Carmen escrita por Haydée


Capítulo 1
Ela lhes dá borboletas, piscam seus olhos de desenhos




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Querida, querida, não há problema

Mentindo para si mesma

Porque sua bebida é de primeira linha

Honestamente, é perigoso o quanto ela pode ser charmosa

Enganando a todos, dizendo que está se divertindo

 Com dedos esguios e delicados, a garota verteu todo o conteúdo da garrafa de licor em direção à sua garganta, ingerindo passivamente o líquido adocicado de seu interior. Mas é importante esclarecer que ela só o fez porque seria necessário.

Afinal de contas, os palcos dourados a esperavam. Naquela noite gélida de dezembro, a garota faria vibrar sua voz de grave tessitura pelo aquecido e aconchegante auditório do Carnegie Hall, cantando composições de jazz que, invariavelmente, não haviam sido escritas por ela.

Os ensandecidos espectadores ansiavam por suas canções. Queriam ouvir-lhe a voz, quaisquer que fossem as palavras.

Porém, se não fosse pelo alto teor alcóolico de sua bebida, as mentiras certamente deixariam um sabor amargo em sua boca.

Ela diz, você não quer ser igual a mim

Não quer ver todas as coisas que eu vi

Ela diz, você não quer ficar assim

Famosa e estúpida tão nova

Mentindo, estou mentindo

Para qualquer um que se lhe pergunte, dirá com toda certeza que a garota estava destinada a grandes coisas.

Carmen. Dezessete anos. Um futuro brilhante. Popularidade excessiva. Futilidade natural. Com tudo isso a entupindo, não sobrava espaço para o altruísmo e a integridade. E, embora ela não possuísse essas e outras qualidades, fazia questão de esconder todos os seus defeitos sob camadas e camadas de maquiagem, tornando-os impossíveis de notar.

Os garotos, as garotas, todos gostam de Carmen

Ela lhes dá borboletas, piscam seus olhos de desenhos

Carmen foi inspiração não só para a vanguarda artística, como também para muitos poetas modernistas. E, mais do que isso, foi o desejo de muitos homens e o exemplo de muitas moças que, sem exceção, admiravam-na e buscavam espelhar-se nela.

A sociedade inteira estava cega e a causa da cegueira era Carmen. A cura não havia sido descoberta ainda. Note que o ano era o de 1922. Depois da Grande Guerra, é até fácil imaginar homens e mulheres, sem definição de idade, colocando aos pés da imagem irreverente e excêntrica de uma garota supostamente perfeita toda sua paixão e devoção.

Ela ri como Deus

Ela está brilhando

Como relâmpago, oh, relâmpago branco

Subia ao palco repleta de brilhos, seda e rubis, iluminada pelos holofotes prateados. Seus fios loiros tornavam-se dourados sob a luz fluorescente e seu corpo adquiria um contorno perfeito. Amantes da mitologia romana diriam que a garota era a encarnação de Vênus, enquanto que amantes da literatura diriam que, mais tarde, ela serviria de inspiração para Fitzgerald.

Coloque seu vestido vermelho

 passe seu batom

Cante sua canção

Em síntese, todos morriam de amores pela garota dourada dos palcos iluminados, alegando a sua veneração como uma consequência direta de um coração gentil e talento nato. Mas o que não sabiam é que Carmen era um agente externo de sua própria vida. Do placo, ela podia observar a vida acontecendo diante de seus olhos, sem realmente fazer parte dela.

Tudo que absorvia era leve e superficial. Seu conhecimento era raso e seu caráter deformado. Afinal de contas, Carmen não era mais do que o reflexo de uma sociedade banal.


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Notas finais do capítulo

Obs.: Algumas partes da música foram retiradas e outras modificadas por não se encaixarem na história que eu quis criar.