A porta do quarto abriu, mas eu não tinha muita certeza de ser real ou um sonho. Uma tosse foi o que chamou minha atenção. Eu sentia um peso sobre minhas pernas, olhei pro lado sonolenta, Jorge estava com as pernas em cima das minhas enquanto eu estava com meu braço em cima da cara dele, levantei num pulo de susto o que quase o derrubou o fazendo acordar. Olhamos na porta, meu avô estava escorado nela acompanhado por Leo que ria da cena. 

— Já estão todos ai - meu avô falou - Se quiserem descer e comer algo.

— Eu me atrasei! - falei olhando a hora no celular - A Dona Angelina vai me matar.

— Ela está ai também e trouxe uma torta maravilhosa - meu avô falou e eu o olhei desconfiada - Para de jogar esse olhar e desce, respeita o seu vô.

Ele desceu, Leo entrou e ficou encarando o corpo da Carla, começou a balançá-la com o pé.

— Para que ser delicado, né? - falei rindo - Acho que ela não vai acordar tão cedo.

— Nem me fale, por mim ainda estaria dormindo. - Leo bocejou - Mas e ai, como passaram?

— Conversando e depois morremos - Jorge falou se levantando - Você é muito espaçosa.

— Olha quem fala, você quem estava com as pernas em mim, querido.

Ele riu. 

Descemos deixando a Carla dormindo, Peru ainda dormia com Ogro então resolvi deixá-lo ali também. Eu podia ouvir o barulho das conversas que na verdade era meu avô, Dona Angelina e Raoni conversando, Hermione estava quieta tomando café, Neville estava quieto sem olhar ninguém e Draco parecia preocupado, ficava encarando Hermione de uma forma que eu nunca vira antes. Nyack se servia com um sanduiche.

— Finalmente, pensei que você nunca desceria - Nyack falou ainda de boca cheia o que me fez rir.

— A culpa foi minha - Jorge puxou uma cadeira e se sentou - Devo ter destruído suas pernas - ele riu para mim.

— Nem me fale - eu me joguei ao lado de Neville e Draco - Suas pernas são muito pesadas.

— Vocês dormiram juntos?-  Nyack olhou Hermione que ainda saboreava o café.

— Sim, fazemos isso desde sempre - Jorge falou e riu - Não precisa ficar com ciúme, não, Nyack - ele bateu nas costas do menino que o encarou - Ela e eu somos como irmãos, nada além disso - ele me olhou e eu confirmei.

Leo pareceu finalmente conseguir acordar Carla que descia reclamando, ela se jogou com os olhos inchado ao lado de Jorge, Leo se sentou ao lado dela.

— Não vai querer nada? - perguntei olhando Draco, ele pareceu sair do transe.

— Eu... Eu estou bem - ele sorriu seco - Acho que vou dar uma volta, licença - ele se levantou e foi para fora, estava estranho. Hermione o seguiu com o olhar e logo saiu pedindo licença.

Neville os acompanhou com o olhar, parecia cansado. Servi um pouco de café e estiquei a xícara para ele que ficou me observando.

— Você parece meio triste, vai te fazer bem - ele olhou o líquido escuro - Estudo recentes dizem que tomar logo pela manhã não é o melhor, mas café nunca é demais. 

Ele bebeu um pouco, eu o observei.

— E então? Bom?

— Tem um gosto forte.

— E te dá energia, é a "magia" - fiz aspas com as mãos - das plantas trouxa - ele pareceu sorrir.

O café continuou com Jorge provocando Nyack e Leo, Carla o ajudava vez e outra, meu avô parecia ter conseguido um concorrente, Dona Angelina conversava com os dois e ria deles, mas eu tinha certeza de que ela só entendia realmente o que meu avô falava que não tinha com o mundo magico.

— Acho que já está na hora. - Raoni se levantou - Temos de decidir o que faremos.

— Como assim? - eu os olhei.

— As vozes têm ficado mais frequentes - Nyack falou, eu confirmei - Ele logo irá voltar e atacar mais uma vez. Raoni acha que ele está nos usando para poder ficar forte, achamos que por alguma razão seu corpo e alma enfraqueceram com o tempo.

— Já sabem que é ele?

— Ainda não - Carla falou ficando séria-  Pesquisamos em tudo, mas não temos nenhuma ideia de quem poderia ser.

— Pensamos em te levar de volta e você nos ajudar a chegar até ele - Leo falou - Quando vocês dois estão juntos devem ser mais úteis, assim ele terá tudo o que precisa para reaparecer e atacar mais uma vez.

— E como vocês saberão que é ele e não se deixarão ser abatidos novamente? - eu os olhava preocupada - É muito arriscado.

— Arriscado é vocês continuarem assim - olhei o professor, ele se levantou - Você não pode se aproximar de bruxos e ele longe de você fica muito fraco, Agnes, temos de acabar com isso ou isso acabará com vocês.

— Professor, eu não posso voltar pra Castelobruxo, só de eu estar a essa distância de vocês já estou sugando as energias, se eu for para um espaço com muitos bruxos será ainda pior.

— Agnes! Te encontrar foi a única coisa em que me foquei nesse último mês, eu fui até atrás da sua mãe para ver se ela contava algo, ela se esquivava de mim todos os dias que eu ia até a empresa e quando me encontrava com ela dizia estar com pressa e quando finalmente a encontrei ela disse estar morrendo de saudades de você e que eu deveria conseguir te trazer de volta, te trazer de volta para nós, bruxos. Agora que finalmente te encontrei não vou deixar que você fique fugindo assim.

— Professor, eu nem sei se conseguiria chegar até a escola sem ferir um de vocês...

— Você já me feriu, Agnes, e pode ter certeza que não conseguirá abrir uma ferida tão grande quanto a que já está aberta. - ele saiu.

Eu fiquei parada encarando o meu professor se afastar, eu não tinha mais tanta certeza de como era respirar, como era mexer qualquer músculo.

— Caramba! - Jorge quebrou o silêncio e então me lembrei dos outros - O que acabou de acontecer aqui?

Eu os olhei, meu amigo tinha os olhos arregalados e eu não sabia como respondê-lo.

— Eu deveria ir falar com ele, não deveria? - olhei os três mais velhos.

— É... Seria bom - Dona Angelina falou e sorriu - Ele parece realmente gostar de você querida, valorize isso.

Eu me levantei e fui atrás do professor, ouvi alguém vindo atrás de mim, a pessoa me tocou, por eu não ter sugado suas energias só poderiam ser duas pessoas.

— Por favor, não vá atrás dele - eu olhei Nyack, ele me fitava com aqueles enormes olhos, franzi o cenho sem entender.

— Me solta, Nyack!

Eu ouvia a voz de Carla xingando dentro da casa, ela e Jorge sairam e ficaram nos assistindo da porta.

— Ele vai tomar um belo pé na bunda - Jorge falou e Carla concordou.

Nyack ainda não tinha me soltado.

— Por favor, me solta. - falei começando a perder a paciência, eu estava arrasada pela forma como Neville tinha falado comigo, pela forma como ele estava agora, eu queria conversar com ele tentar explicar o meu lado e porquê eu não contei a ninguém o que eu pretendia fazer.

— Eu não posso.

— É só abrir e mão e me deixar ir, não é tão difícil. - eu já estava impaciente. - Nyack... - eu não terminei de falar, ele me beijou, meus olhos quiseram saltar do meu rosto. Eu o empurrei para longe de mim - Idiota!

Dei as costas e saí correndo pela fazenda.

— Ela via matar esse cara - Jorge falou.

Eu queria encontrar o professor, eu precisava encontrar o professor, mas agora Nyack estava na minha cabeça, ele devia estar maluco se achou que eu sentia algo por ele. Parei de correr, mas não foi por ver Neville, foi por ver Hermione e Draco, os dois juntos, eu não tinha certeza de que deveria ter visto aquilo, mas eu vi e fiquei curiosa para saber o que falavam, mas claro que alguém como Hermione Granger não seria descuidada e tinha enfeitiçado a conversa, então me contentei em apenas observá-los ali, eu queria continuar minha busca pelo professor, eu precisava disso, mas pelo que Nyack fizera e por aquele casal a minha frente eu perdi o foco, fiquei meio nocauteada, resolvi que seria melhor me jogar na grama e esperar. 

Eu também queria poder conversar com Draco, queria poder perguntar a real razão de alguém como ele estar me ajudando e colocando em risco todos os anos em que ficara se escondendo, eu não entendia  a razão dele fazer isso considerando que ele mal me conhecia e que quando realmente tivemos a oportunidade eu suguei parte de sua energia e praticamente o traumatizei.

O sol estava forte e talvez ficar esperando não fosse uma boa ideia.

'Todos reunidos, acho que é hora de você fazer algo'

Olhei em volta buscando pelo dono da voz.

'Vá, Agnes, preencha o recipiente com todas essas energias'

— Não! - eu olhei em volta mais vezes. - Eu não vou.

Me distanciei no casal que pareceu só então me ouvir, corri pela fazenda, entrei em meio ao milharal, sempre tive medo de entrar ali devido as cobras, mas eu não tinha para onde ir. Precisava ficar distante de todos. Atravessei a plantação de milho e parei perto do lago, alguns peixes nadavam bem agitados. 

'Correr não irá adiantar' apertei minha cabeça com as duas mãos.

— Eu não vou machucar mais ninguém por sua causa.

Olhei a água, lembrei que ali era fundo, talvez... Será que se eu me afogasse tudo pararia? Ele não teria mais uma caçadora então os bruxos não correriam mais perigo. Mergulhei, em algum momento na minha infância eu fui boa em natação e conseguia prender o ar por muito tempo, mas com toda a certeza esse não era mais o meu tempo. Aos poucos o ar foi acabando, eu sentia os peixes passando por perto, a água gelada já nem incomodava como no momento em que mergulhei, mas a falta de ar começava a comprimir meus pulmões, eu fechei os olhos com força, porém não podia impedir a água de começar a invadir meu sistema respiratório, a voz voltou.

'Não! Não! Você não pode se matar!' ele estava desesperado, então eu estava certa, se eu morresse tudo acabava. 'Não!'

Eu já sentia minha mente apagando, eu estava perto... Eu ia acabar com tudo, algo me puxou para fora, fui jogada na grama e na lama, comecei a tossir expelindo a água de dentro de mim. A pessoa me ajudou a sentar, eu terminei de cuspir tudo e suspeitava de alguns peixinhos também terem saído.

— Nunca mais faça uma loucura dessas - olhei para Neville, ele estava todo molhado e ofegante, eu tinha ido bem para o meio do lado torcendo que ninguém me visse, para que tudo funcionasse - Eu não poderia te perder mais uma vez - eu o olhei assustada, ele se afastou parecendo bravo.

Eu me levantei meio fraca e fiquei o observando, eu queria dizer algo, eu queria poder explicar tudo, mas eu estava perdida. Eu tinha acabado de tentar me matar, não era a pessoa mais consciente do momento.

— Acho melhor voltarmos - ele falou bagunçando o cabelo - Vou precisar de mais uma dose dessa filtragem de planta trouxa.

— Café.

— Isso - ele sorriu timido - Agora entendo porque os trouxas tomam tanto isso.

Tentei sorrir, mas eu não conseguia.

— Como me encontrou lá? - perguntei enquanto terminavamos de atravessar o milharal.

— Eu só estava me afastando da casa - ele me olhou, os olhos eram os que eu conhecia, aquele era o professor Neville Longbottom - E te vi lá no meio da água, pensei que estivesse nadando ou algo assim, mas começou a passar tempo demais então entendi o que realmente estava fazendo.

Ele parou, eu parei logo atrás, ele se virou para mim.

— Me promete uma coisa - eu confirmei - Você vai fingir que não ouviu o que eu disse na beira do lago e tudo voltará a ser como antes - eu fiquei parada, ele continuou a andar, eu não queria que fosse como antes, eu queria que fosse diferente, eu queria que fosse eu e ele.

— Eu não posso prometer isso - falei, ele me olhou pelo ombro - Não depois de tudo o que eu vi, ouvi e senti, professor, eu não posso...

Ele se virou para mim bruscamente, segurou meu rosto com as duas mãos, não foi de uma forma brusca como tinha sido com Nyack, ele foi cuidadoso e pareceu tremer um pouco e enfim me deu um beijo, mas não era como o que Nyack me deu, era diferente, eu não estava querendo me afastar, queria poder chegar mais perto dele, mas Neville não me deu tempo, quando eu ia abraçá-lo ele se afastou, encostou a testa na minha e eu ainda sentia seu toque em mim, queira que ele voltasse, queria que repetisse.

— Foi o primeiro e último, Ag. - ele se afastou, eu ainda estava na ponta dos pés, fiquei encarando o espaço que ele ocupara segundos antes sem entender e sentindo um vazio enorme dentro do peito, então era isso, era isso que a Carla me avisou todo o tempo e o que Jorge sempre me zoava, eu realmente gosto do professor, e só agora percebi isso.

Fui uma completa idiota por todo esse tempo por nunca ter percebido, mas agora eu percebi e entendi. Entendi que mesmo que nos gostassemos não poderiamos ter nada, afinal, ele é o professor e eu sou só uma aluna do quinto ano. Eu só não entendia por que aquilo doia tanto...

Neville abriu a porta da casa e ficou esperando eu entrar na frente, passei por ele querendo dar um forte abraço e dizer qualquer coisa, mas como eu faria isso considerando a última coisa que ele me disse?

— O que raios aconteceu com vocês? - Carla em olhou assustada, agora eu sentia um pouco de frio.

— A Agnes teve um probleminha com o lago - Neville sorriu, como ele podia sorrir, e pior, sorrir como antes, Carla me olhou percebendo aquela mudança - Eu tive de ajudá-la e acabamos caindo, nada sério, não é? - ele me olhou.

Forcei um sorriso e confirmei com a cabeça.

— Eu vou... tomar um banho - falei e olhei o professor - Você também devia, vai ficar resfriado.

— Não se preocupe comigo.

Eu dei uma olhada rápida pela sala, Draco parecia estar mais relaxado e eu sabia que tinha sido devido a conversa com Hermione. Carla e Jorge trocavam olhares, eles desconfiavam de algo, eu evitei olhar Nyack, mas eu sentia seu olhar sobre mim.

Peguei minhas coisas no quarto e lá encontrei o recipiente me esperando, eu fiquei encarando Nyack esperando que ele fosse dizer algo e quando percebi que não diria segui meu caminho.

— Você não vai dizer nada? - ele falou quando eu ia entrar no banheiro, eu o olhei - Sobre o beijo.

— Eu estava tentando esquecer o que você fez - suspirei e o olhei - Eu não sei em que momento fiz parecer que eu gostava de você da mesma forma que você gosta de mim.

— Você cuidou de mim, Ag, - ele me chamava pelo apelido, que ótimo - eu pensei quê...

— Eu cuidei de todos, pelo menos, tentei cuidar. Porém vejo que foi diferente, vocês cuidaram de mim, mas não era nada além de amizade, Nyack, e sinto muito se fiz parecer outra coisa. - ele abaixou a  cabeça, eu fui até ele e o fiz me olhar - Vamos combinar uma coisa - ele não respondeu - Vamos fingir que nada aconteceu e seremos apenas amigo, o que me diz?

Eu terminava de dizer isso quando ouvi um barulho na escada.

— Sempre foi ele, não foi, o professor? - eu sorri e agradeci por ele entender - Eu não posso brigar com ele pelo seu coração, mas se ele te magoar de alguma forma eu mesmo vou arrancar a cabeça.

— Obrigada - eu ri o fazendo rir. Nyack me abraçou e eu respondi ao seu abraço. 

Quando nos afastamos pude ver melhor a escada, Neville tinha nos assistido, ele me olhou nos olhos e então desceu, eu apenas suspirei cansada daquilo.

— Senão se importar eu vou toma rum banho agora.

— Ah, sim, claro - ele se afastou - É melhor mesmo, ou ficará resfriada.

Ele desceu, eu tranquei a porta e não pude conter sentir um aperto no coração, respirei fundo. Se o professor vai conseguir fingir, então eu também vou.