, tropecei em meu cadarço desamarrado. A grama estava há uns cinco passos na minha frente, mas mesmo assim consegui sentir o cheiro de terra molhada. Quando me levantei, algo me chamou a atenção. Havia uma frase escrita na madeira da ponte. E foi escrita com a minha caligrafia. A caligrafia do antigo Evan.

“Volte à vida”

Volte à vida. O que será que isso significava? Como eu poderia voltar a viver se ainda estava vivo? Como poderia voltar a ser quem era? Toquei a inscrição para tentar acessar alguma lembrança, mas o esforço foi em vão. Não havia nada. Eu estava sozinho. Solitário em um mundo totalmente vazio. Sem pensar, comecei a caminhar sem rumo. Andando sobre a grama orvalhada e chegando até o asfalto rachado. Tudo era tão confuso. Não havia carros, não havia pessoas. Não havia ninguém. Estava tudo acabado. Continuei andando, quando um som chegou até o meu ouvido. Era suave e pulsante. Mas estava longe e por esse motivo eu não conseguia perceber o que é que o estava produzindo.

Concentrei-me nas lembranças de Ian à procura de algo que me levasse até o som. Quando estava quase desistindo, a imagem apareceu. Era da sala de uma casa. A música vinha de um rádio velho que tocava músicas instrumentais antigas e ao lado dele, sentada numa poltrona vermelho-escura, estava uma mulher de cabelos escuros com algumas mechas grisalhas. Ela usava um vestido florido com tons de cores que lembravam a primavera. Era a mãe de Ian, Cassandra Miller.

Esta era a antiga rua em que ele morava, antes de tudo começar a dar errado na vida dele. A casa não estava longe, na verdade estava muito mais perto do que eu imaginava. Atravessei a rua correndo e toquei a pequena campainha do portão. Diferentemente da casa de Katherine, esta aqui era toda feita de tijolos e não havia nada de madeira que estivesse no meu alcance de visão. A grama estava muito bem aparada e um carro preto e de pintura brilhante repousava na garagem. Escutei o barulho de uma fechadura e da porta da frente surgiu Cassandra. Assim que ela me viu, sua feição mudou. Algo semelhante ao arrependimento e compreensão. Ela veio caminhando lentamente até o grande portão de ferro que trancava a casa. A cada passo, sua expressão se enrijecia até que seu rosto se transformou em uma máscara carrancuda.

— O que pensa que está fazendo aqui, garoto? — a voz dela saiu firme.

Ela abriu o portão e não consegui deixar de notar seus nós dos dedos brancos segurando o trinco com força. Cassandra estava me analisando desde os pés até o último fio de cabelo. Senti algo diferente dentro de mim. E as próximas palavras que falei não foram as minhas, mas sim de Ian.

— Mamãe, por favor, ouça o que eu tenho a dizer. Eu sinto muito por não ser o filho que a senhora tanto desejou ter. Eu sei o quanto é difícil para a senhora, mas tente me entender. Eu não tenho escolha. Eu não escolhi ser assim. Perdoe-me...

Nesse momento, ela começou a chorar. Um choro de culpa e dor. Um choro que estava sendo guardado há muito tempo. Senti seus braços em volta de mim e o calor de seu coração. Ela amava Ian. Ela ainda me ama, escutei o pensamento alegre do jovem em minha alma.

O que houve depois disso foi muito confuso. Ela me convidou para entrar e disse que se arrependia. Disse que o pai de Ian, Harold Miller, havia ido trabalhar mais cedo naquele dia e que voltaria tarde. Cassandra relatou que Harold se arrependia amargamente pelas palavras que havia dito e pelo modo como havia tratado o filho. A mulher insistiu para que eu ficasse até a hora que o pai de Ian chegasse, mas eu não aceitei. E quando estava indo embora, ela gritou meu nome e me entregou algo. Era um pequeno urso de pelúcia. Ian chamava-o de "Pequeno Doug". Aquilo foi um presente de seu pai quando ele tinha dois anos de idade. Repentinamente, lágrimas escorreram pelos meus olhos. Eu não sabia se eram as minhas ou as do verdadeiro dono deste corpo, ou se eram nossas lágrimas misturadas. Eu não sabia.

***

O jovem Evan Carter nunca mais foi o mesmo. Depois de tudo aquilo, ele sabia que teria que mudar. Mudar seu pensamento, sua postura, seu caráter. Ele nunca soube como havia voltado para seu verdadeiro corpo. A princípio, ele achou que tudo não passou de um sonho, mas ao ver um ursinho de pelúcia encardido e uma carta suicida em seu bolso esquerdo, instantaneamente, ele soube que havia sido, de algum jeito, real.

Ian Miller não chegou a se atirar da ponte do rio Broceland. Evan o impediu de fazer isso. O garoto ficou perplexo ao ver o bilhete suicida, o urso de pelúcia e o seu pequeno diário nas mãos de Evan. Houve lágrimas, pedidos de desculpas e até um abraço de reconciliação. Hoje, Evan é casado com uma mulher adorável e tem um filho que se chama Ryan. E Ian, bem, ele se formou em artes cênicas e atualmente é um ator muito famoso.

O amor é uma força poderosa, mas o perdão é algo sublime. Há um ensinamento da Bíblia que diz: “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. A aceitação das qualidades e defeitos do próximo é a maior prova de amor que há em toda Terra. E no final, o destino seguiu seu curso e os dois garotos voltaram à vida. Voltaram a viver. Voltaram a sonhar.


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Notas finais do capítulo

Do nosso terceiro colocado. Estamos orgulhosos de você, amore. E para todos os Ians e Evans por aí, sempre é tempo de se voltar à vida. It gets better.



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